Resumo

O discurso profissional de Christopher Alexander, na Arquitetura e Urbanismo, se pautou em formulações teóricas e experiências práticas contidas de um elemento de fundamental importância: a participação do usuário nos processos de projeto e construção de edifícios e intervenções urbanas. Sob esta ótica, propõe-se refletir sobre alguns princípios estabelecidos pelo arquiteto e equipe, em processos participativos por eles implementados, bem como se sugere a análise de padrões de projeto cuja conjectura tem mesma autoria e, no entanto, permitem interpretações heterogêneas.

Palavras-chave: Christopher Alexander, Processos Participativos, Arquiteto- construtor, Builder’s Yard, Linguagem de Padrões.

Abstract

Christopher Alexander’s professional discourse in Architecture and Urbanism was based in theoretical formulations and practical experiences with an element of fundamental importance: the participation of users in design process and construction of building and urban actions. Under this view, it proposes thinking about some principles from this architect and his co-workers, in participatory processes that they introduced, as well as it suggests analysing design patterns which have the same authoring, however, they permit different interpretations.

Keywords: Christopher Alexander, Participatory Processes, Architect Builder, Builder’s Yard, Pattern Language.

Constituição do Discurso Profissional de Christopher Alexander

Christopher Alexander, arquiteto nascido na Áustria em 1936, cresceu e desenvolveu sua formação como Matemático e Arquiteto na Inglaterra, até os 22 anos de idade. Em 1958, mudou-se para os Estados Unidos, buscando especializar-se em Harvard, onde obteve o título de Doutor em Arquitetura junto à Harvard University. Os estudos de seu doutorado resultaram no livro “Notes on the synthesis of form” (1964), onde se observam teorias e métodos que o autor formula para lidar com a complexidade das necessidades humanas, as quais deveriam ser atendidas nas intervenções arquitetônicas e urbanísticas.

Tratavam-se dos primeiros indícios da importância que o usuário final teria na Arquitetura e Urbanismo de Alexander. Sua tese em “Notes” era a de que [a forma]{.ul} [constituía o objeto final do projeto]{.ul} e, para ele, a questão central do projeto era a de [ajustar a forma ao contexto]{.ul} em que os edifícios e intervenções urbanas se inseriam. Estas reflexões avançaram nas formulações teóricas e práticas de Alexander, tornando-se notável sua busca por novos paradigmas para projetos e construções e, em 1966, publicou o livro “Community and Privacy: toward a new Architecture of

Humanism” com Serge Chermayeff1.

1 Arquiteto soviético, nascido em 1900 na atual República Tcheca, desenvolveu sua formação na Inglaterra, onde também participou do Movimento Moderno, associando-se profissionalmente a Erich Mendelsonh com quem produziu importantes edifícios; de 1946 a 1951, foi presidente do Institute of Design em Chicago e, até o início dos anos 1970, foi docente em Harvard, Yale e no MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Neste livro, Alexander e Chermayeff buscaram explorar os meios possíveis para que as soluções de projeto fossem congruentes com as demandas dos usuários. Desse modo, os autores reafirmavam a preocupação com os produtos da Arquitetura e do Urbanismo, enquanto espaços que deveriam atender necessidades humanas reais, que transcendiam a [forma]{.ul}.

Ao analisar esta fase profissional de Christopher Alexander, Grabow (1983) a define como o “abandono de regras” e comenta que a [forma]{.ul} era a parte do ambiente sobre a qual se tinha controle e, o [contexto]{.ul}, aquela que estabelecia demandas à forma. Portanto, o “bom projeto” seria aquele que melhor conciliasse ambas as partes, articulando elementos que coexistem. Torna-se cabível, aqui, uma reflexão sobre formulações análogas ao [contexto]{.ul} preconizado por Alexander, como o reconhecimento do “espírito do lugar”, genius loci, por Norberg-Schulz (1980), que manifestou a importância do [significado]{.ul} que cada lugar pode transmitir, transcendendo-se elementos tangíveis relativos ao sítio geográfico.

