Resumo

Este estudo apresenta o método empregado no Curso Especial de Metodologia de Projetos de Desenvolvimento Urbano (CEMUAM) abordando os estágios práticos da edição de 1981. Nesse ano, o curso abrangeu quatro municípios da região norte do Espírito Santo. Foi aqui utilizado como referência o Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) elaborado para o município de Ibiraçu. O Plano de Ação Municipal de Manacapuru (PRODAI) soma-se a esta análise, fornecendo o legado prático desse mesmo curso por meio da participação de cemuares em sua equipe. Inicialmente ntroduz aspectos sociais, econômicos e financeiros nos municípios examinados e investiga a aplicação da metodologia dentro de cada contexto específico. Para esses casos, traça sinteticamente o perfil do município como forma de contextualização, para, em seguida, comparar ambos os planos e as respectivas metodologias adotadas examinando contrastes e semelhanças entre os trabalhos realizados. Por fim, o estudo, identifica na essência dos dois trabalhos investigados, preceitos metodológicos defendidos pelo Movimento Economia e Humanismo (MEH).

Palavras-chave: História urbana, história das cidades, desenvolvimento urbano, planejamento municipal, metodologia de planejamento

Abstract

The focus of this study is on the methodology applied by the Special Course of Methodology for Projects of Urban Development (CEMUAM) involving the practical part of the 1981 edition of this course. In 1981 the practical experience of the CEMUAM was carried out in four municipalities of the northern region of the Espirito Santo State in Brazil. It is here considered as a reference the Plan for the Integrated Development (PDI) proposed for the municipality of Ibiraçu. The Municipal Master Plan for Manacapuru adds to this analysis by its legacy also referred to the practical part of this same course with the participation of cemuares in the team that was charge of proposing it. Social, economic and financial aspects of the municipalities are introduced and the methodological approach is examined within each specific context. A brief account of these realities is presented as a way of contextualizing them in order to allow comparisons and contrasts of both plans and their methodologies. The study concludes by identifying in the essence of the making process of the examined plans the methodological precepts of the Economy and Humanism Movement (MHE).

Keywords: Urban history, history of the cities, urban development, municipal planning, planning methodology

Introdução: o CEMUAM e seu método

Entre os anos de 1965 e 1988, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) ofereceu um treinamento buscando capacitar profissionais de diversas áreas

como planejadores focados nas questões municipais. Inicialmente esse treinamento recebeu o nome de Curso Especial de Metodologia do Urbanismo e da Administração Municipal (CEMUAM), que posteriormente foi substituído por Curso de Metodologia e Projetos de Desenvolvimento Urbano.

O curso teve sua metodologia calcada nos preceitos do Movimento Economia e Humanismo (MEH), fundado pelo padre Lebret, que foram difundidos no Brasil pelos trabalhos elaborados pela Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS). O livro Condições de vida e planejamento físico, de 1966, de Francisco Whitaker Ferreira, traduziu a base metodológica desse Movimento e dessa Sociedade, para ser utilizada como fundamento do curso.

A formulação do CEMUAM contou ainda com a influência de profissionais como José Arthur Rios, Hélio Modesto e uma argentina naturalizada brasileira, a urbanista Adina Mera, coordenadora das primeiras sete edições. Para a oitava, a de 1978 assume em seu lugar, João Ricardo (Joca) Baptista Serran, um amigo próximo, em parceria com o arquiteto Alexandre Carlos de Albuquerque Santos, antigo funcionário do IBAM. Esse arquiteto passa posteriormente a coordenar as demais edições do curso, inclusive a que tratou de municípios do Espírito Santo.

Na visão do IBAM, por meio do treinamento oferecido pelo CEMUAM, buscava-se traçar planos não apenas considerando a realidade das comunidades e seus desejos, bem como agindo de forma integrada com os representantes comunitários e poderes políticos locais. Desse esforço do IBAM, do ponto de vista metodológico, destaca-se o conceito de desenvolvimento herdado do Movimento Economia e Humanismo, sugerindo um crescimento integral, equânime, rápido e de baixo custo social e econômico, além da adesão livre dos interessados (FERREIRA, 1966).

