Resumo

A cidade de Maringá-PR, implantada ex-novo em 1947 a partir de um empreendimento privado, apresenta em seu plano inicial referências teórico- urbanísticas que lhe concederam uma destacada qualidade ambiental, amoldando-se ao sítio e preservando importantes estruturas naturais. Tem-se, por hipótese, que este fato influenciou as regulamentações urbanísticas posteriores, sendo o Plano de Diretrizes Viárias de 1979 a expressão máxima da preocupação ambiental em termos legais, garantindo a não ocupação e preservação de fundos de vale. Assim, este trabalho tem por objetivo analisar as condicionantes e soluções propostas no Plano de Diretrizes Viárias de 1979, com foco na avançada solução ambiental proposta. Metodologicamente, a pesquisa se vale da análise documental e iconográfica em fontes primárias de acervos da Prefeitura Municipal de Maringá e do Museu da Bacia do Paraná, além do levantamento da literatura pertinente. Como resultado verificou-se que o Plano de Diretrizes Viárias de 1979 resolveu com êxito as questões a que se propôs, solucionando a desarticulação viária entre a área planejada e os loteamentos surgidos a posteriori, disciplinando a ocupação com o meio natural, tendo na implantação de parques lineares e vias paisagísticas nas áreas de fundos de vale seu maior destaque do ponto de vista ambiental, solução esta que perdura até o presente.

Palavras-chave: fundos de vale, legislação urbana, preservação ambiental

Abstract

The city of Maringá-PR, implanted ex-novo in 1947 from a private enterprise, presents theoretical and urbanistic references in its initial plane that granted a highlighted environmental quality, shaping it to the site and preserving important natural structures. This research hypothesis is that this fact influenced the subsequent urban regulations, and the 1979 Guidelines for Road Network Plan is the ultimate expression of environmental concern in legal terms, ensuring non occupancy and preservation of the valley floors. Therefore, this study aims to analyze the constraints and proposed solutions in the 1979 Guidelines for Road Network Plan, focusing on the advanced environmental solution proposed. Methodologically, the research is worth of documentary and iconographic analysis of primary sources collections of the Maringa City Hall and the Paraná Basin Museum, beyond relevant literature research. As result, it was found that the 1979 Guidelines for Road Network Plan successfully resolved the matters proposed, solving the road disconnection between the planned area and the allotments arising after, disciplining the occupation with the natural environment, and the deployment of linear parks and scenic (landscape) roads in the areas of valleys floor its biggest highlight of the environmental point of view, a solution that continues to the present.

Keywords: valleys floor, urban legislation, environmental preservation

Introdução

Implantada ex-novo a partir de um plano moderno encomendado por uma empresa privada - Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) -, a cidade de Maringá (1947), projetada pelo engenheiro paulistano Jorge de Macedo Vieira que empregou modernas técnicas na concepção do plano inicial - apresentando influências teóricas e urbanísticas europeias e norte americanas - já nasce com uma qualidade ambiental destacada.

Embora as questões ambientais e a pressão pela preservação dos recursos naturais ainda não estivesse na pauta das principais discussões urbanísticas, a experiência profissional de Macedo Vieira na Cia. City em São Paulo – quando esta implantava bairros jardins na cidade, coincidindo com a estada de Barry Parker no Brasil no momento em que prestava serviços à companhia (1917-1919) – e as obras literárias com quem teve contato, levantadas em seu acervo por Cordovil (1910) como: o livro de Nelson Lewis, The Planning of the modern city, publicado em Nova Iorque em 1916; o livro L’art de bâtier les villes, de Camilo Sitte, traduzido por Camille Martin em 1918; O livro de Henrique Dumont Vilares, Urbanismo e indústria em São Paulo; além de diversos boletins técnicos do Instituto de Engenharia e revista especializadas, que abordaram artigos de Saturnino de Brito; matéria sobre a nova capital de Goiás, Goiânia; o urbanismo na Inglaterra de Patrick Albercombrie, entre outras publicações; demonstram uma formação pluralista onde técnica e estética urbana caminhavam juntas, fato que explica a preocupação com a topografia, com a drenagem, com a hierarquia e com as funções urbanas em suas obras.

