Resumo

As transformações das últimas décadas demonstram que a revolução informacional interferiu na organização das cidades, devido ao impacto dos sistemas de fluxos e redes, quanto à infraestrutura bem como as ideias de caos e fragmentação. O adensamento das cidades e seu crescimento exponencial, verificado a partir dos anos 1970, corroboraram para o aparecimento de uma série de discursos. Estes, por sua vez, concorrem para a redefinição epistemológica de cidade, tendo em vista os fenômenos que incidem sobre sua tessitura. Não apenas em relação às mudanças de infraestrutura, escala e crescimento demográfico e populacional tornaram-se temas recorrentes para os estudos urbanos, pois somam-se também a consciência da cidade em partes, ou seja, a inserção de diversas dinâmicas em um único território. Ações preservacionistas também ocorrem como estratégia para a reinserção de centros históricos e de áreas obsoletas, como antigas zonas fabris e portuárias no circuito mundial. Nesse contexto, houve, sem dúvida, uma transformação na fisionomia urbana em que se verificam imagens fragmentadas, conformando-se palimpsestos e dilatação do território ocupado. São paisagens pulsadas pelas socio-technological changes somadas às ações da indústria cultural, especialmente vinculadas ao turismo. Fatos que demandam novos desdobramentos de ocupação territorial, na qual a arquitetura tem construído imagens distintas de épocas precedentes, entremeando fluxos informacionais e atividades altamente especializadas. Ocorrem novos conceitos e nomenclaturas para designar esses processos, em que destacam-se: cidades globais, cidades genéricas, junkscpace, terrain vague. Terminologias que visam compreender as feições que a cidade contemporânea vai assumindo, mediante a formação de novos pólos econômicos e a cristalização de áreas históricas, num jogo de redefinição do mapa global de imagens midiáticas. Mediante os processos citados, algumas reflexões acerca dos termos do arquiteto Rem Koolhaas são apresentados, tais como Bigness, generic city e junkspace, vislumbrando-se suas narrativas do espaço urbano.

Palavras-chave: Rem Koolhaas, cidade genérica, junkspace, configuração territorial, redes e fluxos informacionais, discurso profissional

Abstract

Flows systems and network have been interfered the cities’ organization in the last thirty years, affecting its infrastructure, size and people’s concentration. Furthermore, ideas about chaos and fragment are contributing to urban dispersion. Among urban theorists, Rem Koolhaas establishes a set of metaphors when talks about the contemporary city and its architecture. This is analysed by its scale, considering the bigness instead the form-function for to characterizing the generic city. Its architecture is immersed on the congestion culture: he considers the urban dispersion and concentration adding informational technologies as condition metropolitan and sociocultural to produce architecture. Heritage urban interventions also have been contributing to new spatial arrangements on the contemporary city. Historical areas and obsolescence areas as industrial or harbour spaces have been converting a cultural and tourist activities. There are sights which were transforming because socio-technological changes and mass cultural. Place new concepts and terminology to describe these processes, which include: global cities, generic cities, junkscpace, terrain vague. Aim to understand the terminologies that features the contemporary city takes on, through the formation of new economic poles and crystallization of historic areas, a game of redefining the global map of media images. The afore mentioned processes show some reflections on the terms of the architect Rem Koolhaas shown, such as Bigness, generic city and junkspace, glimpsing their narratives of urban space.

Keywords: Rem Koolhaas, generic city, junkspace, territorial configuration, networks and information flows, professional discourse

Introdução

A cidade contemporânea tem sido tema de diversos estudos que se multiplicaram a partir dos anos 1950. Período caracterizado pelo questionamento, por diversas áreas de conhecimento, das premissas modernistas, sintetizadas por Le Corbusier na Carta de Atenas1. Ao mesmo tempo, observam-se diversos acontecimentos, notadamente as mudanças técnico- informacionais que modificaram a configuração do planeta como um todo, traduzida pelo aparecimento de um continuum espacial.

