Resumo

Este trabalho vem apresentar parte de tese de doutorado concluída sobre cidades turísticas no Brasil em que a tematização e a cenarização buscam a construção de imagens de cidades européias como atrações turísticas. A partir de autores como Urry (2001), que estuda como o olhar do turista se relaciona com a cidade e suas transformações, MacCannell (1999) e seu conceito de autenticidade encenada, Shields (1992) que estuda a construção da imagem de lugares, Gottdiener (2001) que traz o conceito de tematização e Silva (2004) mostrando a cenarização de cidades turísticas, foram estudadas cidades turísticas brasileiras que vem passando por esse processo, como Gramado, RS, Penedo, RJ e Holambra, SP. Através do estudo da história de cada lugar e da observação das cidades e de sua arquitetura, o trabalho buscou mostrar como o turismo pode ser um elemento de transformação e nesses casos se relacionando com a busca de uma identidade local. No caso apresentado, de Holambra, o estudo se baseou no entendimento da história de sua formação inicial e como vem se dando o processo ligado ao turismo. Antiga colônia fundada pelos holandeses em 1948, essa pequena cidade vem passando por um processo de transformações ligadas ao incentivo governamental às atividades turísticas, buscando alternativas para sua economia relacionada à agricultura e cultivo de flores. A partir de sua maior atração, a Expoflora, vem sendo estimulada a construção de sua imagem holandesa, na arquitetura, eventos e criação de atrações turísticas como um pórtico e um moinho em estilo holandês.

Palavras-chave: turismo, história das cidades, tematização, cenarização, Holambra

Abstract

This present work is part of a doctoral thesis on tourist towns in Brazil where theming and scenario making seek to construct images of European cities as tourist attractions. After authors such as Urry (2001), which studies how the tourist gaze is related to the city and its transformations, MacCannell (1999) and his concept of staged authenticity , Shields (1992) who studies the construction of the image of places, Gottdiener (2001) that brings the concept of theming, and Silva (2004) showing the scenario making of tourist cities, tourist Brazilian towns that has been part of this process were studied, as Gramado, RS, Penedo, RJ and Holambra, SP. Through the study of the history of each place and observation of cities and their architecture, the research sought to show how tourism can be an element of transformation and these cases are relating to the search of a local identity. In the present case of Holambra the study was based on the understanding of the history of their initial foundation and how its development is linked to tourism. Former Dutch colony, founded in 1948, this small town has been undergoing a process of transformation attaching to government encouragement of tourism activities, seeking alternatives to its economy, related to agriculture and flowers selling. From its greatest attraction, the Expoflora, has been encouraged to build their Dutch image, in architecture, events and creation of tourist attractions such a town entrance porch and a windmill in Dutch style .

Keywords: tourism, history of cities , theming , cenarização , Holambra

Introdução

O presente trabalho é parte de tese sobre a tematização e cenarização em pequenas cidades turísticas brasileiras, em especial colônias estrangeiras aonde vem ocorrendo um processo de construção de suas imagens para o turismo baseado na imagem de cidades européias. Ao estudar Holambra, colônia holandesa onde esse processo é bastante recente, foi possível entender como o turismo vem transformando as cidades devido à sua capacidade de influenciar a economia e a política urbana seja através de estímulos a eventos ou mesmo à maneira de se construir nas cidades. A partir do conhecimento de sua história e observação do lugar, de sua arquitetura e características urbanas o estudo buscou entender esse processo que atinge diversas cidades turísticas brasileiras, refletindo um processo global do turismo em relação às cidades e criação de atrações. Para isso também foi importante o estudo do principal evento da cidade, a Expoflora. A história de Holambra foi compreendida a partir de autores que pesquisaram seu processo de imigração e atividades econômicas, como Broek (2008) e Galli (2009) e Biondi, Tristão e Viégas (2007).

