Resumo

O presente trabalho propõe uma leitura sobre dois modos de produção urbana que atualmente disputam espaço no território das cidades brasileiras. A primeira se configura em torno do pensamento consensual, e tem como ponto de partida a obra do filósofo francês Jacques Rancière. Com isso, procura-se identificar os possíveis pontos de contato entre o consenso, como ausência da política, e suas conseqüências no espaço urbano. A segunda é desenvolvida a partir das práticas centradas na ação crítica, refletidas aqui a partir de diversas especulações que a entendem como meio de afirmação de culturas defensivas, capazes de assegurar o múltiplo e a construção da alteridade, condições essenciais para a vida urbana. Propõe-se aqui um corte detido e vertical em que os casos referenciais servem como fenômenos que sejam similares e abrangentes o suficientes para se pensar nessa disputa, qual seja, entre o pensamento consensual e a ação espacial crítica. Como pano de fundo, espera-se que essa incursão possa contribuir para o debate atual sobre as cidades e o urbanismo, bem como auxiliar a se pensar alternativas aos modos consensuais e homogêneos de produção do espaço urbano.

Palavras-chave: Cotidiano, cultura urbana, consenso, ação espacial crítica, Rancière

Abstract

This paper proposes a reading of two modes of urban production that now can be identified on the territory of Brazilian cities . The first is configured around the consensual thinking, and takes as its starting point the work of the French philosopher Jacques Rancière . Thus, it attempts to identify possible points of contact between the forms of consensus and its possible developments in urban space . The second is developed from the practices centered on crítical action , here referenced from several speculations understand that as a means of asserting defensive cultures . These actions would be able to ensure the multiple as well as the construction of otherness, essential conditions for urban constitution. We propose here a restricted approach where the reference cases have sufficient similarities as to clarify this dispute. As background, it is expected that this incursion may contribute to the current debate about cities and urban planning, as well as helping to think about alternatives to consensual and homogeneous modes of urban production.

Keywords: Everyday life, Urban culture, consensus, critical spatial practice, Rancière

Introdução

Como se pode pensar as ações espaciais críticas no campo de forças que configura as cidades de hoje? Esta é uma questão que leva a pensar sobre a diversidade de atores envolvidos na produção urbana. Entender a posição dos sujeitos em uma dada situação histórica é assimilar seus modos de pensar e agir, e de como essas relações se manifestam no cotidiano. Integrar os atores ao processo de constituição física e existencial dos lugares é indispensável para pensar a vida nas cidades, assim como o próprio campo do urbanismo. As culturas urbanas são corporificadas por meio dos vínculos entre meios de produção espacial e inclinações valorativas das sociedades, sendo estas instáveis e passíveis de reorientação.

Esta instabilidade se revela quando pensamos a cidade como lugar das contradições, das disputas envolvidas na construção de identidades e sentidos. A conformação dinâmica de agentes influencia – em diferentes variações e intensidades – a percepção dos lugares e os valores que lhes são atribuídos. Atualmente é possível perceber nos

espaços urbanos, diversos fatores que subtraem sua pluralidade. É comum observarmos que a vida da rua é gradativamente destituída a medida que proliferam espaços restritos e privatizados. A par de outras conseqüências, pode-se perceber que isso gera uma sociabilidade marcada pela desconexão e pelo alheamento, por relações tênues e distendidas que favorecem uma vida apartada, em que não há o encontro efetivo com a diferença.

Apesar desse cenário, o que se discute no ambiente de planejamento e projeto urbano são propostas amplas e inclusivas, meio de distribuir as formas do direito e da justiça e de alcançar a almejada inserção de setores desprivilegiados no ciclo produtivo do crescimento. A incapacidade de entes municipais em aplicar os mecanismos equitativos das leis de política urbana, é exemplo do quão distantes estamos de uma almejada democracia nas cidades. No cenário atual, boa parte dos projetos urbanos é marcada por aspectos normativos e excludentes que parecem confirmar a tese de Molotch (1987) da cidade como “máquina de crescimento”, cuja maior capacidade está em gerar rentabilidade por meio da valorização imobiliária.