O curso era dividido entre uma parte teórica e outra prática ao longo de seis meses e, posteriormente, oito. A primeira parte desenvolvida no IBAM no Rio de Janeiro era voltada ao ensino dos procedimentos metodológicos, problemas e possibilidades tanto de forma geral como particularizando os municípios a serem tratados no trabalho de campo a ser desenvolvido in loco.

Para o desenvolvimento da parte prática, nos últimos três meses de curso, a turma, em geral, de 20 a 25 alunos, era dividida em grupos menores, com cerca de cinco integrantes, e se dirigia para o trabalho de campo, de pesquisa in loco, nas realidades previamente estudadas nos meses anteriores. Esse era um aspecto relevante da metodologia em que a equipe em treinamento pelo CEMUAM, passava a viver no município em estudo, com o propósito de tanto definir na própria comunidade, diretrizes para o desenvolvimento da localidade, quanto se integrar se envolver e treinar pessoal e equipes locais (FREITAS; AZEVEDO, 2011).

Um balanço nos relatórios totalizando o número de participantes e municípios atendidos pelo CEMUAM indica que o curso foi responsável por expressivo incremento no quantitativo de profissionais qualificados nessa área sem nenhum precedente, além de atender a municípios de diversas regiões brasileiras que normalmente não teriam condições de desenvolver ou custear um treinamento e, como resultado, um plano semelhante. Ao longo de suas 18 edições o CEMUAM treinou mais de 350 planejadores provenientes dos quatro cantos do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe orientados para dar conta dos problemas da administração municipal (FREITAS, 2012).

O CEMUAM no Espírito Santo e em Ibiraçu

O XI CEMUAM foi a primeira e única edição do curso realizada no Espírito Santo. Seus participantes se incumbiram de um estudo da região norte do Estado abrangendo quatro municípios: Aracruz, Ibiraçu, Santa Leopoldina e Santa Tereza, no ano de 1981. Os 20 cemuares que ingressaram nessa edição foram divididos em grupos de cinco e direcionados a cada um desses municípios. Ibiraçu recebeu um grupo composto por três arquitetas, uma assistente social e uma economista que, ao longo de três meses, trabalhou em parceria com a (e na) comunidade, e com esferas do governo local na formulação de um plano de desenvolvimento partindo dos conceitos propagados na fase teórica do curso.

O documento final ponderou que o município de Ibiraçu, de uma forma geral, correspondia a uma área de relevo acidentado, cortada por pequenos rios e de solo arenoso, além de abranger uma zona de mata atlântica que pouco resistiu à intervenção humana. É cortado pela BR-101, o que, somado à proximidade com a capital, Vitória, representava um incentivo ao crescimento descontrolado nas imediações da estrada e um relativo abandono do interior municipal (IBAM, 1981). No plano administrativo Ibiraçu “[...] funcionava de maneira informal com a inoperância de alguns setores” (IBAM, 1981, s.p.), com a receita municipal proveniente 60,02% da esfera estadual demonstrando grande dependência desses recursos.

É plausível afirmar que o município não teria tido, à época, condição de desenvolver ou custear planejamento semelhante, assim como os demais contemplados com os planos promovidos por essa XI edição, encaixando-se, do ponto de vista econômico, social e político, dentro do objetivo geral do CEMUAM, que era o atendimento a municípios com cidades de pequeno e médio porte e em áreas menos privilegiadas economicamente do País (FREITAS; AZEVEDO, 2011).

