Resumo

Esta pesquisa procura discutir sobre as relações entre as intervenções urbanas de frentes marítimas e o processo de ocupação de suas áreas contíguas. Procuramos demonstrar como as intervenções urbanas no espaço público podem alavancar a ocupação de territórios específicos, configurando-lhe novos significados e modificando sua paisagem. Como objeto de estudo, selecionamos a Av. Beira Mar, em Fortaleza-CE, e o bairro do Meireles. A ocupação deste bairro intensificou-se a partir da década de 1960, período em que houve também a abertura da avenida litorânea. Desde então, destacamos duas intervenções significativas já realizadas na orla, e aquela que está em execução, o Projeto de Reordenamento da Avenida Beira Mar – Fortaleza - Ceará, selecionado via concurso público no ano de 2010. Aportaremos às profundas transformações na ocupação do bairro, hoje bastante adensado e verticalizado. Por fim, propomos uma reflexão crítica acerca das possíveis implicações socioespaciais do referido projeto para o bairro e também para a cidade de Fortaleza.

Palavras-chave: Frentes Marítimas, Intervenções Urbanas, Espaço público, Ocupação, Verticalização

Introdução

As faixas litorâneas nas cidades brasileiras têm sido alvo de projetos urbanos de revitalização, reordenamento ou requalificação, de caráter paisagístico e de lazer, nos últimos anos. Em muitos desses grandes centros, a transformação da orla e de suas áreas contíguas está inserida num processo de valorização, favorecida pela proximidade do mar e a possibilidade de obter vistas do mesmo, além do acesso aos serviços e equipamentos constituídos nesses projetos. (MACEDO, 2012)

No contexto da cidade contemporânea, projetos urbanos em frentes marítimas (áreas portuárias, áreas centrais degradadas ou obsoletas ou até mesmo áreas já consolidadas) têm sido considerados pelos setores público e privado como meios de alcançar uma maior dinâmica na economia mundial. A “frente marítima”, de alguns centros urbanos (a exemplo do Rio de Janeiro e Fortaleza), configura-se como a “fachada” da cidade e, portanto, os projetos que a envolvem são considerados como “oportunidades” nessa condição.

No entanto, a melhoria da qualidade de vida da população local nem sempre é alcançada por esses projetos, que se mostram insuficientes para resolver questões complexas e acabam por privilegiar setores sociais específicos, ao intensificar a valorização imobiliária, a mudança de usos, a perda do patrimônio edificado (memória), a segregação socioespacial, etc.

Destarte, este artigo pretende apresentar um resultado parcial de uma pesquisa de

doutoramento cuja temática abrange os projetos de urbanização de frentes marítimas e as dinâmicas de ocupação das áreas de intervenção e contiguidades. Entendemos, assim, que os projetos de urbanização podem alavancar a ocupação de territórios específicos e vinculados às áreas de intervenção. Ressaltamos, entretanto, a disponibilidade de outros instrumentos urbanísticos que corroboram para intensificar processos já configurados, como a verticalização ou a especulação imobiliária.

Escolhemos, para efeito de análise preliminar e discussão, as intervenções na Avenida Beira Mar, na cidade de Fortaleza - CE e suas relações com a ocupação da orla e do bairro Meireles (figura 1). Tanto a orla como o referido bairro modificaram bruscamente suas estruturas urbanas em um curto período de aproximadamente trinta anos, considerando o intercurso de 1979 a 2010.

Figura 1. Foto aérea, com a demarcação da faixa da Av. Beira Mar, em vermelho e da área correspondente ao bairro Meireles, em amarelo. Fonte: googleearth, modificado pela autora.

Na primeira parte, realizamos um breve percurso histórico, a fim de contextualizar as primeiras intervenções urbanas significativas da orla e suas relações com a ocupação do território que corresponde ao bairro Meireles.

Posteriormente, enfocaremos no projeto vencedor do concurso (2010) para o Plano de Reordenamento Geral e Projetos Arquitetônicos, Urbanísticos e Paisagísticos da Avenida Beira-Mar, com reflexões críticas acerca das perspectivas futuras e implicações na ocupação do bairro Meireles, considerando as abordagens contemporâneas.