Em linhas gerais, o plano urbanístico de Maringá (Fig. 1) possui, como diretrizes de implantação principais: o eixo da ferrovia implantado no sentido leste-oeste no divisor de águas das bacias do Rio Ivaí ao sul e do Rio Pirapó ao norte; e o eixo central que o corta transversalmente em direção ao sul, também implantado no divisor de água de duas micro bacias, a do Córrego Cleópatra e a do Córrego Moscados. Para preservar a nascente destes dois córregos abraçados pela malha urbana proposta, Vieira implantou dois grandes parques urbanos, decisão esta bastante acertada do ponto de vista ambiental pois, ao mesmo tempo que estruturam a forma urbana conformando limites visuais para diferentes bairros, assume importante papel na drenagem. Destaca-se ainda o traçado urbano que respeita a conformação natural do sitio, variando da malha xadrez nas áreas planas ao orgânico nos relevos mais acidentados; a divisão das funções urbanas pela adoção do zonning e locação de centros secundários intra- bairros; e o expressivo plano de arborização realizado a posteriori de autoria do Engenheiro Agrônomo Luís Teixeira Mendes.

Figura 1. Anteprojeto da cidade de Maringá. Fonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná – modificado pelos autores

A hipótese aqui levantada é a de que a qualidade ambiental do plano inicial influenciou as principais regulações urbanísticas posteriores, principalmente nos aspectos que tangem a preservação de fundos de vale na malha urbana, uma vez que, comparado com a legislação no âmbito federal, Maringá sempre se mostrou mais rigorosa, com padrões mais rígidos, buscando a preservação destas áreas. Esta provável influência, teve expressão máxima no Plano de Diretrizes Viárias em 1979 que, além da solução viária proposta, necessária para conexão entre a área planejada e os novos loteamentos que surgiam desconectados, introduziu no município uma avançada visão no tratamento das áreas de vale que perdura até os dias atuais.

Observou-se nas principais regulamentais urbanísticas municipais anteriores ao plano de 1979 – Código de Posturas e Obras de 1959 (Lei n° 34/59) e o Plano Diretor de Desenvolvimento de Maringá de 1968 (Lei n° 621/68) – importantes diretrizes de preservação ambiental. A lei de 1959, em diversos artigos (n°: 488,489,490,876,877), restringe intervenções estruturais em cursos d’água (construção de açudes, barragens, tapumes, etc.); destina ao departamento competente da prefeitura estabelecer uma distância mínima da construção em relação aos cursos d’água; proíbe o corte ou derrubada da vegetação ripária; e demarca os parques concebidos por Macedo Vieira como Zonas Verde, proibindo a edificação nestes espaços, reconhecendo sua importância paisagística. Já no plano de 1968, destaca-se o artigo 14° da Lei de Loteamentos (Lei n° 625/68) que o compunha e disserta sobre a faixa mínima não edificável em fundos de vale ou talvegues sendo que, a dimensão desta era proporcional à área em hectares da bacia hidrográfica contribuinte, expressa em hectares, determinando para bacias de até 50 ha, faixa não edificável de 4m em cada margem do curso d’água; de 50 a 100 ha, a faixa sobe para 6m; chegando a 70m de área não edificável para bacias acima de 25.000 ha.

Importante ressaltar que, no caso do Código de Posturas e Obras de 1959, ainda não havia uma regulamentação federal para a ocupação destas áreas – O Código Florestal de 1934 não estabelecia as margens de cursos d’água como área de preservação permanente, o que ocorrerá apenas com Código Florestal de 1965 -, ficando então a cargo dos municípios estabelecerem estes parâmetros. No caso do Plano Diretor de Desenvolvimento de Maringá de 1968, destaca-se uma divergência metodológica observada entre a legislação municipal e o Código Florestal (Lei Federal n° 4.771) aprovado três anos antes, em 1965, que determinava faixas mínimas de preservação em cada margem, em função da largura do corpo d’água, estipulando, por exemplo, uma faixa mínima de 5 metros de preservação para cursos d’água com até 10m de largura. Dessa forma, de acordo com o Plano Diretor, as bacias com até 50 ha que estabeleciam 4 metros de preservação estariam em desacordo com a legislação federal, e mesmo para as demais bacias, por não guardarem relação com a largura do curso d’água e sim com a área da bacia, esta inconformidade também poderia ocorrer. Contudo, o fato de inserir na Lei de Loteamentos um valor numérico de área non aedificandi é uma notória evolução.