A importância da arquitetura sobre o turismo foi estudada na tese levando-se em conta autores como Urry (2001), que mostra como olhar do turista se relaciona a necessidade de criação de espaços de fantasia e diferenciação, como são essas cidades que se utilizam de sua imagem européia, buscando atrair os visitantes. A maneira como isso ocorre é estudada por Shields (1992), que mostra como ocorre a construção da imagem das cidades, e MacCannell (1999) nos mostra a importância do que ele chama de autenticidade encenada, ou seja, o uso de elementos tradicionais da cultura mas de maneira adequada ao consumo turístico. Gottdiener (2003) e Silva (2004) nos apresentam os conceitos de tematização de cenarização que foram aplicados nessa tese para o estudo das cidades de Gramado, RS, Penedo, RJ e Holambra, SP, caso que é apresentado nesse trabalho.

Mapa localização Holambra
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Figura 1: Mapa de localização de Holambra. Fonte: Folheto Gardencenter, 2010.

Holambra1 é uma pequena cidade de 10.224 habitantes em 2009 (www.ibge.gov.br, 2010) localizada na região metropolitana de Campinas, São Paulo. Sua principais atividades econômicas são a plantação e a comercialização de flores, e o município é o maior exportador de flores da América Latina, responsável por 80% da exportação e por 40% da produção de flores no país (www.holambra.sp.gov.br, 2010). Junto com essa atividade, criada pelos holandeses e vinculada à cultura daquele país, o turismo passou a ser estimulado como uma alternativa comercial para a cidade, aproveitando a existência dessa tematização e dessa cenarização no turismo mundial, de maneira local, em uma cidade em que inicialmente não havia a preocupação em se construir casas em estilo holandês. Foi o sucesso da Expoflora que originou o interesse pelo turismo como alternativa econômica para a cidade que passou a usar sua imagem holandesa como um diferencial para a atração de visitantes, não somente nas feiras, mas criando roteiros turísticos baseados na presença de imigrantes e seus costumes e em especial a gastronomia.

99 Fotos Holambra setembro 2010
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Figura 2. Moinho Povos Unidos, em estilo holandês. Fonte: Foto do autor, 2010

Ao lado de lojas de artesanato e alguns restaurantes2, são ainda poucos os hotéis da cidade, pois a pequena distância entre São Paulo e Campinas induz a um turismo de permanência curta. O maior atrativo local é a culinária, com seus restaurantes com pratos da gastronomia holandesa e confeitarias onde se encontram doces, pães e biscoitos feitos com receitas daquele país. A situação geográfica da cidade não favorece o turismo de inverno, característico dessas cidades que buscam a imagem européia, em lugares de serra, e a cidade ainda tem sua economia ainda baseada nas atividades agrícolas. A posição de Holambra, não sendo de serra, não atrai esse tipo de turista, tendo que ser trabalhada essa atratibilidade de outra maneira, e por isso parece ser importante o processo de utilização da imagem holandesa com essa finalidade.

A formação inicial da colônia

A colônia holandesa de Holambra foi fundada em 1948 por um grupo de imigrantes que fugiam da Europa devastada pela guerra. A organização para a vinda foi realizada pela Associação de Lavradores e Horticultores Católicos da Holanda (KNBTB), que enviou uma comissão formada por três engenheiros agrônomos, J. Gerrt Heymeijer, Van Beers e Van Seen ao Brasil (SCAFON, 2002). O grupo era católico, e dessa maneira o fato de o Brasil ser um país com a maioria da população da mesma religião foi bastante importante para a decisão de virem para cá. Ao voltarem para a Holanda, somente Heymeijer continuou com o projeto, e conseguiu o apoio da KNBTB (Katholieke Nederlandse Boer en Tuinders Bonde) para que fosse mais uma vez enviado ao Brasil, e aqui instituísse na colônia um projeto de imigração, que levou seu nome, o chamado Plano Heymeijer (BROEK, 2008, p. 104).

A ideia de Heymeijer tinha um grande idealismo, e ao falar sobre suas ideias um dos pioneiros, Broek, diz que

[...] ele pensou que podia estar fundando uma colônia de elite e que poderia ser um exemplo para o mundo inteiro. Seria um grupo de pessoas com as mesmas intenções, selecionadas para ir ao país onde o sol brilha todo o dia e lá realizar os seus ideais (BROEK, 2008, p.106).