Os cemuares, por exigência metodológica, permaneceram três meses nos municípios que lhes foram direcionados verificando potenciais, problemas e alternativas para suas soluções. A relação conquistada durante esse tempo pode ser exemplificada pelo poema a seguir (transcrito sequencialmente com separação por barra) feito pela equipe que se encarregou do município de Ibiraçu:

existia uma situação formulada, / existe uma situação vivenciada. / e por mais que quizésemos [sic] encaixar / uma na outra, / isto muitas vezes tornou-se impossível. / a imagem acadêmica do planejamento / cai por terra, / revelando o processo embrioário / no qual se encontra, / e que estamos querendo forçar / para uma gestação de três meses / o paradoxismo entre o que buscamos e o / sentimento de querermos ser as mães e as / parteiras da criança. / de uma criança que ainda não conseguimos / identificar as feições / mas que sentimos que tem vida, / e que reage quanto estimulada. / às vezes nos surpreendemos / com as reações deste feto / mas era justamente por ele que buscávamos / quando vimos para cá / será que teremos capacidade suficiente

/ para dar-lhe estímulo correto / sem criar a dependência / de um cordão umbilical? (ibam, 1981, s.p.).

Esse escrito expõe não só a importância e o papel da fase teórica do curso, de preparação para as práticas a serem desenvolvidas posteriormente, como também a possível incompletude desse primeiro momento, do qual deriva a necessidade de uma fase prática de participação in loco para corrigir uma possível noção linear e impessoal de planejamento descolado da realidade.

Outro ponto é a busca pela concretização do plano proposto pela equipe, que parece ter dúvidas quanto à possibilidade de gestar ou de atuar como “parteira”, ou seja, elaboradora de um plano que seja o mais adequado possível e que possa ser conduzido por uma administração municipal com o compromisso de assumir o projeto desde o início ao fim. A equipe parece também expressar suas dúvidas quanto ao verdadeiro e adequado entendimento da realidade, seja pelas opiniões obtidas com a comunidade, seja pelas possibilidades de envolvimento dos dirigentes no futuro. O poema se encerra expressando a dúvida da equipe quanto às suas propostas. Sentiam-se temerosos de que, mesmo tendo ouvido e considerado os anseios da comunidade, adotassem medidas assistencialistas não condizentes com as reais necessidades do município ou que não reverberassem nas ações dos governantes.

Por meio do exame do Plano de Desenvolvimento (PDI) produzido para o município de Ibiraçu, pode-se identificar a situação na qual ele estava inserido. É importante expor que o PDI foi realizado no ano de 1981 e, no ano de 1988, ocorreu seu desmembramento, passando o então distrito de João Neiva à categoria de município, conforme a Lei Estadual nº 4.076, de 11 de maio de 1988. Desse modo, várias considerações do grupo refletem uma situação que aponta, além da sede, o então distrito como polo urbano (IBAM, 1981, s.p.).

Segundo o PDI, a geografia local resultava em áreas especialmente propensas a alagamento entre novembro e janeiro, causando, além de danos materiais, a insegurança da população. As chuvas também acentuavam a precariedade dos caminhos de pedestres, dos acessos de veículos e eram responsáveis pelos vazios urbanos, isto é, regiões com declividade muito acentuada ou várzeas sob o risco de inundações que dificultavam a implantação de infraestrutura (IBAM, 1981).

Acerca dos três setores econômicos, 83,7% do território eram voltados para o primeiro setor, com predominância de pequenas propriedades (IBAM, 1981). A aprovação de novos loteamentos, à época, dependia da preexistência dos serviços de água, luz, esgoto e pavimentação. Apesar desse procedimento e de outras exigências da Prefeitura, surgiam, muitas vezes, ocupações desordenadas ou a implantação de lotes clandestinos, contribuindo para a baixa salubridade local e um crescimento desordenado (IBAM, 1981).