Assim, este trabalho tem por objetivo analisar as condicionantes e soluções propostas no Plano de Diretrizes Viárias de 1979, com foco na avançada solução ambiental proposta, plano este que constitui o segundo grande momento de intervenção urbana no município – sendo o primeiro o plano moderno de Macedo Vieira. Metodologicamente, a pesquisa se vale da análise documental e iconográfica em fontes primárias em acervos da Prefeitura Municipal de Maringá e do Museu da Bacia do Paraná, além do levantamento da literatura pertinente.

O Plano de Diretrizes Viárias de 1979

A implantação urbana pensada por Vieira – para abrigar aproximadamente 200.000 habitantes - teve como base um zoneamento por funções urbanas, separado nas seguintes zonas: zona comercial; zona industrial; zona de armazéns; e zonas residenciais principal, popular e operária. De acordo com Rodrigues (2004), tal fato levou desde o início a uma ocupação urbana segregada em classes. Comprova a tese de Rodrigues, o valor dos lotes comercializados nas zonas residenciais no período, por exemplo: na zona residencial popular os lotes foram comercializados no valor entre Cr$3.000,00 e Cr$10.000,00; já nas zonas residenciais principais este valor sobe, entre Cr$10.000,00 e Cr$40.000,00 (LUZ, 1997).

Além dos altos valores do solo, a CMNP apresentava uma série de regras visando a rápida ocupação do plano urbano. Tais fatos levaram outras empreendedoras a lotear glebas rurais nos arredores de Maringá, oferecendo assim terras a preços mais baixos, o que levou ao surgimento de uma série de pequenos loteamentos, desconexos da malha urbana, sem a qualidade do plano original. Meneguetti (2009) afirma que em 1950, com o plano da cidade ainda não totalmente implantado, já existiam mais de 12 loteamentos periféricos e uma população urbana de 7.270 hab. e 31.318 hab. na zona rural. Ao final da década de 50 já eram 47.592 hab. urbanos e 56.539 rurais. Em fins dos anos 60 a população urbana já ultrapassava os 100.000, enquanto a rural caia para cerca de 21.000. Ao final da década de 70 a população urbana passava dos 160.000. Este expressivo crescimento, ocorrido principalmente na região norte da cidade, não foi combatido pelas legislações municipais, levando a uma malha fragmentada e descontínua em diversos pontos (Fig. 2).

Figura 2. Expansão urbana nas décadas de 50, 60 e 70. Fonte: Meneguetti, 2009 – modificado pelos autores

O crescimento ocorrido na década de 70 foi o mais intenso. Fatores como a modernização da agricultura na região e, em Maringá, a instalação da Universidade Estadual de Maringá em 1969, contribuíram para este fenômeno. A falta de diretrizes viárias definidas para os loteamentos surgidos pós-área planejada, levou ao surgimento de uma série de problemas de conexão viária. Houve tentativas pontuais de combater este problema, como no caso da avenida Mandacaru cujas leis n°698/69 e Lei n°861/71 autorizaram a desapropriação de uma faixa de terras, incluindo edificações existentes no caminho, com o intuito de dar continuidade e alargar a via (CORDOVIL, 2010). Outras leis de desapropriação foram aprovadas neste período visando a conexão entre o plano inicial e os novos loteamentos, ações que, entretanto, apenas remediavam os problemas de desarticulação viária que persistiam. Este modo de crescimento também impactou negativamente as áreas de fundos de vale, pois, ao ser implantada no divisor de águas de duas bacias, as áreas das nascentes ficaram expostas ao avanço da urbanização e, embora as leis anteriores demonstrassem preocupação com a preservação destas áreas, havia dificuldades em legitimá-las nos loteamentos que surgiam nas áreas rurais (Fig. 3).

Figura 3. Expansão urbana nas décadas de 50, 60 e 70. Fonte: Base de Cordovil, 2010 – modificado pelos autores

Tais fatores levaram o então prefeito João Paulino Vieira Filho a designar como assessor de arquitetura e urbanismo o arquiteto Nildo Ribeiro da Rocha Neto, para comandar o Plano de Diretrizes Viárias, finalizado em 1979. Este é considerado o mais importante plano de expansão de Maringá, sendo realizado em cima das cartas planialtimétricas, com curvas de metro em metro e escala 1:2000, realizado em 1977. De acordo com Cordovil (2010), antes mesmo deste levantamento aerofotogramétrico, o arquiteto já trabalhava nas novas diretrizes viárias do município, sobrevoando algumas áreas juntamente com um colega arquiteto, onde desenhavam os rumos de forma precária para depois passarem para a prancheta.