Como etapas metodológicas, além da pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevistas com o arquiteto vencedor do concurso e técnicos da Prefeitura de Fortaleza, além de moradores do bairro Meireles. Como estratégia metodológica, recorremos ao Estudo de Caso que, segundo Yin (2001), adéqua-se a compreensão de processos que envolvem eventos distintos.

Antecedentes: A valorização da praia na evolução urbana de Fortaleza

Até o início do século XX, as áreas de praia de Fortaleza apresentavam específicos interesses de grupos restritos. De um lado, o interesse comercial, ligado à função

portuária, da Alfândega e entrepostos; de outro, a importância para as comunidades pesqueiras, que moravam na praia do Meireles e do Mucuripe, por exemplo. Portanto, a ocupação da orla e de suas áreas contíguas era rarefeita. A ocupação residencial da orla acontecia informalmente, e pelas classes pobres da cidade. (Garcia, 2010)

Entretanto, na década de 1920 iniciou-se um movimento de urbanização na Beira-mar de Fortaleza e suas demais praias, a começar na Praia de Iracema. Essa área, atraindo a atenção dos mais ricos, passou a ser ocupada por residências de veraneio e sedes de clubes. Dessa época até os anos 1940, quando da construção do Porto do Mucuripe, a Praia de Iracema havia se consolidado como local de lazer e sociabilidade. A construção do Porto, segundo Freitas (2005), alterou o curso das águas do mar, provocando o avanço das marés e um processo erosivo. Posteriormente, a praia do Meireles (a leste) passou a mostrar-se interessante para as classes de renda mais alta, consequentemente expulsando os antigos moradores. (Garcia, 2010)

Freitas (2005) relata sobre a implantação de sedes dos clubes sociais de maior projeção, entre os anos 1940 e 1960. A introdução do automóvel é considerada fator determinante, pois possibilitou a localização destes redutos de lazer da elite em paragens mais distantes do perímetro central. No bairro do Meireles, ergueram-se inicialmente as residências de alto padrão e as chácaras, como novas formas de ocupação.

Primeiras intervenções (1963-1979): A abertura da Avenida Beira Mar e o Calçadão

A abertura da Avenida Beira Mar foi realizada em 1963, prevista pelo Plano de Helio Modesto (1963), e objetivava ligar o Mucuripe ao centro urbano. Freitas (2005) afirma que essa construção intensificou a ocupação da área, onde se inicia um processo de urbanização que culminaria com o a realização da obra do calçadão, em 1979.

Figura 2. Detalhes do calçadão da Av. Beira Mar, implantado no final da década de 1970. Fonte: acervo de Gentil Barreira.

Esse projeto – a Urbanização da Beira Mar – era sugerido pelo Plano Diretor Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza de 1972 (PLANDIRF). Implantado

apenas parcialmente (figura 2), constava da construção do calçadão, quadras de esporte, anfiteatro, barracas de praia, pistas de skate, etc.

O bairro Meireles (1972-1979): intensificação da ocupação e verticalização

Destacamos que, quando a Avenida Beira Mar já havia sido aberta, o já mencionado PLANDIRF de 1972 instituiu, para o bairro Meireles, a classificação como R1 (Zona Litorânea R1), uma zona predominantemente residencial de renda média entre as zonas de praias e as zonas de adensamento R2. A verticalização do uso residencial era permitida, contanto que se garantissem condições dos modelos de ocupação das zonas das praias. Surgiram, no bairro do Meireles, novas modalidades residenciais, como os edifícios multifamiliares de até 5 pavimentos.