A estrutura administrativa da Prefeitura sofria com a informalidade, vivenciando a inoperância de alguns setores e o incremento de outros, enquanto os formalmente criados apresentavam um desempenho satisfatório. Dois importantes pontos ainda foram identificados: o caso da falta de estruturação nos mecanismos de arrecadação da receita e as instalações precárias e disposição desordenada do arquivo (IBAM, 1981).

O plano de Ibiraçu versus o método

Da metodologia apresentada por Ferreira (1966), destacam-se três procedimentos básicos: coleta de dados, análise e formulação de hipóteses. Essa abordagem metodológica foi utilizada em Ibiraçu que, por sua vez, ao tratar desses

procedimentos, os nomeia de Etapa de Percepção, Etapa de Avaliação e Etapa de Execução (IBAM, 1981). O PDI se estrutura segundo oito aspectos muitas vezes interconectados. São eles: antecedentes, aspectos históricos, econômicos, teóricos, sociais, administrativos, quadro urbano e normas urbanísticas. Cada um desses itens pode incluir um ou mais aspectos das etapas anteriores.

Do livro de Ferreira (1966) são extraídos conceitos-chave para o trabalho com o município, especialmente o de desenvolvimento criado pelo MEH, entendido, como um processo contínuo de passagem de uma população do nível de existência em que se encontre para um nível mais humano, isso é, que permita a realização mais plena de suas potencialidades, segundo a concepção de homem adotada pela comunidade (FERREIRA, 1966). No PDI essa ideia surge na primeira parte, chamada de “antecedentes”, na qual, além de traçar como objetivo a definição de “[...] uma forma de planejamento mais viável, adequado às reais aspirações de uma determinada coletividade, considerando suas variáveis sociais, econômicas, físicas, técnicas e políticas” (IBAM, 1981, s.p.), introduz ainda a metodologia utilizada e as dificuldades enfrentadas ao longo da fase prática do curso.

Ferreira (1966) reúne nove condições diretas de desenvolvimento: as condições habitacionais, o sistema de formação, a necessidade de saúde, os sistemas de recreação, os sistemas de transporte, os bens de consumo e prestação de serviços, o trabalho e sua remuneração, os sistemas de comunicação e as condições de ambiente geral. As condições indiretas, no caso, são as atividades necessárias para se conquistar melhorias nas condições diretas de desenvolvimento. Todas elas foram objeto de estudo no PDI, incluindo condições particulares do município, como a falta de uma área industrial ou a ineficácia do sistema de crédito agrícola, aparentemente não explicitamente incluídas nas condições sugeridas por Ferreira.

Ferreira (1966) propõe variáveis de organização do espaço físico como mecanismos de manejo, as denominadas interferências, em busca de níveis de vida mais humanos. São eles: separação e aglutinação dos usos, sistema de polarizações, localização dos vários usos, dimensão das parcelas de espaço ou dos complexos de uso, densidade de ocupação do solo e estrutura viária. É importante ressaltar que tanto as condições quanto as variáveis devem ser hierarquizadas como forma de definir o caminho mais adequado a um crescimento equânime, aspecto importante do desenvolvimento, segundo o MEH. Enquanto as condições podem ser básicas, de conforto ou de superação, variando em função de sua importância para o desenvolvimento local, as interferências podem ser consideradas fundamentais: quando a elevação no atendimento delas depende; necessárias, quando são indispensáveis desde que complementadas; e de caráter auxiliar, quando possibilitam um maior rendimento. No Plano de Ibiraçu, essa distinção não emerge claramente, mas é possível identificar momentos em que é realizada, conforme assinalado nos quadros abaixo mencionados.