Dessa forma, o plano coordenado por Ribeiro da Rocha teve então dois desafios principais: conciliar o plano de Jorge de Macedo Vieira com as expansões urbanas descontínuas; e harmonizar a ocupação do sítio urbano com as restrições ambientais presentes. Além disso, conciliar os interesses dos loteadores com os da administração pública e lidar com as limitações técnicas, foram fatores inerentes ao processo de elaboração.

O principal desafio presente na tarefa de traçar a expansão da cidade foi conciliar as variáveis morfológicas – topografia, fundos de vale e loteamentos existentes – com o plano urbanístico de Vieira, considerado por Nildo Ribeiro como o “embrião” ou “célula mãe” de sua proposta, sobretudo em relação à manutenção da largura das vias, embora houvesse grande pressão imobiliária para reduzi-las. As diretrizes do plano são descritas pelo arquiteto:

O segundo Plano (o primeiro seria o Plano Diretor de 1968) coordenava e orientava o crescimento urbano, estabelecendo regras e normas para loteamentos e corrigindo as distorções que a cidade novamente vinha sofrendo. [...] O que fizemos juntamente com os técnicos da Assessoria de Arquitetura e Urbanismo foi criar um novo perímetro urbano, englobando todos os loteamentos, legalizados ou não, e traçando a malha dentro dele, baseada nos padrões do plano original. Esse trabalho foi realizado garantindo o direito de propriedade e a preservação dos mananciais e meio ambiente (ROCHA, 2004,

p.17 apud CORDOVIL, 2010).

O novo perímetro urbano desenhado possuía 12.825 ha e, de acordo com Rocha (2004b), foi pensado para abrigar 600.000 hab. – na época, Maringá possuía cerca de

160.000 hab. -, projetando este crescimento para o ano 2000, o que não ocorreu. Em 2000 a população de Maringá era de 288.653 hab. e, no último censo realizado em 2010 a população levantada foi de 357.077 hab. (IBGE, 2012). Todo o perímetro apresentado no plano foi traçado em forma de diretrizes que deveriam ser respeitadas quando da aprovação de novos loteamentos. A preocupação ambiental também é forte característica do plano, sobretudo em relação ao tratamento proposto para as áreas de fundos de vale.

Embora tenha havido grande preocupação com o plano de Vieira, a proposta de expansão urbana difere substancialmente, predominando o traçado retilíneo, que pouco tem relação com a topografia do sítio. De acordo com Cordovil (2010) em alguns pontos chegou a ser pensado um traçado mais orgânico, acompanhando o relevo, porém a proposta foi rejeitada pelos topógrafos, alegando dificuldade de execução. O plano traçado por Ribeiro da Rocha era extremamente restritivo, pois as vias em forma de diretrizes por ele traçada praticamente “loteava” todo o perímetro urbano da cidade, uma vez que conformavam “quadras” de aproximadamente 280x280m, onde loteadores teriam liberdade de composição.

O objetivo central do plano foi dar continuidade e consolidar os principais eixos viários existentes - alguns deles continuação do plano inicial, outros estradas rurais - e ainda a criação de novas ligações, ora com vias radiais iniciadas na parte planejada, ora com vias perimetrais, promovendo a ligação entre aquelas. Este sistema radial- perimetral1 consolidou o crescimento radioconcêntrico que já havia acontecendo de maneira natural, embora de forma descontínua, atuando em contraponto ao sistema de crescimento linear que chegou a ser pensado no Plano Diretor de 1968, porém sem ser

implantado.

Se a solução viária apresenta prós e contras – pois de fato solucionou o problema da desarticulação viária, porém imprimiu uma morfologia simplificada –, a solução ambiental adotada se mostrou extremamente avançada. Para evitar a degradação das áreas de fundos de vale que vinham sendo cada vez mais expostas com o crescimento da urbe, Ribeiro da Rocha criou as vias paisagísticas, que margeavam os canais, distando 60 m de suas margens, faixa esta que seria ocupada por reserva natural e

1 Preconizado pelo urbanista francês EugèneHénard e pelo urbanista germânico Stubben, foi amplamente utilizado como solução de ligação periferia-centro em cidades como Berlim, Moscou, Paris e São Paulo.

conformariam parques lineares. Villalobos (2003) explica que estes parques foram pensados não somente de forma conservacionista uma vez que dois usos foram previstos nestas áreas: A residência do fiscal ambiental, que cuidaria de uma porção do fundo de vale; e a inserção de áreas especiais, como pontos de reciclagem de resíduos sólidos urbanos.

