Resumo

Esta comunicação busca discutir a atuação e experiência profissional do arquiteto peruano Eduardo Neira Alva, em especial, no meio profissional brasileiro entre os anos 1967 e 1974, período no qual trabalhou como Coordenador da “Missão” enviada pelo BID à capital baiana a qual criou o Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (CONDER) órgão responsável pela elaboração de vários projetos pensando no planejamento e desenvolvimento da região. A necessidade de enfrentar os problemas do subdesenvolvimento da Bahia passando da escala da cidade (Salvador) à regional (Recôncavo) ou mesmo, aplicar o conceito de “estratégia” com a finalidade de dinamizar o desenvolvimento do Recôncavo foram algumas das suas principais contribuições. Com isso, ele afirmava que era possível passar do plano teórico à elaboração de princípios e políticas operacionais reais.

Palavras-chave: Eduardo Neira Alva, Bahia, Planejamento, Urbanismo

Abstract

This paper discusses the performance and experience of the Peruvian architect Eduardo Neira Alva, in particular, in the Brazilian professional environment between the years 1967 and 1974, period in which he worked as Coordinator of the "Mission" sent by the IDB to Salvador which created the Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (CONDER) agency responsible for several projects thinking in planning and development of the region. The need to face the problems of underdevelopment of Bahia passing the scale of the city (Salvador) to regional (Recôncavo) or even apply the concept of "strategy" in order to boost the development of the Recôncavo were some of his major contributions. With this, he claimed that it was possible to pass of the theoretical level to the elaboration of principles and real operating policies.

Keywords: Eduardo Neira Alva, Bahia, Planning, Urbanism

Apresentação

É possível afirmar que conhecemos mais da experiência arquitetônica e urbanística latino-americana através do “olhar estrangeiro”1 do que do próprio olhar dos profissionais locais. Esta ideia foi acentuada pela publicação e circulação, entre as décadas de 1940 e 1950, de uma importante bibliografia que privilegiava e reforçava as conexões norte-sul2. Mas, qual seria o lugar e a possível relevância das conexões profissionais sul-sul? Qual o lugar das trocas latino-americanas na história da arquitetura e do urbanismo? O que se sabe das articulações, experiências e construção

1 Como afirma Nelci Tinem no livro O alvo do olhar estrangeiro. O Brasil na historiografia da arquitetura moderna (2006).

2 Entre eles, Brazil Builds (1943) de Philip Goodwin; A Decade of New Architecture (1951) de Sigfried Giedion; Latin American Architecture since 1945 (1955) de Henry-Russell Hitchcock; Modern Architecture in Brazil (1956) de Henrique Mindlin, entre outros.

de redes profissionais latino-americanas na/da América Latina?3 A presente comunicação que tem como finalidade compreender a trajetória profissional do arquiteto peruano Eduardo Neira no meio profissional brasileiro, em especial, no que diz respeito as suas contribuições para o planejamento urbano e regional na Bahia, onde atuou, como representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da criação do Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (CONDER), órgão estadual encarregado da elaboração de vários projetos que tinham como objetivo racionalizar o processo de desenvolvimento do Bahia. Para entender as preocupações de Neira nesses temas valemo-nos da análise de uma série de artigos, publicados em eventos nacionais internacionais, nos quais ele discute suas bases teóricas (produto da sua experiência no Peru, na Venezuela e no Brasil) assim como sua posição sobre o ideário desenvolvimentista.

Formação, possibilidades e consolidação profissional no Peru

Eduardo Neira Alva formou-se no Departamento de arquitetura na então Escuela Nacional de Ingenieros (1942-1948), hoje Universidad Nacional de Ingeniería. Ainda, na condição de estudante, ele participou da formação da Agrupación Espacio (1947), vanguarda arquitetônica e urbanística peruana ligada ao movimento moderno e, mais precisamente, ao ideário dos CIAMs. Sua participação nesse grupo de

profissionais deu-lhe projeção no meio local, e isso se deve, em grande medida, à publicação, de artigos com temáticas e conteúdos controversos para a época4, dentre as quais podemos destacar: “Los monumentos históricos”, publicado no jornal El Comercio em 30.09.1948, no qual criticava a posição dos arquitetos mais conservadores, que defendiam que a área central da capital peruana não deveria estar sujeita a processos de mudança “naturais”, impossibilitando a proposta de uma arquitetura “nova” em contextos históricos. Para sustentar e ilustrar sua posição e argumento, Neira destacou alguns exemplos internacionais bem sucedidos de intervenção, dentre os quais o projeto de Oscar Niemeyer para o Grande Hotel de

Ouro Preto (1940) ganhou destaque.