A partir da lei 5122-A do Plano Diretor Físico de Fortaleza, em 1979, verifica-se uma considerável modificação na maneira de distribuição das zonas residenciais da cidade. A classificação e divisão das zonas pela renda (atribuição dos planos anteriores) foi substituída pelo critério de adensamento. Surgiram assim, as ZR1 (Zona Residencial 1), as ZR2 (Zona Residencial 2) e as ZR3 (Zona Residencial 3). Essa lei favoreceu a especulação imobiliária, na medida em que transformou as antigas R-1 e R-2, zonas de baixa e média densidade, que permitiam prédios de até três pavimentos, em ZR3, zona de alta densidade, que permitia a construção de edifícios residenciais até 72m de altura, como o bairro Meireles. (MUNIZ, 2006)

A partir da efetivação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Fortaleza de 1992 (PDDU-FOR), o bairro do Meireles passou classificado como ZU2 (Zona Urbanizada 2). Foi por meio desse plano que houve a iniciativa de implementar instrumentos de ordenamento territorial, como a outorga onerosa e as operações urbanas consorciadas, a regularização fundiária, etc. Entretanto, como afirma Muniz (2006), não foram criados instrumentos nem diretrizes para o planejamento das ocorrências futuras, como a expansão para a zona leste e a expansão do turismo.

Podemos então afirmar que a ocupação tanto da Av. Beira Mar como do bairro Meireles foi marcada pela priorização da valorização de grandes imóveis e pela estratificação social. Além disso, ressaltamos transformações bruscas nas formas de ocupação, resultado da ação conjunta de diversos fatores, entre eles os projetos de urbanização, e instrumentos urbanísticos como a lei de uso de ocupação do solo e o zoneamento.

O bairro Meireles é classificado pelo Plano Diretor Participativo de Fortaleza (2009) como ZOC (Zona de Ocupação Consolidada). Para essa área, a altura máxima do gabarito é de 72 metros e podem ser aplicados os seguintes instrumentos, segundo o artigo 90 (PMF, 2009): I - parcelamento, edificação e utilização compulsórios; II - IPTU progressivo no tempo; III - desapropriação mediante pagamento por títulos da dívida pública; IV - direito de preempção; V - direito de superfície; VI - outorga onerosa do direito de construir; VII - transferência do direito de construir; VIII - consórcio imobiliário; IX

  • estudo de impacto de vizinhança (EIV); X- estudo ambiental (EA); XI - Zona Especial de Interesse Social (ZEIS); XII - instrumentos de regularização fundiária; XIII - outorga onerosa de alteração de uso.

Assim, o bairro Meireles se consolidou, desde a década de 1970 como bairro de elites, inicialmente, com a proliferação da construção de residências unifamiliares e multifamiliares e, atualmente, com o predomínio de condomínios residenciais

verticais de alta renda. Assim como outros bairros da cidade, como a Aldeota, esse bairro é hoje detentor de condições privilegiadas de infraestrutura, comércio e serviços diversificados. Configura-se como nova centralidade de Fortaleza (figura 3).

Figura 3. Verticalização no bairro Meireles. Vista do bairro a partir do Clube Náutico, um dos mais antigos da cidade de Fortaleza. Fonte: [http://www.city-data.com/forum/americas/1722368-brazilian-cities-high-rises]{.ul}

Próximo à faixa de praia, tem sido apropriado para fins turísticos, com empreendimentos residenciais compactos, flats e hotelaria moderna. Está, atualmente, entre as áreas com o metro quadrado mais valorizado na cidade. (RUFINO, 2012)

O significado da Av. Beira Mar e sua relação com o bairro Meireles

A “Beira-mar”, como popularmente se chama a faixa que abrange a orla do Meireles e parte do Mucuripe, configura-se por uma paisagem verticalizada (figura 4), a exemplo da barreira física formada pelos edifícios residenciais e hoteleiros e pelo calçadão, atualmente o principal espaço livre público e de lazer ativo, referência para a população da cidade e principalmente, para os moradores do bairro Meireles. Neste bairro, uma das estratégias de venda de imóveis altamente valorizados é ainda o discurso da proximidade da orla e de serviços.