Contra esta tendência surgem vozes dissonantes que procuram estratégias para afirmação de seus e modos de vida. São movimentos, grupos e coletivos que vindicam autonomia e, em muitos casos, o fazem por meio de práticas espaciais, (Lefebvre, 1994), pela apropriação do espaço público como lugar da disputa simbólica e política. Para Harvey (2012) o "direito à cidade", que tendia a se tornar uma formulação vazia, foi reinserido na arena da luta anti-capitalista por movimentos como o Occupy Wall Street. Para Harvey, se os especuladores têm direito de moldar a cidade segundo seus interesses, outros setores também pode fazê-lo, como quando ocupam uma praça pública e nela permanecem, instituído ali uma resistência à aceleração dos lucros, demandado por um sistema cuja origem e finalidade é a produção de excedente. Estas práticas espaciais podem ser entendidas em diferentes escalas, desde os movimentos de longa duração, à ação de sujeitos no cotidiano que constituem modos próprios de estar na cidade, como ambulantes e moradores de rua que concebem a troca material e a moradia a partir do imprevisível.

A tensão entre a experiência dos sujeitos na cidade e as formas hegemônicas de concepção urbana – centradas, por exemplo, na especulação imobiliária – ajudam a entender os termos em disputa nas cidades. Essa cisão é necessária para que haja dissenso, para que haja o desentendimento que, segundo Rancière (1996), é o fundamento da política, cuja anulação é uma forma de consenso. Para Rancière, essa forma de concepção do mundo é marcada por três fenômenos: “a juridicização proliferante, as práticas de perícia generalizada e as da sondagem permanente” (RANCIÈRE, 1996, p.118).

Estes fenômenos encontram diversas traduções no espaço público, e que podem aludir a muitas situações: a anulação sistemática dos movimentos por moradia, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), mostra a dificuldade de se propor terrenos e imóveis a partir de sua função social, colocando o direito de propriedade em posição relativa; a proliferação do controle e a configuração de uma sociedade militarizada, em que os termos e ideias de segurança militar são transferidos de maneira sutil para a vida cotidiana, legitimando a sondagem e vigilância permanente, conforme descrito por Granham (2011).

O pensamento consensual se manifesta na cidade a partir na supressão da divergência,

na formulação de uma vida indivisível onde não há espaço para que a cidade se constitua como construção coletiva e aberta à ação humana. Na contramão desses discursos oficializados e empobrecidos, surgem formas associativas pautadas pela afirmação do espaço público, não apenas como lugar apaziguado do convívio, mas como espaço do conflito e do dissenso.

Esses modos de usar transformam o cotidiano, inscrevendo formas de partilha no território usado das cidades de hoje (Santos, 2005). Nesse sentido, o presente trabalho é orientado pela busca de definições atuais sobre a ação espacial crítica. Constrói-se aqui uma abordagem que se desenvolve em diferentes escalas, fornecendo resultados parciais, cujas definições são sempre imprecisas e passíveis de questionamento. Propõe-se um corte detido e vertical, em que os casos referenciais possuem semelhanças e abrangência suficientes capazes de convergir nessa disputa: entre o pensamento consensual e a ação espacial crítica.

Outro procedimento metodológico consiste em pesquisas bibliográficas, que quando cotejadas aos fenômenos observados, fornecem subsídios para coletar e interpretar os muitos sentidos de uma ação espacial crítica, objeto do conhecimento aqui em questão. A obra do filósofo francês Jacques Rancière foi tomada como ponto de partida para especular sobre o modo consensual e restritivo de produzir a cidade, tendo como contraponto as reflexões construídas em torno da ação espacial crítica, como portadora de uma dimensão critica. O que se espera é que este trabalho possa contribuir para formas mais abertas de produção urbana, tema essencial para as disciplinas urbanas.

A cidade em consenso

O consenso é uma forma de mediação que permeia as ideias, os projetos e as experiências nos espaços públicos de muitos centros urbanos. Os mecanismos de controle e as grandes coalizões centradas na produção de uma “cidade mercadoria” geram espaços públicos destituídos de humanidade e política, onde prevalecem as formas de acordo sem diálogo ou participação. Para Jacques Rancière (1996) a política só acontece no desentendimento, ou seja, onde há igualdade e desigualdade ao mesmo tempo; quando um dos interlocutores entende e não entende o que diz o outro.