O avanço ambiental proposto no plano é bastante significativo, sobretudo se analisarmos que o Código Florestal de 1965 (Lei n° 4771/65) previa apenas 5 m de faixa de preservação. No mesmo ano de aprovação do Plano de Diretrizes Viárias, foi aprovada a Lei Lehmann (Lei Federal nº 6766/79) que aumenta esta faixa non aedificandi para 15m em cada margem, mesmo assim, área quatro vezes menor ao implantado em Maringá. Os benefícios trazidos por esta ação são múltiplos, como por exemplo: manutenção da biodiversidade; melhoria do microclima urbano; proteção dos recursos hídricos e florestais; aumento da área permeável no solo urbano; potencial local de lazer para população; e aumento da qualidade da paisagem urbana.

Villalobos (2003) cita como possível influência da solução ambiental empregada no plano, o livro Design WithNature, publicado em 1969. Obra de Ian McHarg, planejador urbano e paisagista que concentrou sua prática e estudos na forma de conciliar os avanços da urbanização com a capacidade de suporte do meio. É de McHarga autoria do plano de ocupação para a região conhecida como The Valleys - região noroeste da cidade de Baltimore nos Estados unidos -, área de destacada beleza natural com seus vales, fazendas e remanescentes florestais, que vinha sofrendo intensa pressão por urbanização com a expansão da cidade. Como solução, McHarg propôs uma forma de ocupação que conciliava a ocupação urbana com a capacidade de suporte do meio, controlando densidades e usos, recuperando áreas naturais e conservando a qualidade natural da paisagem. O plano elaborado em 1969 tinha capacidade de absorver 110.000 pessoas nos próximos 40 anos. Em seus princípios de conservação das áreas de fundos de vale, propõe o uso para recreação nestes espaços e a conservação de cada margem em seu estado natural numa largura de 200 pés (60,96 metros) (MCHARG, 1992).

De fato a proposta para os fundos de vale de McHarg e Ribeiro Rocha guardam bastante semelhança, porém não se pode afirmar com certeza que o autor do plano tenha tido como referência o plano de Baltimore. Em entrevista concedida a Cordovil (2010), Ribeiro da Rocha afirma que um dos motivos que o fez adotar tal solução foi a ocorrência de áreas públicas à beira dos cursos d’água – doadas pelos loteadores por força de lei. A referência conceitual, no entanto, não é revelada.

Apesar dos parques lineares não terem se efetivado tal qual pensado pelo arquiteto, as faixas dos 60 m não foram ocupadas. Meneguetti (2009) ressalta que tal fato foi fundamental para que, ainda hoje, fosse possível a implantação de um sistema de áreas livres com caráter ecológico, com pequenas intervenções. Não fosse tal diretriz de ocupação, que inclusive influenciou legislações municipais posteriores e se mantém até hoje, muito provavelmente estes espaços teriam sido ocupados e loteados, o que geraria perda ambiental bastante significativa. A figura 4 demonstra de forma sintetizada as condicionantes e propostas do plano.

Figura 4. Principais condicionantes do Plano de Diretrizes Viárias de

  1. Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá – modificado pelos autores

Pode-se apontar assim como pontos principais do plano: a solução viária que adotou a expansão dos principais eixos do plano inicial de forma radial e criação de vias perimetrais conectando estas; a adoção da malha xadrez em praticamente todo o perímetro projetado, em função da pressão imobiliária e da facilidade de execução; e a preservação das áreas de fundos de vale, com adoção de 60 m de faixa non aedificandi em cada margem até a via paisagística. Dessa forma, Ribeiro da Rocha conseguiu cumprir seus principais desafios: o de conectar as expansões urbanas com o plano inicial, harmonizando-as com a paisagem natural presente.