Figura 4: Avenida Beira-Mar, processo de verticalização e seu calçadão. Fonte: [http://www.viaje.com.br/ceara/fortaleza/renda-se-aos-encantos-das-famosas-praias-de-fortaleza]{.ul}

Embora sendo um local privilegiado da população de mais alta renda, abriga grandes eventos culturais de promoção pública. Dotado de variados serviços, é utilizado por

diferentes grupos sociais que se encontram, passeiam, andam de bicicleta, tomam sorvete, compram e vendem peixe, tomam banho de mar, etc. É um espaço de forte apelo turístico, mas utilizada também pela população de outros bairros.

Apresenta, atualmente, vários problemas locais como o uso privado do espaço público (barracas de praia, vendedores ambulantes) e insuficiência de áreas de estacionamento. Somam-se a isso os problemas que já causam impactos nas outras áreas da cidade, como a falta de conectividade, a intensa valorização imobiliária, a violência urbana decorrente da segregação espacial e da fragmentação de seu projeto no contexto urbano, etc.

O Plano de Reordenamento Geral e Projetos Arquitetônicos, Urbanísticos e Paisagísticos da Avenida Beira-Mar, no Município de Fortaleza-CE

O concurso nacional de ideias, lançado pela Secretaria de Turismo de Fortaleza (SETFOR) em 2009 e coordenado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, previu a seleção dos melhores trabalhos apresentados para o Reordenamento Geral e Projetos Arquitetônicos, Urbanísticos e Paisagísticos da Avenida Beira-mar em Fortaleza. A faixa determinada de intervenção corresponde a 3.050 metros da Av. Beira Mar, do Mercado dos Peixes até a Av. Rui Barbosa, no sentido leste-oeste. O custo de execução das obras de reordenamento ficou estimado em R$30.000.000,00 (trinta milhões de reais), excluindo-se deste valor o projeto de contenção da erosão marinha.

Segundo o termo de referencia do projeto, é objetivo do projeto

a reestruturação urbana do local, promovendo a requalificação do ambiente natural, reformulação dos passeios e ordenamento da ocupação no local, além da execução do projeto de contenção da erosão marinha previsto para o local. (PMF, 2009)

Considerada uma área que demonstra conflitos de usos e interesses, a Avenida Beira- mar é marcada atualmente por uma crescente utilização para prestação de serviços (casas de cambio, venda de passeios turísticos, venda de peixes, venda de artesanato, restaurantes e barracas de praia) e pela falta de ordenamento dos usos. Outra problemática verificada é a erosão provocada pelo porto do Mucuripe.

Figura 3: Pormenores do projeto do “Parque Av. Beira-mar”, de autoria dos arquitetos Ricardo Muratori e Fausto Nilo. Vias de pedestre (esquerda superior), quiosques multifuncionais (direita superior), hierarquização das vias e espaço para feira de artesanatos (esquerda inferior), novo Mercado dos Peixes (direita inferior).

Fonte: material cedido pelos autores do projeto.

No caso da Avenida Beira Mar, o projeto vencedor, de autoria dos arquitetos Ricardo Muratori e Fausto Nilo, prioriza a reforma dos espaços lineares dedicados aos movimentos de pessoas e veículos, relacionando velhos e novos focos de convergência, hierarquizados por “polaridades” ou projetos-chaves. Entre esses, destacamos, conforme o Marco Conceitual (2009) elaborado pelos autores:

  • Vias de circulação hierarquizadas: vias de pedestres, ciclovias, faixas de tráfego calmo de veículos, faixa de areia. E ainda, o bonde elétrico, a ser “resgatado” pelo projeto, e servir como conexão futura entre a orla leste e a orla do centro da cidade. Vale ressaltar que essa é uma sugestão do projeto, não tendo sido prevista nos requisitos do concurso;
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  • Áreas de recreação e esporte: Conjunto integrado de playgrounds, áreas dedicadas a esporte na areia, do lado da praia (figura 5);

  • Áreas de serviços gastronômicos e culturais: quiosques de serviços ao público, Pavilhões de múltiplos usos, Pavilhões da feirinha de artesanato, piazzetas de comida e bebida, “anfiteatro” com camarins e skate park, novo mercado de peixes (figura 5);