O processo de sedimentação histórica, sobre o qual se erigiram as cidades ocidentais, foi fortemente abalado com o crescimento exponencial da vida urbana decorrente de processos migratórios bem como a fundação de cidades novas e remodelação de partes periféricas de cidades com o protótipo de habitação social. A dilatação do tecido urbano culminou numa outra espécie de aglomeração urbana e imputou aos estudos urbanos uma reflexão: as metrópoles. Esta nova forma de aglomeração urbana demanda estudos e reflexões que possam explicá-la e muitos são os pesquisadores que se dedicam a essa tarefa.

Saskia Sassen (1991), David Harvey (1992), Milton Santos (1996), Rem Koolhaas (1995), Manuel Castells (1999), Francesc Muñoz (2008), entre outros fornecem importantes reflexões acerca dos ambientes construídos, ressaltando aspectos da globalização como fatores incisivos na reconfiguração e transformação das metrópoles. Isso porque, ao sofrerem processos de desindustrialização e desregulamentação financeira há a necessidade de novos padrões econômicos e relações de dependência que também perpassam conexões cibernéticas em escala planetária.

No bojo da pluralidade de discursos reformuladores, ora exaltando a tecnologia, ora enfatizando o caráter cultural e histórico do ambiente construído, o campo disciplinar da arquitetura e urbanismo assistiu à proliferação publicações cujo enunciado reporta-se à cidade, num embate entre posturas nostálgicas, irônicas, proféticas que se aproximam de referências à cidade tradicional ou à cidade do futuro.

Em sua maioria, os discursos estavam orientados por proposições de outros campos de saber, tais como a linguística e o estruturalismo e, ainda que tivessem propósitos distintos, permitiram uma análise da configuração urbana, dos fenômenos e dos processos intrínsecos às dinâmicas das cidades – uma tentativa de apreender o real como elemento de leitura e análise. Desse modo, mais que a forma da cidade, colocava-se em debate seu conteúdo. Interessava aos discursos a dimensão sociocultural, política e econômica: fenômenos indispensáveis para a compreensão da tessitura metropolitana.

O reconhecimento desta conjuntura sociocultural permite estabelecer a dialógica entre os inúmeros discursos, pois por meio da circulação de enunciados críticos ao Movimento Moderno, houve a degeneração da sua primazia e redução de seus questionamentos ao mero funcionalismo. Com isso, o panorama do II Pós Guerra oferece às ciências humanas e sociais aplicadas um arsenal de textos críticos abalando as convicções iluministas de verdade absoluta e determinismo histórico. Estas posturas apresentavam-se mais inclinadas à percepção do real do que uma preocupação em elaborar modelos utópicos; ao contrário, aos discursos dos anos 1960, interessava compreender a cidade enquanto organismo vivo: objeto que se constrói ao longo do tempo, sujeito a modificações ante aos fenômenos sociais, culturais, econômicos, políticos e, mais tarde, ambientais, com a crise tecnológica do final dos anos 1970.

1 Apesar de ter sido elaborada em 1933, a Carta de Atenas fora publicada em 1943 (MUMFORD, 2002)

Ao longo dos anos 1980, houve uma mudança quanto ao enfoque do planejamento urbano. As cidades, mergulhadas em sérios problemas de ordem social e áreas obsoletas precisavam se reinventar ou se renovar para impulsionar o crescimento via dinâmica econômica. Segundo Vázquez (2004), posturas com tendências a um planejamento voltado para a realidade urbana

– conflitante e mutável, com ações e estratégias de menor prazo, abandonando-se, em certa medida as influências marxistas nas teorias urbanas, como fora o caso do grupo Tendenza. Houve, dessa maneira, interesses comuns entre os setores públicos e privados, resultando em intervenções nos centros históricos e áreas periféricas com novas especialidades urbanas: imagens mediáticas.