Seu desempenho como estudante na graduação garantiu-lhe a primeira Medalla de Honor outorgada pela Sociedad de Arquitectos del Perú, em 1948. É perceptível, tendo como base suas publicações, o seu interesse, a partir desse momento, por temas urbanísticos e de planejamento urbano. De fato, sua vida acadêmica como docente teve início efetivamente a partir do momento em que ele se vincula ao Instituto de Urbanismo da Escuela de Ingenieros del Perú, do qual foi Jefe de Trabajos Prácticos na disciplina Planejamento Regional (1951). Nesse mesmo ano, ele obteve uma bolsa de estudos do British Council para realizar um mestrado na Universidade de Liverpool, no Deparment of Civic Design, na Inglaterra, considerado por ele como a pátria do urbanismo moderno. Após concluir seus estudos de pós-grado em 1952 e

3 Parte dessas ideias foram trabalhadas no livro Urbanismo na América do Sul: circulação de ideias e constituição do campo (2009), organizado por Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes. Também nessa linha podemos destacar o artigo Pan-americanismo e seu impacto na institucionalização do urbanismo no Brasil: 1920-1945 (1998) de Margareth Pereira e o livro Arquitetando a “Boa Vizinhança”: Arquitetura, Cidade e Cultura nas relações Brasil-Estados Unidos, 1876-1945 (2010) de Fernando Atique.

4 A Agrupación Espacio teve um espaço semanal reservado no jornal El Comercio entre 1947 e inícios

da década de 1950. Eduardo Neira foi um dos responsáveis pelas matérias publicadas junto aos arquitetos Luis Miró Quesada e Adolfo Córdova. Além disso, a Agrupación publicou sua própria revista, a partir da própria iniciativa de Neira, a qual se manteve em circulação entre 1949 e 1951 (MARTUCCELLI, 2012, p. 88).

obter o título de mestre em Urban Design, viajou à Itália onde se matriculou em um curso de verão do CIAM, em Veneza (APUNTES, 1952).

Após retornar a Lima, Neira dividiu sua atividade profissional em duas frentes: como projetista e como funcionário em instituições públicas e privadas. Na primeira, destacamos seus projetos para o campus da Pontificia Universidad Católica del Perú (1953), o Plano Regulador para a cidade de Cajamarca (1954) (Fig. 1) e a Casa Neira (final da década de 1950). Já na segunda frente, ele assumiu o cargo de Chefe do Departamento de Urbanismo do Ministério de Obras Públicas (1953-1959), formou parte da Sociedad de Arquitectos del Perú (1954-1955) e foi vice-presidente do Instituto de Urbanismo da Universidad Nacional de Ingeniería (1959-1960).

Figura 1. Proposta de espaços públicos para o Plano Regulador de Cajamarca elaborado por Eduardo Neira Alva em parceria com os arquitetos Fernando Belaunde Terry, Alfredo Pérez G. e Roberto Vallejo. Fonte: ONPU, 1956

Paralelamente, a essas atividades, iniciou-se um processo de reflexão teórico em torno, basicamente, a três temas: a cidade, a moradia e o desenvolvimento regional. Pode-se afirmar que os assuntos relacionados à moradia no Peru era um tema que conhecia bem, porém, ele vai dotá-lo de um novo enfoque. Já os outros dois temas foram, em principio, decorrentes da sua formação na Europa uma vez que os termos e ideias utilizadas no meio profissional peruano constituem-se como sendo inéditos. Ele afirmava, por exemplo, que a cidade devia ser considerada como um fenômeno de “ecologia urbana” (NEIRA, 1954, p. 12) e que para a solução ao problema da moradia:

Habría que buscar el aumento de la productividad, crear nuevas fuentes de riqueza, buscar una mejor distribución de la renda nacional, aumentar la capacidad del mercado interno y el poder adquisitivo de la población, es decir cambiar la estructura económica del país, superar el absurdo y ciego centralismo que agobia al país (NEIRA, 1957, p. 7).