O Plano de Heijmeier propunha um pagamento de 25 mil florins por 25 hectares de terra para famílias constituídas, e solteiros ou famílias que não pudessem pagar aquele valor receberiam 15 hectares. (BROEK, 2008, p.106). Com incentivos do governo tanto da Holanda como de São Paulo em 15 de junho de 1948 foi comprada a Fazenda Ribeirão, com área de 5.000 hectares, de propriedade do frigorífico Armour, de Chicago, Estados Unidos (SCAFON, 2002).

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Figura 3: Antiga casa da colônia, no centro de Holambra. Fonte: Foto do autor, 2010.

Uma das maiores necessidades da nova colônia era dar moradia aos que chegavam além de se criar infraestrutura básica para o trabalho e as atividades coletivas. Já no primeiro ano foram construídas 60 novas casas, e 40 unidades de armazéns, oficinas, capela e locais comunitários, e o esforço continuou intenso, e em 1950 havia moradia para mais de 100 famílias de imigrantes (SCAFON, 2002). Para facilitar a construção das casas foi feita uma olaria, e Heijmeier e o Padre Sijen buscaram ajuda na Holanda, devido às dificuldades locais (BROEK, 2008, p.129).

Mesmo com todas as dificuldades, as casas foram sendo construídas, mas sem estilo definido. Como se pode notar nas antigas casas erigidas na época, eram construções bastante simples, mais próximas da arquitetura vernacular do interior do Brasil, sem lembrar construções holandesas. Um exemplo desse tipo de construção é a casa na praça dos pioneiros, construída em 1949, e ainda existente3 (DVD 60 Anos de Imigração holandesa, 2008). A necessidade de se construírem casas se acentuava, pois foi nesses primeiros anos de 1949, 1950 e 1951 que chegou a maioria dos imigrantes (DVD 60 Anos de Imigração holandesa, 2008)

Nos os anos 1950, o trabalho árduo no campo ocupava a comunidade durante a semana, e as danças e festas eram realizadas na marcenaria aos sábados, com gaitas e harmônicas tocadas pelos imigrantes, e aos domingos se tomava banho no rio e na cachoeira. A história de Holambra não difere da de outras colônias de imigração do período, onde bailes para os agricultores deram origem às maiores tradições locais. Nessas festas se tocavam músicas holandesas e as danças folclóricas com suas roupas típicas ajudaram a manter as tradições de terra de origem.

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Figura 4: Grupo de danças folclóricas [195-]. Fonte: Folheto Holambra 60 Anos, 2008.

Problemas ligados à agricultura fizeram surgir a necessidade de haver uma maior variedade de produtos cultivados em Holambra, sendo então iniciada, em 1953, a criação de suínos e frango, junto com agricultura e a criação de gado leiteiro (BROEK, 2008, p. 138). Nesse período houve diversas tentativas de se estabelecer as atividades agrícolas que sustentassem a população local, mas diversos depoimentos comprovam que foi uma época de grandes dificuldades econômicas. Em 1958 se deu a chegada das primeiras sementes de gladíolos, com mais imigrantes holandeses (www.ibge.gov.br, 2011). Dessa maneira, adaptando uma tradicional atividade holandesa às condições locais, o plantio de flores e sua comercialização logo demonstraram ser o futuro de Holambra, e em 1972 finalmente foi criado o Departamento de Floricultura em Holambra (BIONDI, TRISTÃO, VIÉGAS, 2007). Foi um período de crescimento, com a construção de edifícios ainda sem a preocupação com um estilo arquitetônico holandês tradicional (DVD 60 Anos de Imigração holandesa, 2008).

A economia da cidade sempre foi baseada quase que unicamente nas atividades ligadas à agricultura, pecuária e criação de animais, e essa dependência de um único setor muitas vezes ocasionou crises econômicas. A partir do processo de emancipação política da cidade em 1992, a cidade passou a estimular o desenvolvimento do processo de construção da imagem holandesa da cidade, buscando no turismo uma diversificação das atividades econômicas locais, sempre baseadas na agricultura e criação, e finalmente nas flores.