Pensar, portanto, na cidade contemporânea e sua espacialidade é refletir de que maneira os fenômenos urbanos deflagram outros conceitos e representações. No campo da arquitetura e urbanismo, destaca-se Rem Koolhaas (RK). Para o autor, as mudanças socioeconômicas perpassam a constituição de um mundo artificial, iniciado em Delirious New York (1978) até The Generic City (1995), em que são consideradas as interferências da revolução tecnológica, à mudança de escala e as relações entre arquitetura e cidade.

Crise disciplinar e discursos sobre a cidade (1960-70)

Em arquitetura e urbanismo, o discurso do II pós-guerra prenuncia a instauração da própria crise disciplinar e resulta num conjunto de representações e formulações que constituem formações discursivas na elaboração do panorama teórico dos últimos 40 anos. A insuficiência da visão positivista e a retomada de uma posição mais humanista, influenciada pela fenomenologia, pelo existencialismo e, de certo forma, pelo estruturalismo, levaram à reformulação de conceitos no campo da arquitetura e do urbanismo. Pode-se dizer que instaurou-se uma crise de sentido da disciplina (NESBITT, 1996), em que pese a reformulação de dogmas e fundamentos e a instituição de novos caminhos, como aqueles preconizados pelos arquitetos mais jovens participantes do TEAM X.

O abalo sobre as convicções do projeto iluminista reflete-se, na arquitetura e urbanismo, pelo deslocamento do interesse centrado no objeto isolado para as relações que incidem no ambiente construído, enaltecendo a paisagem urbana: conjunto de edifícios, espaços públicos, unidades de vizinhança, entre outros elementos que alteram a configuração territorial. Consideram-se também a cultura, a sociedade e seus fenômenos como mediadores e/ou articuladores para a transformação e configuração espacial das cidades, sob forte influência de novos métodos de leitura e análise da cidade. A crise das ciências sociais e sociais aplicadas reforça os novos caminhos definidos pelo paradigma estruturalista: compreender a cidade como uma estrutura dotada de elementos que podem ser lidos. Significa que a arquitetura e urbanismo também se definiria por processos linguísticos. Apesar deste ter sido o pontapé inicial para a reformulação teórica dos discursos da disciplina, sua própria crise em meados dos anos 1960, levaria a dispersão de posturas: algumas centradas no resgate da memória coletiva; aquelas interessadas no poder comunicativo da arquitetura e do urbanismo; outras que defenderiam a autonomia e experimentações formais e, por fim, discussões vinculadas à multiplicidade cultural, ao caos e à fragmentação.

O paradigma estruturalista e seu desdobramento pós-estruturalista, desse modo, respaldou posturas e discursos no campo das ciências sociais e sociais aplicadas, manifestados por uma fissura ao discurso institucionalizado. Permitiu uma revisão epistemológica da arquitetura e do urbanismo: de um lado, a colisão entre postulados e práticas acerca de teorias urbanas, em que se destacam: A arquitetura da cidade, de Rossi (1966); Learning from Las Vegas, de Robert Venturi (1972); Collage City, de Colin Rowe (1978). E dominando parte dos debates posteriores, como uma voz dissonante do viés historicista: Rem Koolhaas, com Delirious New York (1978).

Aldo Rossi destaca-se como referência estruturalista ao propor métodos de análise, leitura e interpretação da cidade fundamentados na crítica tipológica. Apresenta a possibilidade do

pensamento analógico da memória, proposto por Carl J. Jung e com fortes influências de Maurice Halbwachs. É possível perceber a influência em Aldo Rossi, ao considerar as estruturas urbanas na longa duração histórica e revelar os arquétipos da cidade, ou melhor, as estruturas elementares mais ou menos vagas do habitat humano, definindo-se o vocabulário das formas da cidade: as formas que permanecem na longa duração histórica.