  • Áreas de contemplação: “morros mirantes”, como pontos de encontro e permanência tranquila e contemplativa do por do sol, bosques a partir de regeneração de área e remoção de intrusões ambientais, “largo da Iracema”, como lugar tranquilo

  • Áreas de passeio: espigão do lado leste, apoiado por rampa de acesso ao ancoradouro de escunas de passeio; espigão oeste, como um jardim linear de esculturas, Passarelas e trapiches para passeio e pesca;

Áreas de estacionamentos: estacionamentos insulares de padrão verde, em unidades de 80 vagas, distribuídos de forma equidistante dos principais destinos, zona dos estacionamentos de barcos, das oficinas de manutenção das embarcações.

Perspectivas futuras a partir do plano de reordenamento

Ao considerar o plano de reordenamento da Avenida Beira-mar, projeto em execução, podemos refletir sobre prováveis efeitos deste plano na ocupação do bairro Meireles e da própria orla.

Entre esses efeitos, apontamos o incremento da visitação e uso do espaço público por turistas, visitantes e residentes das áreas próximas, a intensificação da valorização imobiliária, bem como do congestionamento do trânsito, e a insuficiência de estacionamentos como já assumido no próprio projeto.

No futuro próximo, o êxito do projeto deverá alterar os valores imobiliários e haverá incremento de interesse dos incorporadores em investir em sua área de influência. Desta forma, um plano mestre apropriado indicará que os excessos de automóveis deverão ser acomodados em situações adequadas, fora da promenade. Ou seja, no interior do próprio tecido urbano construído na vizinhança e por iniciativa do poder privado. (MURATORI e NILO, 2009; p.2)

O projeto sugere a conversão dos impactos no tecido urbano antigo em oportunidades a serem aproveitadas pelo poder municipal, por meio de políticas públicas, para estimular o surgimento de usos mistos no tecido urbano próximo, com inclusão de vagas a serem disponibilizadas aos frequentadores do destino gastronômico, como “hubs de mobilidade urbana”, que segundo os autores, pressupõem “usos comerciais e de estacionamentos, com conforto para apoiar a chegada e a partida de pessoas, por vários modos de transporte: a pé, de bicicleta, de automóveis de transporte público local ou transporte público urbano” (MURATORI & NILO, 2009).

Especulam-se, enfim, oportunidades novas de negócios imobiliários e comerciais decorrentes desse investimento público. No estudo de viabilidade econômica proposto, são listados alguns instrumentos para viabilizar o projeto, como financiamento (por bancos como Banco Interamericano de Desenvolvimento), arrecadação de impostos (IPTU, ISS, ITBI), ICMS ecológico, operações urbanas e parcerias público-privadas para implantação do bonde, por exemplo.

No que tange à previsão constante no memorandum do projeto, destacamos algumas iniciativas lançadas em 2013, após o início da execução do projeto, como o Consórcio Novo Náutico, uma intervenção num edifício tombado, o Clube Náutico, um dos mais antigos clubes de Fortaleza, com a previsão de reforma de sua estrutura e construção de torres comerciais, shopping center e hotel. Essa ação provocou polêmicas e uma suspensão por decisão liminar, de acordo com matéria do Jornal o Povo (13/11/2013).

Esse aspecto demonstra a vulnerabilidade a que a ocupação da bairro está sujeita, o que interfere na preservação de sua memória, por exemplo. É possível que os novos investimentos em espaços públicos, a exemplo do novo projeto da Av. Beira-mar, em execução, intensifiquem a condição acima, além de provocarem novas situações como problemas de conectividade e mobilidade urbana.