O início do turismo em Holambra: uma nova imagem holandesa

Durante a década de 1970 já se podia perceber o interesse em se associar a cidade à sua presença holandesa, como se percebe em fotos de eventos como a inauguração da sede dos Correios e do Banco do Brasil (DVD 60 Anos de Imigração Holandesa, 2008). Essa divulgação da imagem holandesa era mais forte através de grupos folclóricos e de uso de roupas tradicionais em eventos e danças, em um exemplo do que MacCannell (1999) chama de autenticidade encenada, e não através de uma arquitetura tematizada.

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Figura 5. Inauguração de sede do Banco do Brasil em Holambra, com a presença de jovens vestidas com roupas folclóricas holandesas [197-] Fonte: DVD 60 Anos de Imigração Holandesa, 2008

Nesse período foram sendo articulados eventos que reforçavam a imagem holandesa na cidade, e uma dessas tentativas foi a criação, em 1973, da Primeira Zeskamp (Revista Setembro, 2008, p. 11), festa esportiva que buscava, através de atividades tradicionais holandesas, integrar as diversas colônias fundadas pelos holandeses no Brasil4. Dessa maneira, o uso de festas e comemorações foi indutor da construção da imagem holandesa da cidade, em uma elaboração dessa identidade local.

Era ainda um momento, durante a década de 1980, em que as atividades agrícolas de Holambra tinham grande sucesso, com produção de laranjas, aves e suínos, mas ao final da década veio uma crise financeira. As incertezas das atividades agrícolas e de todo o agronegócio fizeram surgir o interesse por uma diversificação das atividades econômicas em Holambra. A partir do grande negócio existente relacionado às flores, surgiu, em 1981, a ideia de se aproveitar a tradição de cultivo e comercialização de flores e realizar uma exposição temática, a 1ª Expoflora (BROEK, 2008, p. 154; Revista Setembro, 2008, p. 11).

Holambra: de cidade das flores a cidade da Expoflora

Inicialmente a Expoflora era uma pequena exposição de flores, como contam os seus criadores, Willen e Drost (DVD 60 Anos de Imigração Holandesa, 2008), que falam que na primeira festa o público foi de 6.000 pessoas, e tudo ainda era bastante improvisado. Mas na realidade além da exposição de flores, a festa era uma comemoração da cultura holandesa de Holambra. Era uma festa local, com organização pouco profissional, mas que aos poucos foi alcançando um grande interesse regional e atualmente se destaca no cenário nacional, com público de 250.000 visitantes por ano (www.saopaulo.sp.gov.br, 2010).

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Figura 6: Palco com danças na Expoflora [198-]. Fonte: DVD 60 imigração holandesa, 2008.

Desde o início houve uso de elementos holandeses, como pessoas com trajes típicos, danças tradicionais e comidas locais. Mais tarde a feira passou a fazer parte do processo de tematização e de cenarização relacionado principalmente ao uso de uma arquitetura ligada à Holanda, que a partir do espaço utilizado pela feira foi disseminada pela cidade. Mesmo com pequena infraestrutura e com pouco público, a utilização de sua imagem holandesa foi importante, como mostra o cartaz no palco dizendo ser aquela “uma festa tipicamente holandesa” (DVD 60 Anos de Imigração Holandesa, 2008) tinha entre suas atrações a apresentação de grupos de danças folclóricas holandesas, demonstrando a importância das danças e da música no processo de tematização por que a cidade estava passando.

Era um período de grandes mudanças em Holambra, com reformas estruturais na colônia. Em 1988 houve a abertura do Museu Histórico e Cultural (Revista Setembro, 2008, p.11), com objetos mostrando a história da colônia e fotos de Wilhelmus Albertus Bernardus Welle, que fotografou a cidade desde sua fundação. A necessidade de registro da cultura local mostra percepção da importância de se preservar a identidade dos pioneiros e sua história.