Outro aspecto da metodologia de Ferreira (1966) é a elaboração de um quadro de opções. O quadro seria composto por objetivos imediatos, prazos e sistema de obtenção dos meios e condições para se lograr esses objetivos, completando, assim, a proposta metodológica para registro e análise dos dados colhidos. Esse quadro serve como instrumento para a produção de outro, no qual ocorre a conjugação entre condições de desenvolvimento e variáveis passíveis de modificação, promovendo respostas quanto às transformações a serem introduzidas. Esse quadro resultante, chamado de quadro de condições e interferências, teria por objetivo contrapor opções às propostas com as variáveis. Desse modo, seria possível identificar como cada

diretriz resultaria em conjunto com outras intervenções e, portanto, quais transformações realmente efetuar. Nesse momento também seriam consideradas as condições de desenvolvimento indiretas, desde que atendessem imediatamente ao objetivo final. No PDI esses quadros são fragmentados ao longo dos capítulos, trazendo o primeiro textualmente ao longo do plano e o segundo ao fim de cada capítulo, estruturado de forma distinta, mas mantendo-se em ambos o sentido básico proposto por Ferreira.

Nesses quadros a equipe sempre relacionou o problema, sua ou suas características, a causa associada, as consequências para o município, a localização, as alternativas e competência para solução. Vale atentar que, ao distinguir o local em que ocorre o problema, a equipe está particularizando espaços dentro do município e respeitando elementos preexistentes. Desse modo, ao inserir cada atividade ou propor cada intervenção em determinado local, cuja dinâmica favoreça seu melhor aproveitamento, a equipe retoma conceitos do MEH e permite estabelecer soluções de continuidade entre as medidas e os espaços. Inseridos nessa ideia, vários croquis esquemáticos complementam a análise sobre fornecimento de água, luz, atividades produtivas e outros aspectos, identificando por espaços certas particularidades dentro da sede e do então distrito, João Neiva.

Interessa mencionar que a distinção de problemas por competência traduz a preocupação da equipe em construir um manual de instruções – um instrumento preciso contendo um elenco de alternativas em benefício do desenvolvimento do município. Assim sendo, sugere a participação, cooperação ou ação, seja da Prefeitura Municipal de Ibiraçu e de seus diferentes departamentos, seja das equipes técnicas, seja da comunidade e empresas, como a Escelsa (Espírito Santo Centrais Elétricas S. A.), a Telest (Telecomunicações do Espírito Santo) e a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), dentre outros.

O plano de Manacapuru

O Projeto de Desenvolvimento e Ação Integrada (PRODAI) do município amazonense de Manacapuru, por sua vez, foi elaborado pelo Instituto de Cooperação Técnica Intermunicipal (ICOTI) como parte de um plano do governo, com o objetivo de, com ações sistemáticas, solucionar as carências municipais socioeconômicas mais evidentes. Iniciado em 1979, foi interrompido algumas vezes, sendo concluído somente em 1980, devido a entraves administrativos e a um acidente ocorrido com a equipe técnica na zona rural do município. Isso forçou a equipe a concluir o documento final em Manaus, contudo todo o trabalho a exceção da composição do documento foi realizada em Manacapuru.

A equipe, que fixou residência na sede municipal durante todo o trabalho de campo, era composta por doze profissionais: um engenheiro, um técnico em desenvolvimento comunitário, três economistas, uma assistente social, uma contadora, uma pedagoga, um arquiteto, dois administradores e um auxiliar administrativo, além dos colaboradores, desenhistas, datilógrafos e revisores (AMAZONAS, 1980). Apenas um componente da equipe havia cursado o CEMUAM, e a coordenadora do PRODAI, vai compor a equipe técnica do Plano de Desenvolvimento Integrado de Ibiraçu, feito na

oportunidade do trabalho de campo de XI CEMUAM, no ano seguinte (1981) à conclusão do Projeto de Manacapuru.1

Segundo o PRODAI, o município está localizado na microrregião do Médio Amazonas e faz limite com o município de Manaus além de outros seis. Está situado à margem do Rio Solimões, assim como outros acidentes geográficos que cortam o município e totalizava 38.042km2 de superfície (AMAZONAS, 1980).