Nesse contexto, o artigo “El desarrollo regional y su vinculación con la arquitectura”

destaca-se e pode ser entendido como uma tentativa de Neira por organizar suas ideias e inquietudes sobre esses temas de forma mais teórica do que crítica. Assim, influenciado pelas teorias de Patrick Geddes, ele afirmava que a cidade não era mais do que o resultado da relação do homem com o meio ambiente. Numa escala maior, a

regional, era necessário, segundo ele, levar em consideração as relações complexas de três elementos “Lugar-Trabajo-Habitante”5 os quais correspondiam, segundo ele, à Geografia, Economia e Antropologia (NEIRA, 1960, p. 21) (Fig. 2). Para Neira, essa trilogia serviria como orientação aos arquitetos diante da “sociedade moderna” na medida em que estes seriam os “interpretes de la expresión formal de la cultura de nuestros dias” (ALVA, 1960, p. 25). Estes temas, como veremos mais adiante, serão

retomados, revisados e aplicados em outros contextos.

Figura 2. Diagrama de “rotação de vida” proposto por Geddes e reinterpretado por Neira. Fonte: NEIRA, 1962

Em busca de novas perspectivas: do CENDES ao BID

No Peru, Eduardo Neira havia conquistado respeito como expert em planejamento urbano e regional. Isto permitiu que fosse convidado para ministrar palestras sobre esses temas em diversos eventos nacionais. Por outro lado, seu cargo no Ministério de Obras Públicas do país lhe possibilitou viagens pelo continente, e fora deste, para participar de seminários afins6, um deles se converteria num divisor de águas na sua

trajetória profissional.

Em novembro de 1956, Neira participou da reunião constitutiva da Sociedade Interamericana de Planejamento (SIAP), em Bogotá. Na ocasião ele conheceu o político exiliado em Porto Rico, Luis Lander7. Três anos depois Lander ocupou o

5 Estes três elementos eram resultados da trilogia “Place, Work e Folk” proposta por Geddes no livro

Cities in evolution.

6 Em 1955 ele recebeu uma missão de estudos na França das Nações Unidas (APUNTES, 1955).

7 Lander, à época, trabalhava na Junta de Planificación de Porto Rico. Além disso, em março desse mesmo ano, durante o Seminario Internacional sobre Educación de Planificación realizado nesse país,

cargo de Diretor do Banco Obrero durante a segunda fase da modernização venezuelana. A possibilidade de Neira visitar Caracas surgiu de um convite de Lander para ele avaliasse a Oficina de Planificación dessa entidade ainda em 1959 (DARWICH, 2005, p. 155). Uma das conclusões de Neira apontava para a falta de pessoal especializado em planejamento que, no entanto, poderia ser minimizado caso fosse criado um programa de capacitação específico.

Assim, iniciram-se as conversações com o arquiteto Julián Ferris, diretor da Facultad de Arquitectura y Urbanismo da Universidade Central de Venezuela (UCV), para a criação de um instituto de planificação. Nesse assunto, Neira tinha uma experiência concreta na incorporação do Instituto de Urbanismo del Perú à Escuela Nacional de Ingenieros em 1949. Além disso, naquele momento ele era vice-presidente desse centro de estudos8 (HUAPAYA, 2012, p. 154). Após receber apoio da universidade, da Oficina Central de Coordinación y Planificación (CORDIPLAN), da Sociedad Venezolana de Planificación e da SIAP, Neira elaborou as bases para a criação do Centro de Estudios del Desarrollo (CENDES)9 (DARWICH, 2005, p. 155-156). O

CENDES constitua-se no primeiro programa de pós-graduação da UCV e pretendia formar um novo “funcionário de la administración pública”: o planejador (NEGRÓN, 2012, p. 151). De fato, essa ideia guarda estreita relação com os temas que vinham sendo discutidos na SIAP, em especial, no 2° Encontro (1958) e 3° Encontro (1960) onde se destacava a contribuição do planejador para o desenvolvimento econômico e social.