As funções da Cooperativa, que sempre funcionou não somente como uma empresa, mas como a responsável pela organização social em Holambra, acabaram voltadas somente à sua parte cultural e social, deixando a parte de cuidado com a comunidade para os responsáveis governamentais (Revista Setembro, 2008). Isso foi possível especialmente após a elevação de Holambra à categoria de município em 1991, com o desmembramento dos municípios de Jaguariúna, Cosmópolis, Artur Nogueira e Santo Antônio da Posse, e o município sendo implantado em 01/01/1993 (www.ibge.gov.br, 2010).

A necessidade de expansão do turismo, inicialmente ligado aos negócios de flores através da Expoflora, fez surgir em 1992 a Primeira Enflor (Revista Setembro, 2008, p. 11), e em 1993 teve início a Hortitec (Revista Setembro, 2008, p. 11), feiras e cursos de paisagismo ligados à tradição de negócios de flores da cidade. Essa também foi uma das maneiras de utilizar a ampla área de exposições criada para a Expoflora, e que é ocupada somente durante o período da feira, no mês de setembro.

A intenção do governo local em criar eventos durante todo o ano é uma busca pela diversificação das atrações locais, atualmente centralizadas na Expoflora. A partir de um início modesto a feira se expandiu, e atualmente ocupa uma grande área, inclusive tendo sido criado um espaço de eventos com patrocínio de empresa para a exposição, e que nos outros períodos do ano atende a festas comemorativas da população de toda a região. A partir do interesse pelas flores, paisagismo e plantas em geral, a cidade viu surgir uma oportunidade de desenvolver seu turismo, e essa exposição, atualmente uma das maiores do país, se tornou uma alavanca para a divulgação do nome da cidade em todo o Brasil.

O evento se tornou uma grande vitrine para os negócios da indústria de flores da cidade e do país, colaborando para tornar Holambra mais conhecida nacionalmente. A utilização da imagem holandesa, presente desde o início da festa, foi sendo cada vez mais intensa, tanto com a construção de pavilhões em arquitetura holandesa como na presença de pessoas com roupas típicas em meio à festa, não somente com a apresentação de danças, mas circulando e auxiliando a criar um “clima holandês”.

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Figura 7. Expoflora – grupo com roupas típicas hplandesas. Fonte: Foto do autor, 2010

A Expoflora se espalha por uma grande área, onde está incluído o Museu Histórico e Cultural e um grande galpão no qual, durante a grande festa, é montada área para vendas de comida feita com receitas tradicionais holandesas, pelos imigrantes e seus descendentes. Assim existe o contraste entre um evento de grandes proporções com pouca ligação com a cultura holandesa tradicional da cidade, e a exposição e venda de produtos realmente ligados à cultura local de maneira consistente. Dentro do mesmo grande espaço da feira, que mesmo tendo se iniciado com elementos holandeses, tem como atração a tematização e a cenarização na arquitetura, danças, e roupas ligadas à imagem holandesa, coexiste esta parte pedaço da feira em que efetivamente se encontram comidas e costumes holandeses mais tradicionais de Holambra.

Essa grande exposição de flores é bastante importante para Holambra pela divulgação que traz, mas ao mesmo tempo se tornou um evento que parece não contribuir de maneira equilibrada para o turismo do dia a dia da cidade. São grandes multidões que acorrem ao espaço isolado do evento, e que de maneira geral não percorrem a cidade, somente a exposição. Muitos ônibus de excursões vêm direto de São Paulo ou de Campinas para visitar a feira, e não a cidade. Dessa maneira, o espaço do grande evento se torna destacado da própria cidade, que fica vazia durante a Expoflora. Ao mesmo tempo, durante os outros meses do ano, quando a feira não está ocorrendo, os pavilhões onde ela ocorre ficam vazios, sem uso, aparentando ser uma área fantasma da cidade.