Sua economia se apoiava no setor primário, tendo a extração de madeira como uma das principais atividades. A agricultura crescia em importância, mas ainda prevalecia como de subsistência, subjugada à pesca. A pecuária era pouco desenvolvida e o turismo, considerado como uma opção viável para a absorção de mão de obra e distribuição da renda interna, havendo, contudo, entraves a seu desenvolvimento.2

O núcleo urbano tinha seu traçado como resultado do trajeto do rio Solimões e outros elementos da geografia local. A infraestrutura e os equipamentos urbanos predominavam no centro do município, diminuindo gradualmente ao seu redor.

A estrutura administrativa caracterizava-se pelo superdimensionamento e indefinição, consequência de lei vigente que se apresentava centralizadora de modo desnecessário e dispendioso, quanto às ações do Executivo, e das respectivas Secretarias. A efetuação de pagamentos dos funcionários públicos ainda era feita sem controle ou comprovação por parte da tesouraria. As diversas Divisões internas padeciam com a informalidade ou precariedade quanto às condições de trabalho.

O PRODAI constitui um plano cuja organização e conteúdo possibilitam um entendimento fácil e completo, permitindo a compreensão de qualquer cidadão, como pode ser comprovado em um trecho do plano: “[...] O planejamento das atividades, para o sistema municipal de ensino, é realizado sem o engajamento dos professores. Isto pode refletir no nível de aproveitamento dos alunos” (AMAZONAS, 1980, p. 308). Essa afirmação caracteriza de forma didática a possível causa para deficiências no ensino local, embasada em dados concretos coletados anteriormente.

O plano é dividido em seis partes: a primeira introduz o município, informando sua localização e acesso, fisiografia e geomorfologia, aspectos históricos e aspectos demográficos; nas demais, apresenta, respectivamente, aspectos econômicos, físico- territoriais, sociais, administrativos e a problemática municipal. Afirma ser “[...] dimensionado pela realidade e por dados concretos, coletados in loco” (AMAZONAS, 1980, p. VII). Significa dizer que o plano passou por uma primeira etapa, na qual entrou em contato com os órgãos setoriais do Estado, seguindo para um contato global com a comunidade e finalizando em um seminário com entidades e lideranças locais, no qual foi apresentado o documento produzido. Isso é um indicador de que a

1 Seis anos depois, no advento do XVI CEMUAM, um terceiro participante do ICOTI, instituição estadual de assistência aos municípios amazonenses, responsável pela elaboração de planos da mesma natureza do de Manacapuru, concluiu o curso desenvolvido no município de Guarani, no Estado de Minas Gerais. Outro ponto a se considerar é a origem amazonense do superintendente do IBAM, à época, o administrador Jamil Reston, aspecto que possivelmente influenciou o estreito relacionamento entre o IBAM e o ICOTI. Desse modo, ainda que nenhuma edição do curso tenha sido realizada no Estado do Amazonas, possivelmente devido a distância em relação à sede e respectivos custos decorrentes, pode-se dizer que o Estado mantinha estreito contato com o CEMUAM e sua metodologia.

2 Atualmente a sede municipal é ligada a Manaus pela da rodovia estadual AM 070 que conta com uma ponte sobre o Rio Negro, inexistente à época do plano. A Ponte Rio Negro só foi inaugurada em 2011. Anteriormente essa travessia era viabilizada apenas por meio de balsas.

metodologia do CEMUAM foi, nesse particular, também seguida na elaboração do plano.

O diagnóstico apresentado no último capítulo do PRODAI traz os problemas, competências, características e alternativas, podendo ainda contar com informações acerca do local ou consequências. Para exemplo, levanta-se a questão da falta de área industrial em Manacapuru, problemática que desestimula novos investimentos, tendo em vista a indefinição e indisponibilidade de áreas para esse fim, o que contribui diretamente para o desinteresse dos empresários. Nesse caso, o PRODAI coloca a Lei de Zoneamento como possível solução, especifica a competência municipal e indica a assessoria do ICOTI para a definição desse projeto. Vale ressaltar que, sofrendo o município de Ibiraçu da mesma mazela, seu plano, o PDI, aponta as mesmas consequências e indica as mesmas alternativas para solução desse problema.