Semelhante posicionamento teve Rossi (1976 apud MENDONÇA, 2000) que defendeu a correta articulação entre elementos da memória, do locus e do desenho como sendo a raiz da concepção arquitetônica, capaz de evocar a ideia de um lugar patente, com a presença do genius loci. Ainda que as atribuições feitas por Alexander ao [contexto]{.ul} estivessem mais relacionadas às características físicas, é possível reconhecer que estava em pauta a dimensão urbana da forma arquitetônica, associada a aspectos humanos de percepção e sentido de lugar.

Em 1965, Alexander publicou o texto “A city is not a tree”, que consolidou suas ideias sobre a congruência entre a forma e o contexto e alcançou-lhe notoriedade internacional. O artigo foi publicado em duas partes, na revista Architectural Forum, em dois volumes mensais, respectivamente, abril e maio daquele ano. Posteriormente, foi traduzido em outros idiomas: francês, alemão e espanhol, entre as décadas de 1960 e 1990. (RUDI, 2000)

No texto, o autor reflete sobre sua visão das cidades enquanto entidades vivas, dotadas de um contingente de sistemas e conjuntos de lugares e usos interligados e, sobretudo, dependentes entre si. Assim, Alexander introduz sua convicção de que o espaço urbano é a somatória de uma diversidade de situações, vividas pelos cidadãos e promovidas por eles o que, inevitavelmente, aponta para o fato de que se trata de um “ser vivo” e que se reproduz.

Consequentemente, as ferramentas utilizadas pelos arquitetos das décadas anteriores, durante o Movimento Moderno, que objetivavam conceber novas cidades e renovar tecidos existentes, foram severamente contestadas pelo autor. Christopher Alexander discutira que esses profissionais tratavam as cidades como árvores e, portanto, as projetavam com estruturas artificiais ou em rede. Assim sendo, podiam dispor de diretrizes puramente funcionais para essas cidades, determinando suas características de modo impositivo.

Para Alexander, as cidades deveriam ser reconhecidas enquanto espaços “naturais”, providos de morfologia, uso e ocupação do solo, oriundos de manifestações espontâneas, impressas na paisagem por seus habitantes, ao longo de suas vidas. Postura análoga o arquiteto sustentou nos anos seguintes, especialmente durante as décadas de 1970 e 1980, período em que desenvolveu projetos em diferentes países, a partir de processos participativos na produção habitacional e espaços de uso coletivo. Nestas experiências de Alexander e equipe, identifica-se a introdução e aprofundamento de conceitos que fazem parte de seu discurso profissional e que, sobretudo, caracterizam os meios utilizados na implementação de novos paradigmas. “Princípios” do Plano para a Universidade de Oregon, campus de Eugene/EUA

Um dos processos participativos de Christopher Alexander se deu na intervenção no campus da Universidade de Oregon, em Eugene/EUA, cujo Plano data de 19692. O arquiteto e seus parceiros do CES (Center for Environmental Structure)3 estabeleceram princípios que deveriam fundamentar o processo de projeto no campus, de acordo com os novos paradigmas por ele experimentados. Este processo constituiu o conteúdo do livro de sua autoria “The Oregon Experiment” (1975) que, assim como “A city is not a tree”, foi traduzido para vários idiomas e, pode-se concluir, que se tornou uma referência quanto ao planejamento de campi universitários.

Dentre estes princípios, Alexander indica as diretrizes pretendidas para a implementação do processo participativo em Eugene e aponta, inicialmente, a [Ordem]{.ul} [Orgânica]{.ul}: ordem que visava o equilíbrio entre as necessidades das partes e das demandas do “todo”, em um Plano que reconhecesse as individualidades de cada local, como se fosse único. Deste modo, os edifícios e outros elementos isolados do projeto poderiam cooperar na constituição de um conjunto harmonioso e equilibrado. Através desta ordem, observa-se um novo olhar sobre modelos rígidos de planejamento, baseados em cenários homogêneos para o campus, sem considerar peculiaridades da paisagem existente em diferentes locais da Universidade.