Já próximo à crise estruturalista, o discurso de Robert Venturi e Denise Scott Brown (1972) corrobora para outra interpretação do tipo, numa espécie de reinvenção: o pato e o galpão decorado que retratam a vida metropolitana, em que ora a forma se sobrepõe ao espaço, estrutura e função; ora a função se expressa como o sistema preponderante sobre os demais. Uma crítica fundamentada nas interpretações da vida cotidiana, distanciando-se do resgate da memória coletiva proposto por Aldo Rossi. Venturi enaltece o interesse pela cultura popular, verificando os complexos sistemas das cidades norte-americana, tais como o sistema viário e os elementos comunicativos presentes nestes strips. Esta visão de Venturi, conforme aponta Peixoto (2003), foi prosseguida por Koolhaas, já aproximando-se da terceira fase estruturalista: o pós-estruturalismo. Isso porque a proposta teórica de Learning from Las Vegas desenvolve-se a partir da experiência do cotidiano, desvelando-se o cenário dos anos 1970 em defesa das minorias silenciosas.

Outros livros também foram importantes, para esta primeira fase de reação crítica aos dogmas modernistas, vislumbrando-se outros caminhos para os discursos cujo tema central era a cidade. Em sua maioria ressaltavam os aspectos linguísticos e uma espécie de gramática arquitetônica, colimando em diversas análises e interpretações do espaço edificado. No entanto, eram textos que ressaltavam as características da cidade tradicional em detrimento da cidade moderna. Um dos livros que antagonizam tais configurações espaciais é Collage City (1978), de Collin Rowe e Fred Koetter, ao propor um método de análise do desenho urbano por meio do formalismo analítico que a figura-fundo possibilitaria. Suas análises revelam a necessidade de uma cidade de colisão, isto é, a mestiçagem em diferentes configurações espaciais por meio de colagem de fragmentos e utopias urbanas e sociais (MONTANER, 2007).

Há um prenúncio de diagramas analíticos das formas urbanas, revelando-se dois tipos de estrutura de cidade: uma baseada no fundo, massa edificada dos elementos urbanos cuja legibilidade é horizontal por meio dos vazios ou reminiscência de uma ocupação densa – a cidade tradicional e, por outro lado, a autonomia da figura, vislumbrando-se a leitura vertical por meio de arranha-céus, em que as funções se separam, com objetos dispersos e isolados – a cidade moderna, de ocupação rarefeita. Um método dialético de análise da cidade, em que entremeia as formas tradicionais e inovadoras do tecido urbano.

Rem Koolhaas: escritos sobre a cidade

O panorama dos anos 1950-70 trouxe à tona uma reflexão crítica e novas posturas teóricas, desdobrando-se em outros discursos nas décadas seguintes (1980-2000). Neste contexto, destaca-se a figura de Rem Koolhaas (RK) e suas publicações. Recém-formado nos anos 1970, RK demonstrava interesse em explorar, por meio de textos e publicações, suas impressões acerca da cidade, tendo como referência Ludwig Heiberseimer 2 . Ao explorar temas arquitetônicos articulados com os fenômenos metropolitanos, RK potencializa um corte nas formações discursivas recorrentes no campo disciplinar, que tinha como principal enunciado o resgate da história – a visão retrospectiva que caracterizam os primeiros textos críticos às utopias proscritivas.

Ademais o período de graduação (1968-1972), em arquitetura e urbanismo na Architectural Association de Londres (AA) coincide com as revoltas estudantis contra o sistema. O

2 Em entrevista a Colomina (2007) ao comentar sobre suas principais publicações, RK destaca a origem do termo generic a partir de Großstadtarchitektur, de Ludwig Hilberseimer (1927) em que aborda a cidade dos arranha-céus ao contrário do emprego de metrópoles.

ambiente acadêmico da AA favorecia a pesquisa entre estudantes e professores 3 . Os estudantes exploravam as texturas complexas da cidade e, mais tarde, ao se tornarem professores, buscavam estratégias provocativas em relação aos modelos urbanos existentes.