No PRODAI, os problemas também foram associados a competências mais indicadas para a sua solução – federais, estaduais, municipais ou, em alguns casos, de outras esferas, podendo um determinado problema demandar mais de uma medida de solução com indicação de uma ou outra competência simultaneamente. Significa dizer que essas medidas, possuíam caráter executivo, normativo, reivindicativo ou indicativo, podendo-se, a depender do problema, este ser solucionado pela combinação de algumas medidas e/ou competências.

O método dos planos de Manacapuru e de Ibiraçu: semelhanças e contrastes

Enquanto Manacapuru se localiza no norte brasileiro, região de histórica dificuldade de acesso e comunicação, o município de Ibiraçu se insere na Região Sudeste, mais bem estruturada e com maiores condições de participação na economia nacional. No entanto, Ibiraçu continuava, à época, sem essa participação em sua plenitude em função de peculiaridades da ocupação espírito-santense. O clima equatorial de Manacapuru destoa do tropical de altitude da outra região, mas os recordes hidrográficos presentes em ambos os municípios iniciam uma reaproximação, fundada na tendência de alagamentos e dificuldades na instalação de infraestrutura contínua. Ibiraçu também era prejudicado pelo relevo bastante acidentado. Os rios do município capixaba, todavia, não eram navegáveis e eram menos numerosos quando comparados com os da outra realidade.

Ainda é possível identificar que ambos os estudos principiam pela coleta de dados, tanto in loco quanto com órgãos especializados com toda a equipe atuando no campo durante o período de coleta de informações. Também é ponto comum a busca pela compatibilização das alternativas aos problemas identificados com a realidade local, em Ibiraçu pelo estabelecimento de prioridades na segunda etapa e em Manacapuru pelo plano em si, já que afirma ter sido “[...] dimensionado pela realidade e por dados concretos, coletados in loco” (AMAZONAS, 1980, p. VII).

Um ponto de aparente divergência que lhes pode ser atribuído é o destino final concedido aos estudos. O PDI produz um plano cujo objetivo é orientar todos os extratos populacionais por meio de sua linguagem e estrutura clara, além da execução de alguns pontos na última fase. O PRODAI, por sua vez, direciona o Projeto aos órgãos políticos, mas também encerra com um seminário expositivo à comunidade e líderes locais. Em ambos os planos, contudo, é clara a preocupação com a difusão das

informações e conhecimentos produzidos como estratégia para a melhoria das condições locais. Os dois planos examinados buscam soluções para as carências sociais, econômicas, técnicas e políticas, trabalhando sempre próximos à comunidade.

Percebe-se ainda a possibilidade de se traçar um paralelo entre os oito capítulos do PDI e os seis capítulos do PRODAI. No primeiro, ao iniciar tratando dos antecedentes, não encontra paralelo no outro objeto de estudo, sendo possivelmente desenvolvido pelo caráter educacional do plano, isso é, resultado do estágio do XI CEMUAM. Já os aspectos históricos, econômicos, teóricos, sociais e administrativos do PDI podem ser relacionados respectivamente com as partes: 1 (localização e acesso, fisiografia e geomorfologia, aspectos históricos, aspectos demográficos), 2 (aspectos econômicos), 4 (aspectos físico-territoriais), 3 (aspectos sociais) e 5 (aspectos administrativos). O Quadro Urbano e as Normas Urbanísticas trabalhados no PDI não possuem paralelo claro de seus temas com o outro trabalho, mas podem ser atribuídas características semelhantes à parte 4 e 3, respectivamente. Quanto à parte 6 do PRODAI, na qual é relatada a problemática municipal, assemelha-se aos quadros de condições e interferência distribuídos ao longo do PDI. Semelhanças e distinções à parte, a composição de cada documento parece um aspecto meramente associado à mais adequada estrutura encontrada pelas equipes para constatação da realidade, apresentação dos problemas e soluções propostas.