Estas particularidades que deveriam ser destacadas pelo Plano, segundo o arquiteto, poderiam ser identificadas através do princípio da [Participação]{.ul}, considerando-se que somente os usuários de uma comunidade são capazes de planejá-la corretamente, quanto aos edifícios, suas interfaces, os espaços comuns, de modo que tudo atenda às suas necessidades reais. Com isto, para Alexander, atinge-se um “equilíbrio orgânico” e, na sua tese, Arquitetos e Urbanistas não podem determinar projetos onde não impere o ambiente ideal à comunidade que, no caso de Oregon, compreendia os alunos, professores e administradores. Alexander atentava para um processo onde usuários ajudariam a conceber o ambiente que necessitavam, ou ainda, mais complexo, no qual o usuário construiria seu próprio ambiente. Neste processo de Oregon, alguns edifícios foram desenhados de forma esquemática pelos usuários e executados por técnicos.

O terceiro princípio, [Crescimento em pequenas doses]{.ul} foi definido, por Alexander, a partir da ideia de que os edifícios do campus deveriam se adaptar às mudanças de usos e usuários, paulatinamente, sem que se destruíssem edificações inteiras:

Um organismo vivo deve constantemente remodelar-se para sobreviver, mantendo assim sua qualidade de ser um todo equilibrado. No caso de um organismo, só através da constante reconstituição, do ajuste de campos químicos, da renovação de células e da cura dos tecidos danificados, pode manter-se a morfologia básica do organismo. (ALEXANDER et al., 1978, p. 47)

Neste sentido, a [reparação]{.ul} é algo presente em diferentes culturas e deve prevalecer nas comunidades e os autores defendem esta postura, como crítica à Arquitetura Moderna que se baseou no “crescimento a grandes doses”, postulando o [novo]{.ul} como sendo o [melhor]{.ul}: “O crescimento a grandes doses depende de uma visão descontínua e estática do meio ambiente humano; o crescimento a pequenas doses depende de uma visão dinâmica e contínua do meio ambiente.” (ALEXANDER et al., 1978, p.51)

2 Fonte: www.patternlanguage.com

3 Centro criado em 1967, em Berkeley/Califórnia/EUA, com o objetivo de ampliar as formulações teóricas e aplicar, em experiências práticas, as ideias de Alexander quanto aos processos participativos e outros princípios.

Além disto, coloca-se que, no crescimento a grandes doses, tem-se projetos maiores onde, proporcionalmente, encontram-se mais usuários insatisfeitos, os custos são naturalmente mais altos e torna-se mais difícil reparar possíveis erros. Por outro lado, no crescimento a pequenas doses, implementam-se projetos mais modestos, com baixos custos, menores impactos e, sobretudo, objetiva-se atender as necessidades imediatas e reais.

Em se tratando de “grandes doses”, Vargas e Castilho (2006) comentam os desmandos das intervenções de renovação urbana ocorridas em diferentes países, a julgar, ações como a reforma de Paris por Haussmann (1851-1870), que estendeu os limites do território urbano e destruiu grande parte da estrutura pré-existente no núcleo original da cidade. Quanto à suposta insatisfação dos usuários levantada por Alexander, no crescimento a grandes doses, Choay e Merlin (1988 apud VARGAS; CASTILHO 2006) colocam que as críticas às intervenções de renovação se aplicam no plano social, posto que destroem os laços dos moradores destas áreas, ao serem removidos para outros locais.

Ainda no que diz respeito aos pressupostos do Plano da Universidade de Oregon, Alexander e equipe instituem os estudos para a definição de parâmetros de projeto, no intuito de facilitar a interlocução entre os usuários participantes do processo e os técnicos envolvidos. Este princípio, dos [Padrões]{.ul}, pode ser entendido como a introdução da Linguagem de Padrões, que viria a ser consolidada nos anos seguintes, com a publicação do livro “A Pattern Language” (1977), contendo 253 padrões para intervenções na escala da cidade, bairro e edifício, como será analisado no decorrer deste trabalho.