Diante dessa nova empreitada profissional e em vista das estreitas expectativas no Peru (NOTAS, 1960), Neira decide mudar-se para a Venezuela. No CENDES assumiu a cátedras das disciplinas de Economia Regional e de Habitação Popular. Apesar de, nessas décadas, a Venezuela já contar com uma importante experiência em matéria de planejamento urbano, com Neira, a visão meramente física pôde ser superada ao ser incorporado em seu discurso nomes como os de Burgess, Tinbergen, Perroux, Alonso, Friedmann, Paelinck, Isard, entre outros (NEGRÓN, 2005, p. 151). Ainda, em 1962 ele criou a revista Cuadernos de la Sociedad Venezolana de Planificación, permitindo-lhe refletir sobre temas como as relações homem/natureza, propostas para moradias nos trópicos e, relações entre a organização urbana e as estruturas socioeconômicas e culturais (NEGRÓN, 2005, p. 151). Alguns de seus artigos publicados deste período foram “Transformación del habitat humano”, “Problemática del desarrollo regional” e “Diseño de viviendas populares en el trópico

húmedo”10.

Após essa experiência venezuelana, Neira muda-se para Washington, onde assumiu a cargo de Assessor em Desenvolvimento Urbano (1965-1974) no Departamento de Planejamento Político do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Naquele momento o BID passava por reformas na sua política de desenvolvimento ao

havia sido indicado para formar o Comitê ad hoc que estava encarregado de elaborar os lineamentos para a criação da SIAP. Posteriormente, ele seria presidente dessa instituição entre 1960 e 1964.

8 Neira ocupou esse cargo entre 1959 e 1960. O IUEI teria uma projeção internacional a partir de 1961 com o apoio da OEA, a Universidade de Yale e as Nações Unidas (HUAPAYA, 2012, p. 163).

9 O CENDES iniciou as suas atividades em março de 1961.

10 O primeiro (1961) e o terceiro (1968) foram publicados na revista Espacio y Forma da Facultad de Arquitectura y Urbanismo da UCV. O segundo apareceu na revista Cuadernos de la Sociedad

Venezolana de Planificación (1968). Parte desses temas serão retomados, na condição de expert, anos depois, no livro “Metrópoles (In)sustentáveis”, publicado em 1997.

incorporar outras atividades como as de moradia e saneamento básico. Isto significou que fossem consideradas propostas de ajuda econômica e apoio técnico a projetos que levassem em consideração “planes integrales de desarrollo urbano” (os quais deveriam servir para experimentação e demonstração das ideias desenvolvimentistas) com a finalidade de melhorar o planejamento, administração e financiamento de inversões urbanas (NEIRA, 1970a, p. 294). Outro aspecto dessa nova política foi o reconhecimento dos “asentamientos urbanos espontáneos” como sendo elementos potencialmente dinamizadores e positivos da própria sociedade (NEIRA, 1970a, p. 295).

Ampliando escalas. Eduardo Neira e a Bahia

No Brasil, a segunda metade da década de 1960 criou um cenário favorável para a recepção do ideário desenvolvimentista. Além da preocupação do Governo Federal pelas áreas metropolitanas na Constituição Federal de 196711 (CONDER, 2014) o Governo Estadual e mais especificamente Luiz Viana Filho, governador da Bahia (1967-1971), acreditava que a estabilidade econômica e o desenvolvimento da Bahia

seriam consequência e resultado de sua industrialização. Para isso, segundo ele, as ações necessárias deviam ser previamente estudadas e planejadas, no entanto, a Bahia carecia de especialistas nesse ramo (FILHO, 1984, p. 17). Por essa razão e em vista, também, da falta de recursos econômicos, ele decidiu solicitar apoio ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ainda nos primeiros meses de ter iniciado sua gestão. Confirmado o apoio, o BID comprometeu-se em enviar uma “Missão”, coordenada por Eduardo Neira Alva12, a qual analisaria, avaliaria e proporia soluções

aos problemas socioeconômicos da capital baiana e da sua zona de influência.

Os resultados do relatório elaborado pela Missão, entregues em agosto de 1967, assinalavam de que embora a Bahia cumprisse um papel importante para a economia do país, mais especificamente através da ação da PETROBRAS, não se havia beneficiado desses fatores de mudança13. Pelo contrario, existiam “graves problemas de desemprego, insuficiência alimentar, agricultura de baixa produtividade,

concentração de propriedade da terra, dependência de mercados externos, desigualdade social e industrialização limitada e incompleta” (FILHO, 1984, p. 18). Além disso, segundo Neira, isto evidenciava um processo de desenvolvimento “hacia adentro” (NEIRA, 1970b, p. 9). Para deter esse quadro, a Missão considerava alguns aspectos a serem realizados, dentre eles, podemos destacar dois: investir no setor industrial (ampliando as atividades geradas pelo Complexo Industrial de Aratu), em especial o petroquímico e; a necessidade de enfrentar essa problemática passando da

11 Anteriormente, a visão regional do país havia sido plasmada pelo Governo Federal quando da criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1952, e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959. Além disso, na Bahia havia sido criada a Comissão de Planejamento Econômico (CPE), em 1955.