Do conteúdo, nota-se que ambos trabalham com quadros, mapas, tabelas e croquis. Comparativamente, percebe-se uma preponderância de tabelas no PRODAI que são estruturadas com base em pesquisas realizadas durante o período de desenvolvimento do trabalho para suprir a deficiência de dados existentes. O PDI, com apenas 13 quadros, utiliza mapas como recurso de linguagem, trabalhando graficamente, por exemplo, com o acesso municipal à água tratada e iluminação, estratégia não empregada no PRODAI. Este, por sua vez, utiliza, como recurso, mapas: um do projeto viário, um de ocupação e uso do solo e um croqui do município de Manacapuru.

Vale a ressalva de que esses aspectos, com referência à estrutura e à forma de apresentação dos planos, não representam distinções quanto ao método utilizado para a obtenção de informações e a consequente indicação de problemas e suas soluções. Ambos, o PDI e o PRODAI, se inserem, com relação à abordagem adotada e ao tratamento da realidade, nos preceitos do MEH incorporados na publicação de Ferreira (1966).

Interessa notar que, a exemplo da já esperada abordagem adotada no Plano de Ibiraçu, há uma aproximação entre o PRODAI e os preceitos teorizados pelo Movimento Economia e Humanismo. Estratégias, como a distinção entre tendências de desenvolvimento vislumbradas para os espaços da cidade, de competências para suas viabilizações e de indicações de possibilidades e/ou condições de desenvolvimento, são aspectos desse paralelismo. Demonstra assim a preocupação com a infraestrutura e/ou equipamentos preexistentes e associação entre potenciais de cada local na medida das possibilidades e adequabilidades entre estes.

Por fim, vale a ressalva de que o método adotado em ambos os planos pode circular em todo o País, haja vista a participação de profissionais que se deslocaram de uma região para outra, seja por meio do aprendizado durante o período do curso e o inerente intercâmbio de conhecimentos por ele promovido, que incluía profissionais de diversificadas origens, formações e instituições de todo o território brasileiro, seja

por meio do retorno ou ainda da migração de cemuares entre Estados da Federação e respectivas instituições de planejamento após a conclusão do treinamento.

Referências

AMAZONAS, Governo do Estado do. SEIJUS/ICOTI. PRODAI: Projeto de Desenvolvimento e Ação Integrada de Manacapuru. Manaus: Instituto de Cooperação Técnica Intermunicipal, 1980.

FERREIRA, Francisco Whitaker. Condições de vida e planejamento físico. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966.

FERREIRA, Francisco Whitaker. Entrevista gravada em São Paulo, em 17 de janeiro de 2013, com a participação de Marlice Nazareth Soares de Azevedo, arquiteta, aluna na segunda turma do CEMUAM.

FREITAS, José Francisco Bernardino; AZEVEDO, Marlice Nazareth Soares de. A presença de Adina Mera na formação de urbanistas para a prática profissional nos municípios brasileiros. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URRBANO E REGIONAL (ENANPUR), 15., 2011, Rio de Janeiro, Anais... Rio de Janeiro: IPUR/UFRJ; ANPUR, 2011. p. 1-20.

FREITAS, José Francisco Bernardino. A formação de urbanistas e a realidade municipal: uma experiência lato sensu. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO (SHCU), 12., 2012, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: PROPUR/UFRGS; PPGARQ/UFRGS, 2012. p.1-10.

INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. PDI: Plano de

Desenvolvimento Integrado. Estágio prático do XI CEMUAN (Curso de Metodologia de Projetos de Desenvolvimento Urbano). Ibiraçu: IBAM, 1981.