Como aluno de Elia Zenghelis, RK escreveu textos antecessores de Delirious New York, em 1972, já exaltando as características da cidade moderna: Berlin Wall as Architecture (1971), tornando-se importante referência para Exodus, or The Voluntary Prisioners of Architecture (1972), publicado na Revista Casabella. Outro importante ensaio que revelam as primeiras experimentações de RK foi Learning from Manhattan (1972-74). Entre as considerações destes artigos estão nos métodos de representação: a colagem e a utilização de diferentes contextos para expressar os elementos presentes na metrópole. Nos dois primeiros textos, RK ressalta o Muro de Berlim como importante elemento arquitetônico, reforçando as proposições do Superstudio e Archizoom e as investigações formais recorrentes da época (fig. 1 e 2).

Figura 1: Muro de Berlim construído em 1961, demarca a divisão da cidade em duas partes. Um espaço residual e significativo da historia ociedental. Fonte: ROCCA, 2012.

Figura 2: Proposta de Rem Koolhaas para Londres: inserção do Muro de Berlim e elementos da cidade modernista sobre o tecido tradicional. Vista Geral. Fonte: Gargiani 2008.

Em seguida, o terceiro texto evoca as qualidades da metrópole, já desenvolvido no IAUS, tendo em vista escritos anteriores acerca da cidade norte-americana. Um deles de Emilio Ambasz reiterava que a vida norte-americana denotava a uma outra noção de cidade. O interesse pela ilha de Manhattan se esboça na exposição do International Institute of Design de Londres, realizada em 1971 (GARGIANI, 2008). A conferência corroborou para que RK escrevesse What do with Manhattan? (1973), publicado na revista Architectural Design. Estes eventos, somados aos contatos com Colin Rowe e Oswald Mathias Ungers e à publicação de Robert Venturi, que introduzira as observações às cidades norte-americanas, contribuíram para que RK escrevesse seu primeiro e mais celebre livro: Delirious New York: a Retroactive Manifesto for Manhattan, em 1978, onde já prenunciava a transformação das cidades, dotadas pela artificialidade norte-americana e seu poder de destruição criativa. Ressalta-se nessa publicação a cultura da congestão e os aspectos da metrópole, como o arranha céu, uma leitura vertical e não horizontal do tecido urbano.

Ao abordar a intercambialidade e articulação entre diversos fenômenos do qual a arquitetura e o urbanismo são parte integrantes, RK se aproxima do pensamento pós-estruturalista de maneira tal a observar como tais objetos, frutos de uma racionalidade e aparatos tecnológicos, conjugam e possibilitam a organização do território, à medida que a cidade se torna cada vez mais complexa e imensurável ao propagar-se num continuum espacial. De certo modo, há uma busca por desvelar as estruturas complexas – no caso, a cidade e as diversas escalas que corroboram para sua estruturação material e imaterial: uma rede de fenômenos na qual se insere a vida cotidiana por meio de novos termos ainda não cristalizados pelos discursos disciplinares.

3 Sobre Architectural Association (AA) disponivel em: [http://www.aaschool.ac.uk/AALIFE/LIBRARY/aahistory.php]{.ul}, acesso em 21/02/2014.

A revolução informacional e os arranjos econômicos do capitalismo tardio vislumbram novos conceitos e abordagens referentes à ocupação urbana e territorial, especialmente voltadas para as cidades que concentram os fenômenos acima citados. Sob esse aspecto, são denominadas por metrópoles, megalópoles, cidades mundiais ou cidades globais e, ainda, cidade genérica. O termo cidade genérica (generic city) foi definido por RK, ao elaborar uma espécie de catálogo da produção do seu escritório Office Metropolitan Architecture (OMA), selecionando os projetos a partir da escala de inserção no território, sendo seu segundo livro de grande impacto: S, M, L, XL (1995). Assim como no livro anterior, considera as interferências da revolução tecnológica juntamente com a explosão das cidades, seja pelo seu tamanho ou pela capacidade de concentrar pessoas, dotando a arquitetura de dimensões e elementos midiáticos na transformação do território. Muito mais do que pensar na dispersão e a concentração espacial, Koolhaas apresenta sua leitura crítica de como a arquitetura se insere no contexto atual, apontando novos conceitos e terminologias para se pensar a cidade, como