Do contrario, não há política quando as associações são pensadas de modo restrito, quando se quer fazer entender que há pouco a ser deliberando e as decisões acabam se impondo por si. Nesse contexto, o trabalho da política se reduz ao de “adaptação pontual às exigências do mercado mundial e de uma distribuição equitativa dos lucros e dos custos dessa adaptação.” (RANCIÈRE, 1996, p.10). A centralização excessiva e a autoridade são as formas mais bem acabadas dessa ausência de disputa. A tradução pública dessa situação, diz Rancière (1996), sugere duas lógicas do estar-junto que geralmente são tomadas em oposição: a dimensão política e o estado policial, sendo este entendido como “conjunto dos processos pelos quais se operam a agregação e o consentimento das coletividades, a organização dos poderes, a distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição” (RANCIÈRE, 1996, p.41). Este estado policial não é a policia, tampouco deve ser confundido com o aparelho de estado, mas um meio de apartar os corpos e discipliná-los.

O espaço consensual pode ser aludido em mais de uma reflexão crítica. Para Garcés (2011) a cidade consensual é aquela onde tudo é possível, mas nada pode ser transformado. Garcés pensa a partir da mudança de mentalidade dos movimentos

sociais em Barcelona ao longo de uma década – entre o período pós-olímpico (1992) e o Fórum de Culturas de 2004 – em que o consenso em torno de uma marca de cidade global, reinserida no ciclo financeiro mundial por meio dos Jogos Olímpicos, é confrontada por mobilizações autônomas e espontâneas.

Para Marrero-Guillamón (2012) é possível pensar a Londres dos Jogos Olímpicos como uma cidade em “estado de exceção”, tal qual definido por Agamben (2004), ou seja, uma situação restritiva que deixa de ser provisória e se converte em prática permanente de governo. Os mecanismos se assemelham: uma configuração jurídica excepcional, a legitimação construída em torno do consenso (ou se é a favor dos jogos, ou se está contra); contratos exclusivos para a atividades econômicas de grandes conglomerados; criminalização de qualquer atividade política.

Em junho de 2013, diversas manifestações tomaram as ruas das cidades brasileiras. O aumento das tarifas do transporte público foi o estopim para disparar a associação entre camadas de insatisfação há muito silenciadas por uma democracia degenerada, de pouca representatividade e participação. As vozes das ruas mostraram que os interesses de setores privados não podem mais se impor com tamanha violência ao conjunto da maioria da população, que sofre cotidianamente com péssimos serviços públicos. O gasto público com eventos esportivos mundiais também foi questionado em inúmeras manifestações, em que se viu uma algaravia de palavras de ordem contra a ausência de diálogo da parte dos diversos níveis de governo.

A resposta do estado veio na forma de repressão e controle, mostrando o quão importante é manter o projeto de cidade que se desenha atualmente. Para Jacques, os projetos urbanos de contemporâneos, em diversas partes do mundo, seguem a mesma “[...] ‘estratégia’ homogeneizadora, espetacular e consensual. Estes projetos buscam transformar os espaços públicos em cenários, espaços desencarnados, fachadas sem corpo: pura imagem publicitária.” (JACQUES, 2009, p.12)

A resposta desse estado encontra na atividade política um meio de ruptura, pois, como observa Rancière:

[…] a atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho.[...] Pode ser a atividade desses operários do século XIX, [...] ou ainda a desses manifestantes de ruas ou barricadas que literalizam como ‘espaço público’ as vias de comunicação. (RANCIÈRE, 1996, p.41)

Para Rancière, a rua, portanto, tem uma dimensão existencial que extrapola suas demandas funcionais, sendo um lugar de fundamental interesse para se pensar o cotidiano. O “estado de rua” descrito por Schvarsberg (2012, p.140), é um meio de se referir ao âmbito público mais próximo do cotidiano e do informal, em que as relações são mediadas por uma política capaz de auto-organizar suas constantes disputas por espaço e por significados comuns. O estado de rua é tanto a atmosfera produzida por essas negociações, “[...] quanto o resultado provisório— mas capaz de perdurar —, dessa política da rua, que ancora nesses espaços uma teia invisível de acordos tácitos e laços de solidariedade.” (SCHVARSBERG, 2012, p.140).

Propomos que a cidade consensual é aquela em que as relações são medidas por pactos amplos mas restritivos; é também onde se desarticulam as potências, onde os

territórios de possibilidades são anulados ou determinados por esquemas que reprimem os desejos das camadas sociais e seus modos de fazer e usar a cidade. Como contraponto a este cenário há a cidadania local e associativa e as formas coletivas pela expansão dos direitos e capacidades. Essa energia reativa está tanto na militância e no ativismo, quanto nas práticas informais e nas diversas ocupações que promovem. Desse modo, propõe-se pensar a seguir no sentido da ação espacial critica, como modo de disputa simbólica no espaço público.