O princípio do [Diagnóstico]{.ul} foi introduzido, pelos autores, como um mecanismo de controle do organismo em crescimento, para reparar ou limitar situações de desequilíbrio. No experimento de Eugene, foi proposto um diagnóstico (em desenho ou mapa), usando-se cores para ilustrar as ocorrências, localizando-as, por exemplo: para áreas positivas, com características que deviam ser mantidas; áreas que necessitavam de remodelação para funcionarem melhor; áreas com necessidade de desenho e mudanças, ainda que tivessem indícios de qualidade; áreas críticas.

Alexander et al. (1978, p.99) colocam que “um processo de diagnose dá muito mais liberdade aos usuários que um plano geral, já que estimula sua imaginação e desafia os usuários a encontrar soluções e a reparar os defeitos presentes”. E sugeriram, ainda, que a Universidade realizasse [diagnósticos anuais]{.ul}, aprovados formalmente por uma junta de planejamento (responsável pelo processo) e divulgados à comunidade com fácil acesso a qualquer interessado, onde fossem apontados os lugares “vivos” e “mortos”.

No que diz respeito à [Coordenação]{.ul}, último princípio adotado para o Plano de Oregon, considerou-se o crescimento que ocorreria nas décadas seguintes, no campus da Universidade de Oregon. Portanto, previu-se este instrumento de gestão da comunidade universitária, por meio de controle anual do processo, porém, mediante responsabilidade e, não, por imposição. Através deste princípio, Christopher Alexander e equipe concretizaram suas ideias para o crescimento orgânico e a pequenas doses do campus, excluindo-se as teorias de planos exatos e admitindo-se o desenvolvimento pela própria comunidade.

Com este postulado, Alexander e seus parceiros do CES executaram o Plano para o campus de Eugene e outros processos participativos, com novas formulações teóricas, que firmaram seu discurso profissional.

“Princípios” do assentamento habitacional de Mexicali/México

No ano de 1976, Christopher Alexander teve a oportunidade de por em prática suas concepções teóricas, no México, quando foi contratado com sua equipe e alunos da Universidade da Califórnia em Berkeley, para desenvolver um Conjunto Habitacional com baixos custos em Mexicali. Seriam unidades de 60 a 70 m2 em um terreno único,

definidas pelas famílias, que também desenvolveriam os projetos, tornando-as diferentes entre si. Alexander comenta a experiência:

O projeto mexicano foi simplesmente a primeira oportunidade que tivemos de por em prática as ideias que têm sido desenvolvidas durante a segunda fase de pesquisa e experimentação. Em outras palavras, tivemos a oportunidade de ter o arquiteto-construtor trabalhando em pleno direito, de ter as famílias operando como um grupo social e não somente como usuários da linguagem de padrões, ter uma pequena quantia de sucesso com o fluxo de dinheiro, até mesmo poder mudar a posse da terra no sentido de que se pudesse ter uma cooperativa de propriedade de áreas públicas assim como uma propriedade privada de área privada, e, é claro, implementar o sistema construtivo que havíamos desenvolvido. (apud GRABOW 1983, p. 169)

Assim como as ideias que embasaram o Plano da Universidade de Oregon, Christopher Alexander e os profissionais do CES avançaram na conjectura de outros 7 princípios, aplicados no projeto habitacional de Mexicali. Tais princípios, bem como o processo de projeto e construção do Conjunto, foram expostos no livro “The Production of Houses” (1985) e compreendem conceitos como do [Arquiteto-]{.ul} [Construtor]{.ul}: na visão de Alexander, o processo de concepção e produção do edifício não deveria ser fragmentado, resultando em um produto “manufaturado”, mas algo gerado a partir do envolvimento de usuários e profissionais com a interpretação de expectativas e necessidades por parte de ambos.