Reflexos na cidade: consolidação da cultura holandesa local

Ao se verificar a importância da movimentação turística trazida pela Expoflora, os órgãos públicos passaram a estimular essas atividades no lugar. O incentivo governamental ao turismo cresceu e em 1997 Holambra recebeu o selo de Potencial Turístico da Embratur (SCAFON, 2002), e em 1998, a cidade foi reconhecida pela Assembleia de São Paulo como Estância Turística (www.ibge.gov.br, 2010; SCAFON, 2002)5. Além desses estímulos financeiros a legislação municipal também influencia na construção da imagem holandesa da cidade, especialmente através da Lei Orgânica (Holambra, 2007).

Essa lei inclui desconto de IPTU para aqueles que constroem edifícios cujas fachadas apresentam o que eles consideram “arquitetura holandesa” (GALLI, 2009, p. 172). Esse incentivo, aparentemente relacionado à manutenção da imagem holandesa local, e estando ligado ao que poderia ser a tradição da cidade, acabou criando uma arquitetura sem preocupação estética, um fachadismo que nem sempre pode ser considerado efetivamente holandês. À exceção de alguns edifícios que poderiam ser considerados ligados à uma tradição da arquitetura tradicional holandesa, a grande maioria se prendeu ao que seria o estereótipo das fachadas holandesas, sem um maior conhecimento e preocupação estética. Dessa maneira não houve uma incorporação de uma identidade local, mas um simples artifício para se pagar menos impostos.

Essa arquitetura que tenta remeter à imagem holandesa tem sido obra de arquitetos da região6, não necessariamente vinculados à cultura holandesa, mas que busca elementos que possam ser entendidos como tal. O uso de tijolo aparente é um dos elementos recorrentes, além de frontões que remetem à arquitetura daquele país. A presença de elementos ligados à cultura daquele país tem sido ressaltada por elementos arquitetônicos, como moinhos e portais ligados à cultura holandesa. O Moinho Povos Unidos foi construído pelo arquiteto Jan Heijdra, vindo daquele país, tendo sido inaugurado em 2008, e mantido com um moleiro no lugar, explicando seu funcionamento7.

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Figura 8: Pórtico de Entrada de Holambra. Fonte: Foto do autor, 2011.

Ao se visitar a cidade, a primeira impressão é de que, além das casas dos antigos moradores com seus jardins e construções que não são exemplos do que se espera de uma arquitetura holandesa, mas que são casas holandesas sem a preocupação da imagem turística, trata-se de uma pequena cidade sem grandes diferenças de outras da região. Dessa maneira, a idéia do governo local de cenarização da arquitetura da cidade funciona mais com relação aos empreendimentos comerciais e ligados ao turismo, e não com relação às residências.

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Figura 9: Moradia de holandeses em Holambra. Fonte: Foto do autor, 2010.

Algumas ruas têm construções com lojas que remetem a uma arquitetura que se poderia chamar de holandesa, e mais importante do que isso, com produtos que mantêm a tradição da colônia. É na gastronomia da cidade que se pode encontrar maior número de descendentes de holandeses, tanto nos diversos restaurantes onde se oferece comida daquele país, como nas confeitarias holandesas, onde podem ser encontrados doces, pães, biscoitos relacionados à imagem holandesa. A confeitaria Martin Holandesa, com suas tortas, biscoitos e doces são um desses exemplos. Em frente encontram-se algumas pequenas lojas com produtos ou vindos da Holanda ou feitos no lugar que também podem ser exemplos dessa manutenção da tradição. São diversos restaurantes que compõem um Roteiro Gastronômico, conforme é anunciado pela divulgação oficial, e que oferecem ampla variedade de opções aos visitantes. Trata-se da maior atração da cidade, fora a Expoflora e a produção de flores, pois se apresenta como um forte elemento de atração para os visitantes que acorrem à cidade para passar o dia, sendo um importante polo gastronômico regional.

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Figura 10. Restaurante com gastronomia ao estilo holandês. Fonte: Foto do autor, 2010.