12 Eduardo Neira chegou na Bahia em junho de 1967. Além dele, a Missão esteve constituída por Alfred Thieme (BID), Benjamin Hopenhayn (ILPES), David Tejada (OPS), Victor Ayub (OPS), Pedro Sisnado Leite (BNB) e Glauco Molibeu (SUDENE). O Governo da Bahia contou com o apoio de outros organismos nacionais e internacionais como o Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPS).

13 Segundo Neira, as atividades da PETROBRAS caracterizavam-se como sendo “Exógenas” na medida em que sua administração era controlada desde o Rio de Janeiro e Brasília. Além disso, ele

afirmava que nesse contexto a Bahia vinha cumprindo somente a função de centro exportador de matérias primas consolidando, ainda mais, o parque industrial Centro-Sur (NEIRA, 1972, p. 243-245).

escala da cidade (Salvador) à regional (Recôncavo)14.

Também, a Missão sugeriu que fosse implementada infraestrutura adequada às novas demandas regionais e que fosse criado um órgão governamental que tivesse como finalidade racionalizar o processo de desenvolvimento em vista da inexistência de instituições adequadas (NEIRA, 1974, p. 244-246). Em setembro do mesmo foi criado o Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (CONDER), o qual seria, posteriormente, vinculado à Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Governo do Estado da Bahia. Posteriormente, Neira, ocupou o cargo de Diretor da equipe BID/ Governo do Estado da Bahia (1971-1974) encarregada da elaboração de alguns estudos que, segundo Neira (1974, p. 244) eram decorrentes da identificação de “setores e projetos de especial importância para internalizar o desenvolvimento e a definição de estruturas de apoio necessárias para o processo de desenvolvimento” tais como: o Estudo Preliminar do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Salvador, a Estratégia Preliminar e Términos de Referência para o Programa de Desenvolvimento Integral do Recôncavo, o Projeto de Produção de Alimentos no Recôncavo Baiano, o Projeto de Remanejamento da Orla Marítima de Salvador e a Localização do Polo Petroquímico de Camaçari.

Esse conjunto de experiências baianas visto a nível latino-americano deve ter sido um fato relevante para a proposta da realização, em setembro de 1970, do 8° SIAP, em Salvador, o qual teve como tema central a “Avaliação do Planejamento para o Desenvolvimento”. É provável que esse encontro tenha sido idealizado por Eduardo Neira na medida em que ele mantinha relações estreitas com membros da Junta

Directiva da SIAP15. A indicação da Bahia foi uma escolha chave para discutir a aplicação das teorias desenvolvimentistas já que, segundo Neira, naquele momento haviam somente duas experiências que haviam chamado a atenção dos profissionais da área: a Cidade Guayana (1961), na Venezuela, e o Recôncavo baiano (NEIRA, 1974, p. 243). Ambos os casos, eram exemplos concretos de que era possível passar

do plano teórico à elaboração de princípios e políticas operacionais (NEIRA, 1974, p. 239).

Na visão de Neira, o Recôncavo baiano passava por um momento de transição que poderia ser entendido pelo passo das atividades tradicionais de exploração para as indústrias e, o controle de processos de crescimento até então tidos como espontâneos (NEIRA, 1972, p. 236). Nesse sentido, um aspecto revelador, apontado por ele, é que os estudos realizados para a Bahia foram resultado da experimentação e aplicação de novos conceitos sobre desenvolvimento ao invés de técnicas usuais de planejamento regional. Mais especificamente, Neira se referia ao conceito de “estratégia”, o qual foi divulgado de forma sistemática durante o 7° SIAP (1968) e consistia em incorporar às pesquisas os objetivos sócio-políticos e culturais da comunidade, os atores sociais do processo de desenvolvimento, a situação economia e social e os meios disponíveis (VÉLIZ, 1969, p. 256). Ou seja, o desenvolvimento da região consistiria em criar meios eficazes e autônomos manipulando de forma criativa seu meio ambiente natural, tecnológico, cultural, social e, também, as relações com outras regiões

14 Grande parte das recomendações foram resultados de ações realizadas pelo Governo Federal e Estadual, portanto, como afirma Neira, coube à Missão organizá-los num contexto comum. Isso explicou, segundo ele, o sucesso dessas recomendações (NEIRA, 1972, p. 237).