Assim, instituiu-se a premissa de um “novo profissional” que possuísse as atribuições técnicas cabíveis com o projeto do edifício e, principalmente, com sua execução, valendo-se de sistemas construtivos e tecnologias aplicáveis à autoconstrução. Nesta concepção, o “novo profissional” assumiria maiores tarefas e poderes do que o arquiteto enquanto autor do projeto, no entanto, com maior modéstia, em uma integração contínua entre o projeto e a construção.

Alexander e equipe estabeleceram, também em Mexicali, o [Builder’s Y ard]{.ul} ou “canteiro do construtor”, cujas instalações se dariam próximas às casas em construção, numa espécie de núcleo da comunidade em constituição. Neste local, funcionavam: escritório, experimentos de construção, depósito de recursos para a execução das casas e até mesmo moradia, quando necessário. Permitia-se, com o builder’s yard, o encontro dos “arquitetos-construtores” para definições da obra, o que consolidou o sentido de comunidade em Mexicali.

No conjunto de Mexicali, as casas foram construídas no entorno de uma área de uso coletivo da comunidade, portanto, iniciou-se pelo projeto deste espaço, com o princípio do [Projeto Coletivo da Área Coletiva]{.ul}, o que teria um significado profundo para todas as famílias envolvidas. Alexander, a partir da utilização de parâmetros da Linguagem de Padrões, propôs que o agrupamento das casas se desse na forma de “cluster”, de modo que as áreas coletivas tivessem uso comum, portanto, objetivos concretos que unissem os interesses dos moradores. Neste sentido, as relações humanas seriam priorizadas e, consequentemente, os contatos diários e imediatos seriam mais efetivos, garantindo-se o controle e manutenção destes ambientes.

5

Na Europa, por exemplo, os princípios da constituição e desenvolvimento de comunidades (Community Development) foram difundidos na década de 1940 e, nos anos seguintes, reverberaram em território norte-americano e outros países. Nestes processos, foi preconizado o estímulo ao envolvimento e participação da população, nas discussões coletivas, tomadas de decisões e, principalmente, na gestão das comunidades. Woolley (1986 apud BATTAUS 2005) salienta que, em alguns casos observados, os usuários de unidades habitacionais produzidas em processos participativos, mostraram-se muito mais satisfeitos com o produto por terem participado do [controle]{.ul}, do que pelo projeto em si.

Considera-se, ainda, que Christopher Alexander debruçou sobre os princípios da [Participação]{.ul} e do [Projeto Coletivo da Área Coletiva]{.ul} em um contexto favorável, no qual floresceram grupos e ações comunitários de diferente natureza, nos Estados Unidos, a partir da década de 1970. Vários organismos existiam no país e eram providos de assistência técnica de Universidades para inúmeros bairros, cooperativas de alimentação, clínicas de saúde e projetos de reformas de edificações, onde participavam estudantes e voluntários, financiados por programas governamentais. (BATTAUS, 2005)

Na interpretação de Del Rio (1990), diversos fatos ocorridos em todo o mundo em meados de 1970 foram importantes para a consolidação do Desenho Urbano como uma forma de atuação profissional para o arquiteto e urbanista. Dentre estes, está a instituição da prática de participação popular na gestão das cidades e na produção de habitações com a contribuição dos usuários nos processos de projeto.

Nesta mesma conjuntura, Alexander e equipe implantaram em Mexicali o [Layout das]{.ul} [Casas Individuais]{.ul}, entendendo-se que as residências seriam as células individuais dos usuários do Conjunto. Assim, o arquiteto e equipe consideraram essencial que cada família definisse o layout de sua própria casa, fazendo-se uso do instrumento necessário: a Linguagem de Padrões, cuja utilização asseguraria os membros leigos da comunidade de suas escolhas, com competência, no que tange ao conforto ambiental, circulação interna, construtibilidade, entre outros aspectos. Destaque-se, sobretudo, que esta Linguagem possuía flexibilidade compatível com a diversidade de necessidades e interesses dos usuários que ocupariam o Conjunto, a julgar pela composição familiar variada.