Existe também a Associação de Artesãos, funcionando em uma pequena loja da Rua dos Imigrantes e em um stand com aspecto de casa holandesa junto ao Moinho. Nesses dois lugares é vendido o artesanato regional que busca nos motivos holandeses uma identidade local, como cita um dos artesãos do lugar, ao falar da necessidade de se destacar essa identidade nos produtos que são ali vendidos, como pequenos moinhos de madeira, tulipas ou outras imagens da Holanda, em ímãs ou outros pequenos souvenirs. Para eles, Holambra está bastante identificada com esses produtos, e isso reforça uma sensação de orgulho do lugar.

Considerações Finais

Mesmo com o maior estímulo às atividades ligadas às tradições holandesas, a maior atração de Holambra continua sendo a sua indústria de flores, e a Expoflora. A feira e a cidade em si apresentam muitas diferenças, com a tematização gerando ao mesmo tempo um estímulo às tradições, como o artesanato, as danças, a culinária e também o uso massificado de elementos que não trazem nenhum ganho cultural, mas somente o consumo excessivo, e que deve ser pensado se é realmente um ganho para a cidade.

Se por um lado a economia local vem sendo estimulada através de um processo crescente do turismo ligado às tradições holandesas, deve ser cuidadosamente observado como isso se reflete na vida dos holambrenses, e na cultura local.

A grande afluência de público para a Expoflora mostra que o interesse pela tematização é algo a ser considerado. Na grande área de exposição, que engloba não somente exposições de flores e produtos sem nenhuma ligação com a cultura holandesa, subsistem no mesmo espaço atrações desvinculadas dessa cultura local ao lado de bandas holandesas, pessoas com roupas tradicionais e danças tradicionais. Mesmo com parte da exposição sendo extremamente comercial, dentro do conjunto da Exploflora ainda se pode encontrar o Museu Histórico e Cultural e uma área onde se encontram tanto objetos da cultura holandesa à venda como sua culinária tradicional, sendo produzida no local e comercializada por representantes da sociedade holandesa da cidade. A afluência de visitantes estimula a produção e comercialização de elementos tradicionais locais, em geral artesanato e culinária.

Dessa maneira, grande parte do público visitante não tem interesse ou não percebe a diferença entre o que é “autêntico” ou o que é “inautêntico”, possibilitando a presença em um mesmo grande evento de diferentes possibilidades, mostrando a variedade de atrações que o turismo tematizado permite, misturando história e fantasia, comércio e tradição, muitas vezes em um mesmo local. Ao pensarmos nas diferentes possibilidades de olhar apresentadas por Urry (2001), vemos a aplicação direta do que ele diz a respeito do olhar dicotômico ligado à história, e também muitas vezes a relação entre o individual e o coletivo, em lugares que existem de maneira ligada ao olhar coletivo, como as feiras.

Referências Bibliográficas

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Revista Setembro – Ano X, n. 10, Holambra, 2008

  1. O nome Holambra junta HOL de Holanda, AM de América e BRA de Brasil. (www.ibge.gov.br, 2010) 

  2. A cidade apresenta em seu Roteiro Turístico 11 restaurantes e 8 hotéis (www.holambra.sp.gov.br, 2011). 

  3. Depoimento de Henk Klein Gunnewieck no DVD sobre a história da colônia. 

  4. Arapoti, Carambeí, Castrolanda (todas no Paraná), Holambra II (São Paulo), Não me Toque (Rio Grande do Sul), além de Holambra (Revista Setembro, 2008, p. 61). 

  5. O estado de São Paulo concede o título de Estância Turística a municípios com características determindas, ligadas a certas situações de lazer, recreação, recursos naturais e culturais específicos. Essas cidades devem ter infraestrutura e serviços adequados às atividades turísticas, e poderão receber aportes financeiros do governo estadual específicos para incentivo a essas atividades do turismo. São 67 municípios, entre estâncias turísticas (29), balneárias (15), hidrominerais (11) e climáticas (12) (www.cidadespaulistas.com.br, 2010). 

  6. Ao se visitar a cidade foram percebidas placas de diversos arquitetos com escritórios na região. 

  7. Atualmente existem diversos colaboradores nesta função, holandeses ou descendentes, da comunidade holandesa local, que se oferecem para explicar tanto o funcionamento do moinho como sua relação com a cultura holandesa.