Quanto à conectividade urbana, uma vez que esse projeto atrairá um contingente populacional de diferentes áreas da cidade, os autores demonstram a vantagem de se consolidar gradativamente um futuro corredor da orla com, no mínimo, três polos estruturadores: Centro, Praia de Iracema e Beira-mar. Esse corredor poderá ser consolidado com a efetiva implementação da linha litorânea do metrô, prevista até 2024. Vale destacar também a linha Mucuripe (VLT), que até 2014, fará ligação do Porto do Mucuripe até a Parangaba, com vistas a interligar a rede hoteleira da Av. Beira-mar aos equipamentos da Copa 2014.

Projetos urbanos de frentes marítimas, que apresentam-se atraentes internacionalmente, a exemplo do Reordenamento da Av. Beira Mar (“o cartão postal da cidade”), têm sido alvo das políticas públicas como meios de alcançar, mesmo que contraditoriamente, um lugar na dinâmica da economia mundial. Ora, os efeitos previstos pelo projeto não garantem a implementação das propostas sugeridas para conectividade e mobilidade urbanas. Novamente, a exemplo de outros projetos pontuais no Brasil de intervenções em espaços livres, corre-se o risco de intensificar os problemas já existentes nas áreas contíguas.

No caso do bairro do Meireles e de outros bairros de influência direta, já bastante verticalizados e densos, se não forem implementadas medidas para mobilidade e conectividade (viabilizadas por parcerias público privadas), as novas construções de uso misto, por exemplo, não serão viáveis. Enfim, as intervenções urbanas não são suficientes para resolver problemas muito mais complexos, que exigem do poder público a implementação de um plano estratégico de maior amplitude, considerando as áreas de influência e prazos.

Outros possíveis efeitos do projeto no bairro Meireles

Como já explicitado, em pouco mais de trinta anos, uma área de dunas, inicialmente ocupada de forma rarefeita por comunidades pesqueiras, e depois por chácaras e residências unifamiliares de mais alto padrão, transformou-se num bairro bastante adensado e verticalizado, concentrando funções residências, comerciais, e outros equipamentos como shoppings e a população de mais alta renda da cidade. Entretanto, configura-se como espaço heterogêneo, lugar de trabalho de moradores de outros bairros, lugar de passagem da população que intercala-se entre o centro e a área leste da cidade.

Configura-se, ainda, como espaço de segregação socioespacial ao comportar uma comunidade antiga, de mais baixa renda, em território de ocupação irregular, como a Comunidade do Campo do América, envolvida por edifícios residenciais de alta renda. Investimentos privados foram viabilizados, entre outros motivos, pela mudança na legislação e pela aplicação de instrumentos urbanísticos disponíveis. Entretanto, na intensa substituição de tecidos urbanos antigos por novos, essa área do Campo do América permaneceu praticamente inalterada.

Por um lado, esse fato representa a preservação de uma área do tecido urbano do bairro. Ressaltamos que grande parte dos exemplares residenciais (unifamiliares e multifamiliares de baixa densidade) do Meireles já foram demolidos ou encontram-se ameaçados de demolição, por estarem localizados nessa “área nobre”, em terrenos avantajados, e sofrerem a pressão e valorização do mercado imobiliário com vistas à rentabilidade. A demolição sem o devido registro representa uma perda física (patrimônio edificado) e relacionada à memória do bairro.

Por outro, expressa para onde tem sido direcionadas as melhorias urbanas do bairro, para as áreas de interesse da especulação imobiliária. Criticamos, portanto, que instrumentos disponíveis poderiam ser aplicados para requalificação da comunidade do Campo do América.

Considerações finais

Pretendemos, com esse artigo, apresentar preliminarmente uma pesquisa que procura compreender as relações entre os projetos de urbanização de orlas marítimas e a ocupação das áreas contíguas, a exemplo dos projetos que envolvem a Av. Beira Mar de Fortaleza e o bairro Meireles, com enfoque específico no atual projeto de reordenamento da orla e as suas possíveis implicações na ocupação desse bairro contíguo. Reforçamos a necessidade de continuidade ao tema que procuramos abordar, com novos estudos de casos, que possam apoiar as reflexões e nortear alternativas para os casos de intensa verticalização e valorização imobiliária em áreas próximas a frentes marítimas.

Referências Bibliográficas

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