A partir da demarcação in loco, pelos próprios moradores, do layout interno de suas casas, a construção seria iniciada sem os parâmetros tradicionais estandardizados, através de um conjunto de “operações” a serem executadas de acordo com regras básicas. Tratava-se do princípio da [Construção Passo a Passo]{.ul}, em um sistema construtivo com componentes físicos, como outro edifício qualquer, porém, com dimensões e formas variadas, de acordo com as definições dos próprios moradores, em sua maioria, montados também in loco.

Tendo em vista que o processo de construção das casas em Mexicali se daria de modo paulatino, o [Controle de Custos]{.ul} sugerido por Alexander e sua equipe possuiu ritmo paralelo às etapas de execução, no tocante aos materiais e à mão de obra empregados. Deste modo, pôde-se garantir o custo reduzido do metro quadrado das construções, com controle pelos próprios moradores.

Durante o processo de construção das casas, Alexander propôs que houvesse o fortalecimento das relações humanas, entre as famílias envolvidas: princípio do [Ritmo]{.ul} [Humano do Processo]{.ul}. Embora se tratasse de um conjunto de “operações” realizadas em regime de mutirão, sob temperaturas altas em que Mexicali se encontrava na ocasião, havia harmonia, espírito de cooperação e alegria, segundo a descrição feita pelo arquiteto no livro “The Production of Houses”. Para Alexander, este “clima

6

humano” no processo de Mexicali, por um lado, auxiliava a superação de dificuldades durante a execução das tarefas e, por outro, refletia a concretização do desejo da casa própria.

Alexander (1984) comenta a experiência de estudantes que revisitaram o Conjunto em Mexicali, para contatar as famílias que lá residiam e saber como viam o empreendimento sete anos depois de pronto. O intuito era avaliar aspectos positivos e negativos resultantes daquela experiência de Alexander e equipe.

Investigou-se, na pesquisa, o modo de vida das famílias, se algo mudou anos depois, suas impressões quanto ao poder de decisão, de propriedade, entre outras questões e checou-se que o processo de projetar suas casas, tornando seus desejos [realidade]{.ul}, fez com que mudanças substanciais ocorressem em suas vidas: “essas pessoas se sentem completamente livres para fazer o que quiserem, elas fazem o que é necessário e confortável para elas, e o fazem facilmente e prontamente”, afinal ocupam uma porção do espaço configurada conforme suas vidas, necessidades, aspirações, talentos e desejos, ou seja, o seu “próprio mundo”. (ALEXANDER, 1984, p.77)

O tempo percorrido de uso do conjunto envolveu as famílias, segundo as observações da avaliação e notou-se o fato daquelas famílias terem dado continuidade real ao processo de projeto e construção. A forma original das casas foi bastante alterada, em grande parte delas o que, para Alexander, representa o “triunfo” do projeto e prova de seu sucesso. É possível concluir, portanto, que os desdobramentos do [ritmo humano]{.ul} [do processo]{.ul} ocorreram em conformidade com os pressupostos do projeto em Mexicali.

A “Linguagem de Padrões”

Discutiu-se, anteriormente, sobre a fundamentação do discurso de Christopher Alexander quanto à participação, através da elaboração de instrumentos que facilitassem a interlocução entre técnicos e leigos. Esta assertividade de Alexander e do CES é observada na concepção da [Linguagem de Padrões]{.ul}, método constituído de 253 elementos que, segundo os autores, possibilitam a elaboração de projetos com a participação de usuários das edificações ou intervenções urbanas.

O livro “A Pattern Language” (1977), de autoria de Christopher Alexander e parceiros do CES, apresenta a concepção da Linguagem de Padrões, define cada um dos 253 parâmetros e sua aplicabilidade prática em projetos urbanísticos e de edificações. Além das publicações desta obra em espanhol (1980), alemão (1982) e japonês (1984), salienta-se que este foi o primeiro livro do arquiteto traduzido para o português, no ano de 2013.