A ação crítica no espaço público

Em que sentido uma ação espacial pode ter um sentido crítico? Como pensar seus desdobramentos no espaço público, ou em seu aspecto humano e político? Tais questões nos levam a especular sobre movimentos aos termos homogeneizantes que caracterizam boa parte dos projetos urbanos de hoje. Para Hirsh e Miessen (2012), o novo ciclo de movimentos urbanos pode relativizar a produção arquitetônica e urbanística por meio da reestruturação de seus fundamentos, em favor de uma prática de natureza “ [...] a - disciplinar e colaborativa, capaz de alterar nossa percepção e engajamento em torno dos espaços.” (HIRSH; MIESSEN, 2012, p. 152, tradução nossa).

Para Hirsh e Miessen (2012) esse alargamento das fronteiras disciplinares promovido pelas ações críticas, leva a questionar seus limites tectônicos e materiais, do que é, de fato, o espaço construído da arquitetura. Testar as fronteiras e limites da arquitetura e urbanismo e de seus domínios de atuação, está na base das formulações do grupo Transgressive Architecture, que há quase duas décadas promove ocupações críticas (de natureza espacial) em lugares públicos de Londres. Para Doron (2007) as ações do grupo questionam o caráter restritivo e excludente pelo qual se delibera sobre as atividades que são permitidas na cidade. Desse modo, a ação crítica não destitui as bases de dialogo sobre esses espaços, mas sim, testa os limites por meio de uma arquitetura ilegal, cuja função é desestabilizar e destituir fronteiras, entre os limites que se estabelecem na vida urbana.

Trata-se de pensar na definição pública dos espaços, seus limites e possibilidades, sendo que, quanto mais aberto à intervenção e trocas, maiores os cenários que podem surgir. Quanto mais aberta e intensa são as interações nos espaços livres, mais efetiva será sua transformação. Pensar a programação dos lugares é refletir sobre o espaço imaginativo que cria, sobre as lacunas que oferece para o domínio da vida. Para Doron (2007, p.17), “[...] os espaços livres de programação estão, por isso mesmo, em transformação constante” (DORON, 2007, p.17, tradução nossa).

Para a escritora Patrícia Reed (2012), cabe à arte e a arquitetura – em sua modalidade crítica – oferecer espaços que não se permitam reduzir a uma única apreensão, e que por isso escapam às definições conhecidas de forma, dimensão e conteúdo. Desse modo, a ação crítica não se pauta em assegurar uma aparência, e sim criar um espaço de resistência e emancipação, o “[...] caráter vago dessa abertura é o que potencializa a ação espacial [...] que não conhece qualquer predeterminação, seja ela física ou imaterial” (REED, 2012, p.112).

O que há na ação crítica é a constituição de um corpo político, a elaboração do dissenso entre partes que passam a se reconhecer no uso irrestrito e compartilhado da vida pública. Hirsh e Miessen (2012) falam de uma contaminação formal entre movimentos que ocorrem com incrível semelhança em lugares muito distantes: Nova

Iorque, Cairo, Rio de Janeiro, São Paulo experimentaram em tempos recentes movimentos de ocupação e resistência que propuseram a retomada das ruas pela imaginação.

Há crítica apenas na ação derivada de um gesto deliberado? Como o pensamento sobre as cidades pode se situar a respeito dessas formas de pensar e agir? A situação que se constrói em torno do consenso leva à desmobilização de agentes, que acabam enredados por usos restritos e verticais. Por outro lado, as ações críticas definem e transformam o território usado das cidades. O território usado (ou o uso do território) é uma categoria integradora, é o espaço em que se mediam as verticalidades e horizontalidades, ou seja, entre o espaço dominado pela ordem material e o espaço de todos, onde há uma “[...] afirmação das formas de viver [...] baseadas na contiguidade, na vizinhança solidária, isto é, no território compartilhado.” (SANTOS, 2005, p.259).