junkspace4, este definido como a arquitetura da cidade genérica. Termo que ressalta a cultura consumista da sociedade técnico-informacional e os artifícios de organização espacial pela lógica do shopping center, reforçando o caráter genérico de alguns elementos metropolitanos, como o aeroporto e a aniquilação dos centros históricos mediante a expansão e adensamento da cidade. Uma rede de ideias que vão entrelaçando os textos publicados entre 1972 e 2007.

A cidade genérica: imagens embassadas ou não-figurativas

A cidade contemporânea alastra-se sobre as áreas rurais e/ou naturais, dispersando-se e conglomerando distintas organizações espaciais, principalmente, pela apropriação das áreas periféricas, dissolvendo as bordas existentes cuja escala se propaga para além da territorial.

E, nesse contexto, muito mais que a escala, a arquitetura de grandes dimensões, configurando- se, por vezes, como uma cidade dentro da cidade, revelando-se o termo bigness, que para RK (1995) se refere ao tamanho dos edifícios e sua ocupação intensa nas cidades, fenômeno que ocorre em todo o globo, levando ao que ele define como cultura da congestão. Ao relatar o aspecto das dimensões arquitetônicas (Bigness or the problem of Large, 1995), refere-se à complexidade presente na arquitetura, uma vez que inúmeras descobertas propiciaram a introdução de novas arquiteturas, especialmente quanto às infraestruturas. Isso levou a uma arquitetura cada vez mais imponente e verticalizada, culminando numa disputa pelo arranha- céu mais alto do mundo entre as cidades historicamente consolidadas e as cidades emergentes no oriente (fig. 3 e 4).

4 Texto publicado em 2001, em suas pesquisas na Universidade de Harvard Project on the City, volume 1.

Figura 3: Linha do Tempo de Arranha-Céus no mundo de 1945-1977. Fonte: Architecture Week, 2012.

Figura 4: Linha do Tempo de Arranha-Céus no mundo de 1980-2011. Fonte: Architecture Week, 2012.

A artificialidade e a verticalização das cidades já haviam sido abordadas por Koolhaas em Delirious New York (1978) quando ele demonstra o fascínio pelos arranha-céus – estes como símbolo midiático da ideia de progresso e modernidade para a configuração do continnum espacial de atividades altamente especializadas recorrente nos últimos 30 anos. A partir dessa proposição sobre as mudanças substanciais das cidades, seu olhar se desloca do centro para as periferias, onde a constituição da metrópole ocorre de forma muito mais aleatória e livre da rigidez do planejamento urbano. Delirious New York (1978) pode ser considerado o pontapé inicial de suas especulações conceituais acerca das transformações da cidade, buscando elucidar o cotidiano: de caos e desordem que vivem em constante mudanças, fruto da própria dinâmica socioeconômica do espaço urbano.

No livro S, M, L, XL (1995), Koolhaas apresenta suas propostas arquitetônicas distribuídas e inseridas no mundo globalizado e informacional. Os projetos são apresentados conforme a sua escala com fragmentos de textos que abordam as diferentes soluções de projeto, para diferentes escalas, em diferentes partes do mundo. É a produção do OMA que se coloca como uma constante atividade de criação e destruição, assim como já fora abordado no Manifesto sobre Nova Iorque: a cidade em constante transformação. Para ele, a arquitetura é uma pequena parte de uma paisagem dinâmica na qual está inserida. Na introdução ou Foreplays, Rem Koolhaas revisa seus textos de 1972 e 1978, em que denomina Babel. Em seguida, as obras do OMA são organizadas conforme as quatro escalas: pequena, média, grande e extra grande, em que se destacam alguns textos.