Dentre estes elementos, nomeados “padrões”, existem parâmetros referenciais de projeto desde a escala da cidade – considerando-se sua inserção regional – até as áreas de uso comum em comunidades e componentes de edificações. Nota-se que os padrões introdutórios, relativos às cidades e regiões, por exemplo, têm uma abordagem em grande escala do meio ambiente, uma vez que tratam do crescimento urbano e rural, das relações territoriais e comportamentais entre bairros e elementos de uso público necessários ao cotidiano humano. Quanto a estes padrões, os autores deixam claro que não podem ser criados na forma de legislação “por uma autoridade centralizada”, mas, sim, devem emergir gradativamente, em um processo de planejamento compatível com o autodesenvolvimento de uma comunidade.

É possível, deste modo, identificar similaridades entre os intentos da Linguagem de Padrões e outras teorias de Alexander e os princípios do Community Development citado há pouco, o que reforça a ideia de que estas formulações e experiências encontraram terreno fértil, no contexto norte-americano da década de 1970.

Contudo, observa-se um curioso “contraste” entre as teorias fundamentadas por

7

Alexander e métodos como a Linguagem de Padrões. Afinal, conforme o comentado sobre o texto “A City is not a Tree” (1965), Alexander critica a visão dos arquitetos modernistas sobre as cidades, que eram concebidas a partir de sua funcionalidade e sustenta a mesma postura no Plano para o campus da Universidade de Oregon, ao preconizar os princípios da “ordem orgânica” e do “crescimento a pequenas doses”, explicitados anteriormente. Por outro lado, o arquiteto sugere uma perspectiva universalista que busca a unificação de conceitos em padrões de projeto, em contraposição às ideias de individualidade na configuração de comunidades.

Considerações gerais e atualidade temática

As experiências participativas de Christopher Alexander, aqui analisadas, denotam as intenções do arquiteto e parceiros do CES de instituir métodos que direcionassem os processos participativos de projeto e construção, a partir de [princípios]{.ul} e [padrões]{.ul} em diferentes contextos. No entanto, deve-se questionar: em que medida há flexibilidade e aplicabilidade efetiva destes elementos estabelecidos em diferentes processos com o envolvimento de usuários? Existem hoje circunstâncias que favoreçam a prática da participação na Arquitetura e Urbanismo?

Tomando-se o caso brasileiro como exemplo, muito se tem debatido acerca de processos participativos neste âmbito. Porém, neste país, a participação, enquanto prática de cidadania, ainda demonstra singela expressão. Pavesi (2012) expôs a experiência brasileira de Christopher Alexander em São Carlos/SP, ocorrida em 1984, quando se intentou a construção de um Conjunto Habitacional destinado a funcionários do campus da Universidade de São Paulo na cidade. Entretanto, diante de circunstâncias diversas, como o regime de governo da época, além da pouca credulidade por parte dos agentes produtores de habitação social nas formulações teóricas de Alexander, o projeto não se concluiu nos moldes propostos pelo arquiteto. Martinelli e Martinelli (1984) comentam esta experiência e salientam que os processos de produção habitacional correntes, naquela época, necessitavam de profunda revisão conceitual, a fim de que passassem de “produção em massa” a experiências que traduzissem a individualidade de cada usuário. Naquele período, os financiamentos habitacionais por parte do governo federal davam-se através do BNH

– Banco Nacional de Habitação, criado em 1964 e, como define Bonduki (1998, p. 319), sua ação foi emblemática em praticamente todas as cidades do país: “independentemente de suas especificidades urbanas, sociais e culturais, caracterizando-se pela gestão centralizada, ausência da participação comunitária, ênfase na produção de casas prontas por empreiteiras, localização periférica e projetos medíocres”.