Conclusão

A cidade de Maringá, nascida de um empreendimento de capital privado em 1947, teve dois grandes momentos de intervenção urbana: seu plano inicial, em 1947, elaborado pelo engenheiro Jorge de Macedo Vieira que adotou modernas técnicas de planejamento, demonstrando grande sensibilidade com as áreas naturais; e o Plano de Diretrizes Viárias de 1979, do arquiteto Nildo Ribeiro da Rocha motivado, sobretudo, por questões viárias, mas que, empregou uma avançada visão ambiental no tratamento dado às áreas de fundos de vale.

As Diretrizes Viárias de 1979 resolveram com êxito as problemáticas a que se propôs, conectando os loteamentos existentes e disciplinando a ocupação dos novos loteamentos, o que resultou em uma articulação viária bastante satisfatória até os dias atuais. O fato do plano apresentar solução morfológica simplificada, comparada ao

plano inicial, deve ser relativizada em função das condicionantes presentes em 1979 serem de ordem mais complexa, lidando com questões como: interesses imobiliários; dificuldade de execução; e limitações físicas (áreas naturais x plano inicial x loteamentos desconectados). Por sua vez, o plano inicial apresentava apenas o traçado da ferrovia como condicionante.

Embora os parques lineares não tenham se efetivado tal qual previsto por Ribeiro da Rocha, a solução proposta para as áreas de fundos de vale foi outra importante contribuição. Ela garantiu a preservação destes espaços fundamentais para a manutenção da biodiversidade na área urbana e permitiu que hoje fosse viável se pensar em um sistema de áreas livres com caráter ecológico. O tratamento dado aos fundos de vale guarda bastante relação com as técnicas de planejamento ambiental da época e ainda vigentes, preconizada por arquitetos da paisagem como o norte americano Ian McHarg, conciliando a preservação dos recursos naturais atrelados a inserção urbana, valorização da paisagem e exploração do potencial recreativo destes espaços.

Referências bibliográficas

BRASIL. Código Florestal Brasileiro – Lei Federal nº 4771. DF: Congresso Federal, 1965.

BRASIL. Lei Federal n° 6766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. DF: Congresso Federal, 1979.

CORDOVIL, F. C.. A aventura planejada: engenharia e urbanismo na construção de Maringá, PR 1947 – 1982. 2010. 636f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010.

IBGE. IBGE Cidades – Maringá-PR. 2012. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=411520 Acesso em: 07 jul. 2012.

LUZ, F.. O Fenômeno Urbano numa Zona Pioneira: Maringá. Maringá: Prefeitura, 1997.

MARINGÁ, P. M.. Código de Posturas e Obras de Maringá - Lei nº 34/59. Maringá, 1959.

MARINGÁ, P. M.. Plano Diretor de Desenvolvimento de Maringá – Lei n° 621/68. Maringá, 1968.

MARINGÁ, P. M.. Lei de Loteamentos - Lei n° 625/68. Maringá, 1968b.

MARINGÁ, P. M.. Lei n° 698/69 – Autoriza a desapropriação de loteamentos na Estrada Mandacaru. Maringá, 1969.

MARINGÁ, P. M.. Lei n° 861/71 - Autoriza a desapropriação de uma faixa de terras para abertura da segunda pista da Av. Mandacaru. Maringá, 1971.

MCHARG, I. Design With Nature. 25th anniversary edition, Jon Wiley & Sons, 1992.

MENEGUETTI, K. S.. Cidade Jardim, Cidade Sustentável. A Estrutura Ecológica Urbana e a Cidade de Maringá. Maringá: EDUEM, 2009.

ROCHA, N. R. Entrevista. Entrevistador: Edson Massari no Programa Ponto de Equilíbrio, Jornal do Povo, 13 ago. 2004.

ROCHA, N. R. Entrevista com Nildo Ribeiro. Entrevistador: Lincoln Souza. Jornal Matéria Prima. 16 set. 2004.

RODRIGUES, A. L.. A pobreza mora ao lado: segregação espacial na região metropolitana de Maringá. 2004. 258f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.

VILLALOBOS, J. U. G.. Maringá: Fundos de vale, política, legislação e situação ambiental. In: Dalton Aureo Moro. (Org.). Maringá Espaço e Tempo. Ensaio de Geografia Urbana. Maringá - PR: Programa de Pós-Graduação em Geografia. UEM, v. 1000, p. 201-238, 2003.