Um deles é Bigness, or the problem of Large (1995), no qual são apresentados os desafios das dimensões arquitetônicas, destacando-se o tamanho do próprio edifício, seja vertical ou horizontalmente falando, tornando-se, em alguns casos, uma minicidade. São edifícios que se corporificam a partir de um programa ideológico, independente da vontade do arquiteto. É essa dimensão que, para RK, há a necessidade de um manifesto, justificando o próprio texto.

Este texto é uma prévia do subsequente The generic city (1995), que retrata a escala extra grande, culminando numa cidade sem identidade e de ocupação numa escala territorial.

Rem Koolhaas define a arquitetura da cidade genérica como junkspace. Uma arquitetura que ‘engole’ a própria cidade, sua artificialidade ao extremo. Essas questões são lançadas pelas pesquisas realizadas na Havard Design School Project on the City 5 (2001), em que os conceitos da cultura da congestão e da cidade genérica são, de certa forma, discutidos a partir de dados rreias, especialmente das cidades asiáticas e das dinâmicas econômicas dos países em desenvolvimento.

A partir do termo Bigness 6 , a cidade torna-se cidade fragmentada, desordenada cuja concentração e integração é vista como uma tentativa de organização sistemática. No entanto, essa articulação, descortina a ideia da ” [...] velha doutrina da forma-segue-a-função [...] para o anticlímax do diagrama, duplamente frustrante, uma vez que sua estética sugere uma rica orquestração do caos. Nessa paisagem de desmembramento e falsa desordem, cada

atividade é posta no seu lugar.7” (KOOLHAAS, 1995, p. 506). Ocorre uma hibridização programática, em que as partes são articuladas de forma independente, como consequência de uma constatação e revisão teórica dos alicerces da arquitetura moderna, prestes a se esvair em prol das experimentações que a realidade virtual simulada introduziu em meados dos anos 1980: os processos diagramáticos – conversão de dados do real em estratégias de projetação. Ao mesmo tempo, RK enfatiza a obsessão dos arquitetos pela mega-escala, mas que no entanto, não consideraram os eventos sociais e econômicos que poderiam permitir uma reflexão teórica desses elementos como problema inexorável da arquitetura contemporânea. Isso porque a arquitetura deixa de desempenhar seu papel, tornando-se um mero objeto em meio às transformações sócio-tecnológicas das últimas décadas. Para RK, ocorre o anonimato da profissão, a perda da sua dimensão heroica. O arquiteto passa a depender de outras forças para a convalidação de sua arquitetura: a conectividade com outros campos de conhecimento

e a rendição às tecnologias, que para ele é uma postura de neutralidade e a inserção do star system, reduzindo-se a arquitetura às imagens midiáticas de alcance global.

Esse panorama gera um novo tipo de cidade, cabendo a rua o papel de resíduo, um dispositivo organizativo, imerso no plano metropolitano. Local em que coexistem passado e presente e onde Bigness está presente em todas as partes. Essa disseminação e seu caráter de complexidade fazem com que Bigness se sobreponha à cidade, garantindo “[...] a generosidade do urbanismo contra a mediocridade da arquitetura”. Isso porque deixa de estabelecer uma relação com o contexto, permite explorar a dimensão global da tábula rasa e se coloca como o “último bastião da arquitetura”. E, assim, se constitui o que RK denomina como generic city (1995).