Para Santos (2005), este território compartilhado se agrega em torno da informação. As conexões e redes são os elementos que configuram e reúnem territórios, ao contrario de ciclos anteriores, quando a urbanização era definida pela oferta de energia. Configura-se assim outra escala de apreensão dos fenômenos, menos determinada pelas extensões territoriais do que pelas relações, pela identidade dos grupos e pelo aspecto político. Para Mitchell (2013), as redes e conexões determinam o urbano no tempo presente, a extensão e o entrelaçamento vencem a autonomia. As relações entre interior e exterior são reorientadas, reduzindo a eficácia das subdivisões construídas pela vigilância permanente,

A simultaneidade e a descentralização proporcionadas por esse modelo em rede, permite trocas horizontais e dispersas, integram zonas e criam espaços minoritários, mas que permitem e favorecem novas formas associativas. “Esse acontecer simultâneo, tornado possível graças aos milagres da ciência, cria novas solidariedades: a possibilidade de um acontecer solidário, malgrado todas as formas de diferença, entre pessoas, entre lugares.” (SANTOS, 2005, p.256)

Essa troca de saberes se difunde em diversos grupos e coletivos urbanos que interagem na escala física e temporal do urbanismo. Esse o caso da ONG Ônibus Hacker, um laboratório móvel que desde 2011 propõe ocupar as cidades brasileiras com Ações políticas, entendidas como qualquer apropriação tecnológica, todo questionamento em favor do exercício de direitos e cidadania. Para o Baixo Centro, esse modo de difusão está no compartilhamento e na cultura. O grupo é uma plataforma digital que reúne atividades livres nos bairros da região central de São Paulo, como meio de reverter propor sua ocupação pública. As atividades são geridas de forma descentralizada e estão orientadas para diversificar os usos e atividades no centro, ou ainda, propor ações onde só há espaço para deslocamentos rápidos.

Há outras modalidades de ação centradas em na apropriação física, na resistência imaginativa como forma de construir uma cartografia autônoma, em que os sujeitos s promovam inscrições espaciais no território das cidades. Para Ribeiro (2012, p.62) a ação quando pensada a partir daí, abre espaços para a experiência, sendo que “[...] a atividade reitera o que já existe, a percepção funcionalista do mundo, enquanto a ação descobre o que ainda não existe [...] Só há potencial libertário na ação e não na atividade.” Portanto, para Ribeiro, o domínio da ação assegura a persistência do múltiplo, do plural e do coletivo, abrindo espaço para outros modos de inserção no cotidiano.

As coalizões urbanas formadas pelo amplo pacto entre capital privado e práticas de governo geram uma cidade onde há pouco espaço para manifestações coletivas voltadas para a construção da diversidade e da diferença. O pensamento consensual quando se manifesta no território, gera espaços marcados por relações tênues e pouco efetivas entre sujeitos, e que portanto são desfavoráveis ao caráter vida pública. Os modos pelos quais os indivíduos propõem formas de agir e pensar sobre o urbano, são uma forma de buscar entender as cidades em sua ampla diversidade, identificando tendências e movimentos que, fora de um debate eminentemente político, tendem a ser naturalizados. Sendo assim, o estudo dessas narrativas e processos de apropriação, podem ainda abrir espaços para modos de compreender o fenômeno urbano, num momento em que as cidades exibem grande presença em diversos campos do conhecimento.

Considerações Finais

O desenvolvimento conceitual da Política na obra do filósofo Jacques Rancière, oferece elementos que contribuem para pensar em sua tradução espacial, mais especificamente, no modo de produção urbana que se vivencia atualmente nas cidades brasileiras. As tendências observadas nesses fenômenos mostram como esta produção urbana se baseia na ideia do consenso como forma de articulação das diferenças, ou ainda, como modo de submeter diferentes modos de vida a um padrão de relação comum. O resultado disso é a subtração de formas abertas e coletivas de expressão urbana, ou de agentes que integram o cotidiano de maneira irrestrita.

Observamos que a imposição dessas formas de planejamento pensadas em torno do consenso, fazem surgir ações defensivas pela disputa dos lugares, e que demandam uma reflexão permanente sobre os meios de descrever e pensar sobre o território usado das cidades. Pensar no contexto das ações políticas e criticas no espaço, pode propor formas alternativas de pensamento, pensando o presente da história urbana em toda sua complexidade.

Pode-se pensar que, nos dias de hoje, as ações espaciais críticas estão alinhadas à possibilidade de participação e do maior entendimento entre co-agentes, que poderão se reconhecer nos processos, discutir alternativas e conceber outras formas de convívio. Nesse amplo campo das ações espaciais críticas, é possível pensar de maneira mais concentrada sobre o papel do urbanismo, uma vez que as formas horizontais, dinâmicas e descentralizadas de atuação configuram um dos grandes desafios da disciplina. Sem a difusão desses modos de fazer o ocupar o espaço, as cidades correm o risco de serem absorvidas no comum do discurso sedimentado que é, em essência, oposto aos esforços de um pensamento coletivo sobre a vida urbana.

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