É provável que os princípios de Christopher Alexander e sua experiência de envergadura poderiam resultar em empreendimentos habitacionais diferenciados, na época, não somente no Brasil, mas em outros países que careciam de novos produtos de moradia às classes de menor renda. Contudo, acredita-se que estes “novos paradigmas” poderiam ter sido melhor difundidos junto aos organismos ligados à Arquitetura e Urbanismo no Brasil, permitindo aos profissionais locais aprofundamentos teóricos e práticos, uma vez que as críticas ao sistema habitacional, na década de 1980, estavam presentes entre instituições da área, nas Universidades e na imprensa. (BONDUKI, 1998)

No tocante aos processos participativos, Battaus (2005) pondera que o bom êxito do Community Development esteve intrinsecamente ligado à participação, através da qual os vínculos entre o usuário e o ambiente se consolidaram e resultaram na gestão contínua da comunidade. Neste sentido, é possível considerar que os processos

8

participativos tendem a contribuir com os instrumentos de planejamento de cidades e edificações, todavia, trata-se de uma prática quase esvaída no Brasil.

É bem verdade que o “ato participativo”, enquanto mecanismo de ação em processos democráticos, tem “pouca idade” no caso brasileiro. O Urbanismo Participativo, neste país, se firmou diante da implantação do “Estatuto da Cidade” (Lei Federal n. 10.257/01) e se constituiu um marco na agenda desse tema. Entretanto, anos se passaram após a difusão da lei em todo o território nacional, com forte presença do Estado no sentido de auxiliar as gestões públicas na utilização dos instrumentos urbanísticos previstos e muito ainda se espera em avanços da participação no Brasil.

Referências bibliográficas

ALEXANDER, C. Notes on the synthesis of form. Cambridge: Harvard University Press, 1964.

. A city is not a tree. Architectural Forum, v. 122, n. 1, abril de 1965, p. 58-62 (Parte I) e n. 2, maio de 1965, p. 58-62 (Parte II).

; CHERMAYEFF, S. Community and Privacy: toward a new architecture of humanism. Harmondsworth: Penguin, 1966.

[et al.] The Oregon Experiment. New York: Oxford University Press, 1975.

[et al.] Urbanismo y participacion : el caso de la Universidad de Oregon. Tradução de Josep Muntañola i Thornberg. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.

; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A pattern language: towns, buildings, construction. New York: Oxford University Press, 1977.

Mexicali Revisited. Ver. Places v. 1, n. 4, p. 76-77, 1984. Disponível em <http://www.designobserver.com>. Acesso em 02 abr. 2013.

; DAVIS, H.; MARTINEZ, J.; CORNER, D. The Production of

Houses. New York: Oxford University Press, 1985.

BATTAUS, D. M. A. Desenvolvimento de Comunidade: processo e participação. 2005. 222f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

BONDUKI, N. G. Origens da Habitação Social no Brasil: Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

DEL RIO, V. Introdução ao Desenho Urbano nos processos de Planejamento. São Paulo: Pini, 1990.

GRABOW, S. Christopher Alexander: the search for a new paradigm in architecture. Stocksfield Boston : Oriel Press, 1983.

MARTINELLI, D. A. O.; MARTINELLI, J. P. Experimento Habitacional em São Carlos baseado em Christopher Alexander. Anais do I SEDUR – Seminário sobre Desenho Urbano no Brasil. Brasília, 1984.

MENDONÇA, D. X. Rossi e Eisenman... Freud explica! Arquitextos Vitruvius. n. 005.11, out. 2000. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 20 fev. 2013.

NORBERG-SCHULZ, C. Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York: Rizzoli, 1980.

PAVESI, L. Christopher Alexander e a experiência brasileira. *XII SHCU

  • Seminário de História da Cidade e do Urbanismo*. Porto Alegre, out. 2012.

RUDI. A City is not a Tree – publishing history. Disponível em

<http://www.rudi.net>. Acesso em: 02 jun. 2013.

VARGAS, H. C.; CASTILHO, A. L. H. Intervenções em centros urbanos: Objetivos, Estratégias e Resultados. São Paulo: Manole, 2006.

WOOLLEY, T. Community Architecture. Institute of Community Studies Housing Co-Ops Research Seminar, 22 de nov. 1986.