15 Nas gestões de 1966-1968, 1968-1970 seu contato foi o Dr. Carlos Zuzunaga Flóres, seu compatriota e Diretor da SIAP. Na gestão de 1970-1972 seu contato foi o arquiteto Carlos León Williams, Diretor da SIAP, também peruano e antigo colega da faculdade. .

A partir desse conceito Neira (1972, p. 262-271) definiu cinco elementos que deveriam ser levados em consideração para propor soluções reais para o desenvolvimento do Recôncavo: 1. Critérios de seleção de atividades motrizes: era necessário identificar e determinar critérios de seleção de indústrias que permitam maior autonomia e estabilidade à região com a finalidade de induzir atividades locais, reinvestir em benefícios e dinamizar os mercados internos de consumo; 2. Infraestrutura de apoio: a experiência da CIA e o projeto do então Polo Petroquímico de Camaçari faziam prever a necessidade de infraestrutura especializada para o futuro parque industrial; 3. Organização e equipamento da área metropolitana: a potencialização a eficiência do transporte do parque industrial e da própria capital baiana significava pensar num sistema de transporte adequado e diversificado (nas escalas urbana, estadual e federal); 4. Mudança social: um dos pontos básicos girava em torno à educação, considerado por Neira, como a melhor inversão em longo prazo e; finalmente, 5. Institucionalização: havia que introduzir modificações institucionais nos meios técnicos e administrativos da região e criar instituições responsáveis pelas informações e analise da economia regional. Nesse cenário de mudanças e transformações Neira ressaltava a presencia de “una elite local de empresarios y hombres públicos que han comprendido la necesidad del cambio y han tenido la capacidad suficiente para introducir innovaciones importantes en la organización y tecnología” (NEIRA, 1970b, p. 15).

É interessante, também, o fato de Neira incorporar nesse ideário as possibilidades que o turismo teria para dinamizar a economia baiana. Isto, segundo ele, permitiria por um lado a preservação e defesa de monumentos históricos e artísticos do Recôncavo e, pelo outro, a inversão, melhoramento e expansão de serviços urbanos para o transporte e lazer (NEIRA, 1970b, p. 14 e NEIRA, 1072, p. 253).

Considerações finais

A contribuição do arquiteto Eduardo Neira Alva para o planejamento e desenvolvimento do Recôncavo baiano e de uma maneira geral, da Bahia, pode ser entendida, especialmente, sob três aspectos. O primeiro tem a ver com o novo enfoque que a figura do “planejador” assume durante as décadas de 1960 e 1970, a qual se caracterizava pela função política e social. Em outras palavras havia que superar o enfoque somente físico e pensar num enfoque integral. Segundo, é importante notar como o percurso da sua trajetória profissional e acadêmica no Peru, na Inglaterra, na Venezuela e, posteriormente nos Estados Unidos vai lhe proporcionar uma visão ampla e privilegiada dos problemas comuns nos países do continente. Nesse sentido seria interessante pensar até que ponto realidades distintas influíam e retroalimentavam, ou não, durante suas assessorias junto ao BID e na sua própria atuação e formação profissional. E, terceiro, merece destaque sua posição sobre a necessidade de enfrentar os problemas do subdesenvolvimento da Bahia passando da escala da cidade (Salvador) à regional (Recôncavo) ou mesmo, a aplicação do conceito de “estratégia” com a finalidade de dinamizar o desenvolvimento do Recôncavo. Com isso, ele afirmava que era possível passar do plano teórico à elaboração de princípios e políticas operacionais reais. Finalmente, e afastando-nos do período em estudo, é importante mencionar sua contribuição no âmbito acadêmico ao participar da criação do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da Universidade Federal da Bahia (MEAU/UFBA), em 1997, e sua atuação docente no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da mesma universidade entre 1994 e

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