Cidade genérica destituída de identidade e memória, calcada na congestão e densidade são algumas das características apresentadas por RK ao narrar a cultura metropolitana. Cidades que se aproximam pela semelhança entre si, onde o passado é demasiado pequeno frente ao crescimento humano exponencial; onde a arquitetura como depósito da história perde sua referência; onde a massa de turista se multiplica cada vez mais; onde a identidade não existe mais. A cidade como um jogo de arquiteturas espetaculares, de autoria dos arquitetos pertencentes ao star system, num processo midiático e inseridas no continuum espacial contemporâneo.

O mundo globalizado está repleto de tantas outras cidades como Atlanta, cidades genéricas, semelhantes aos aeroportos, umas iguais às outras. Sem identidade, sem história, sem

5 Essas pesquisas estão apresentadas nas seguintes publicações: Project on the city: great leap forward (2001a); Project on the city 2: the Harvard design school Guide to Shopping. (2001) e Mutations (2001c).

6 Este termo, entre tantos outros, verificados nos textos de Rem Koolhaas estão na língua original visto que a tradução pode modificar suas possíveis conotações enquanto metáforas vivas, aplicadas a explicar fenômenos não cristalizados.

7 Tradução nossa.

memória. Impera a artificialidade. Como o fim de um começo, o último texto de S, M, L XL, intitulado por The Generic City (1995), é antecedido por uma série de imagens embaçadas, em que se destacam elementos de infraestrutura (semáforos, fios e arborização) em primeiro plano, com silhuetas disformes de arranha-céus (figura 5). Imagens capturadas de uma paisagem difusa, sob a ótica de alguém que não mais a percorre como o flaneur, mas a observa de um ponto fixo: de dentro de um edifício, de dentro de um carro ou de dentro do monitor.

Do mesmo modo, partilhar o passado nessa magnitude estratosférica é uma proposta perdedora, como o caso de Paris que, em última instância, tem sua área central histórica convertida em uma caricatura polida, uma Hyper-Paris (figura 6), quando comparada às dimensões de sua área periférica e os novos equipamentos aí instalados.

Figura 5: The Generic City. Fonte:

Koolhaas (1995). Figura 6: Relação entre a área histórica em Paris [em preto] e as áreas

periféricas, que são muito maiores. Fonte: Koolhaas (1995)

A cidade contemporânea, portanto, ao imprimir no território as dinâmicas da sociedade informacional, promove uma mudança substancial em sua dimensão e, ao mesmo tempo, na constituição de uma configuração sem identidade própria. Os fenômenos de dispersão e concentração evidenciam a mudança de escala em que passa-se a considerar a dimensão territorial e não apenas a urbana. As imagens deixam de ser precisas e passam a incorporar a dinâmica e a fugacidade própria desta nova forma de se apropriar do território.

Considerações Finais

The Generic City deixa bem claro que as mudanças das últimas décadas consubstanciam a configuração da paisagem territorial, em que se releva o consumismo como aporte principal na constituição do espaço urbano da cidade contemporânea. E é o junkspace que retrata homogeneidade de um espaço do acontecimento: flexibilidade extrema da parte interna, com ar condicionado e elevador e a fachada lisa, do exterior. É o coágulo do processo de modernização em curso constante. Isto é, o resíduo desta mesma modernidade cambiante.

A infraestrutura ininterrupta contribui para a expansão do junkspace, capaz de se adequar e adaptar-se a inúmeros programas arquitetônicos. Um edifício que se aproxima da cidade, reproduzindo suas elementos, dotados de artificialidade. Edifícios híbridos, com sobreposição e justaposição de atividades, em que a forma e a função se dissociam e se impõem verticalmente. É impossível revelar-se apenas pela fachada. Um espaço condicional que se torna junkspace – um híbrido contemporâneo. Não obstante, deve-se pensar o espaço e não a arquitetura, sua representação. Qualquer coisa, qualquer atividade pode ser adicionada e incorporada a seu contexto. Uma compilação de iconografias de “ordem fingida e simulada,

um reino de transformação morfológica”. E, portanto, sem identidade, sem memória, sem referências, tal qual a cidade genérica, uma hiper-realidade.

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