Resumo

Este artigo tem como preocupação a reflexão do processo de concepção das formas espaciais decorrentes da implantação de núcleos urbanos nos projetos de colonização rural idealizados por arquitetos na Espanha e, sua confluência com o caso brasileiro. Ressalta-se que a implantação do instrumento de ocupação territorial através da colonização aconteceu em ambos os países no período de governos totalitários. Na Espanha, na era Franco (1936 - 1975) e no Brasil, na ditadura militar (1964 - 1988). Percebe-se nitidamente a adoção dos princípios modernistas em ambos os casos. Considera-se que em ambos os casos, no período de implantação dos projetos de colonização a expansão capitalista impunha uma lógica urbana para os espaços, mesmo que rurais e, nos casos apresentados, o modelo modernista serviu de referencia para a concretização deste processo, subjulgando e desconsiderando as formas espaciais construídas historicamente pelas sociedades camponesas, tanto no Brasil como na Espanha.

Palavras-chave: núcleos urbanos no campo, projetos de colonização, modernismo.

Abstract

This paper analyzes the spatial forms resulting from the implementation of urban centers in rural colonization projects designed by architects in Spain, and its influences in Brazil. It is noteworthy that territorial occupation through colonization happened in both countries from totalitarian governments. In Spain, Franco (1936 - 1975) and was in Brazil during the military dictatorship (1964-1988). It is considered that in both cases, the capitalist expansion imposed a logical urban to rural area, where the modernist model served as reference for the implementation of this process. Thus, disregarded spatial forms historically built by peasant societies, both in Brazil and Spain.

Keywords: urban centers in the country, colonization projects, modernism.

Introdução

Este artigo tem como preocupação a reflexão das formas espaciais decorrentes da implantação de núcleos urbanos nos projetos de colonização rural idealizados por arquitetos na Espanha e suas repercussões no Brasil. Ressalta-se que a implantação do instrumento de ocupação territorial através da colonização estudado neste artigo aconteceu em ambos os países no período de governos totalitários. Na Espanha, na era Franco (1936 - 1975) e no Brasil, na ditadura militar (1964 - 1988).

Busca-se na história espanhola um resgate das formas de se pensar a organização espacial do meio rural, principalmente após os impactos da revolução industrial atingirem as cidades. A demanda por alimentos e a consequente necessidade de disciplinar os camponeses aos novos paradigmas da produção agrícola levaram arquitetos e agrônomos a desenvolverem um amplo espectro de estudos sobre moradias rurais, povoados (pueblos), colônias agrícolas e fazendas, fato que gerou um rico conjunto de experiências.

Em ambos os países estudados, a demanda por terra, aliada a necessidade econômica vigente de modernização da agricultura vinculada a permanecia da estrutura agrária por setores conservadores da sociedade resultaram em ações mitigadoras de um processo amplo de reforma agrária, a começar pela Espanha. Assim sendo, os projetos de colonização se constituíram em soluções institucionais para se viabilizar uma integração nacional e a minimização de conflitos por terra, propiciando infraestrutura em áreas antes pouco povoadas objetivando a ampliação de processos produtivos no campo, sem, entretanto, ameaçar a lógica fundiária baseada nos latifúndios.

É considerado como base para as reflexões levantadas sobre a implantação dos pueblos que a sociedade urbana transforma progressivamente a vida agrária, seguindo uma tendência de urbanização global (LEFEBVRE, 1999). Nesta perspectiva, considera-se que no período de implantação dos projetos de colonização estudados a expansão capitalista impunha uma lógica urbana para os espaços, mesmo que rurais e, nos casos apresentados, o modelo modernista serviu de referencia para a concretização deste processo, subjulgando e desconsiderando as formas espaciais construídas historicamente pelas sociedades camponesas na Espanha.

O Caso Dos Pueblos de Colonizacion da Espanha

Um dos fatores mais importantes que interferiram na forma de se pensar a organização do espaço rural espanhol foi o conjunto de repercussões oriundas do processo de revolução industrial europeu. Segundo Monclús & Oyón (1988), na Espanha, as reflexões sobre as formas de se pensar o campo vieram após este processo já ter sido deflagrado na França e, principalmente na Inglaterra. Por esta razão, muitas das soluções adotadas nestes dois países foram utilizadas pelos espanhóis. As principais delas são a concepção das cidades jardim e a forma dos pavilhões para se organizar o espaço industrial.

De acordo com Panerai (1986), entre 1840 e 1901 a população de Londres se duplicou e a da grande Londres se triplicou. Na medida em que as atividades econômicas progrediam a população ia se deslocando para a periferia e, os avanços na organização dos transportes viabilizaram a moradia nos subúrbios. Neste contexto, abre-se um grande debate sobre Londres e sua relação com seu entorno e, acende-se o enaltecimento e admiração pelo campo. Howard publica em 1898 o livro “Garden Cities of Tomorrow” que, propõe um tipo de crescimento urbano baseado nas cidades jardim.
O modelo de Howard se materializa com a contribuição dos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker e, em 1904 surge Letchworth, a primeira cidade jardim.

A conturbada vida nos centros urbanos, com suas mazelas sociais, sujeira e mau cheiro, dentre outros aspectos negativos, eram contrastados com uma proposta de vida mais tranquila, limpa, ligada a natureza. A proposta previa que futuramente poderia se viver e trabalhar em locais com estas características, sem a necessidade do deslocamento, aumentando-se assim as vantagens da vida numa cidades jardim.

A codificação formal das cidades jardim se aplicou com constância em conjuntos residenciais de baixa densidade levantados nos arredores de cidades e, influenciou, mesmo que não imediatamente, a forma de se pensar os espaços rurais.

Esta afirmação é justificada pelo fato de que as cidades jardim subsidiaram e enalteceram a ideia de se morar e trabalhar no campo, não mais como um camponês “atrasado” e sim numa perspectiva de adaptação do campo para a nova forma de se viver nas cidades. Isto porque o aumento da produtividade ocorrido pelas indústrias nas cidades consistia numa demanda para a produção agrícola, principalmente porque o aumento populacional exigia do campo uma maior quantidade de insumos.

O alcance de maior produtividade agrícola só poderia ocorrer com as transformações nas relações de trabalho no campo e, consequentemente, da organização do espaço das fazendas.

Segundo Monclús & Oyón (1988), neste momento iniciou-se um processo de se pensar as fazendas para que adaptassem as demandas da época. Surgem, então, as fazendas experimentais que se constituíam em laboratórios de como se aperfeiçoar, sistematizar e ordenar a produção agrícola. O controle dos processos era fundamental, para tanto, os pátios com a concentração dos serviços eram implantados como um modelo de organização social. Além disso, começa a se inserir a ideia francesa dos pavilhões como forma de aperfeiçoar os processos produtivos. O objetivo era de se veicular através das fazendas experimentais novos comportamentos e condutas ideais para a época. A ruralidade, entretanto, ainda predominava nestes tipos de fazenda.

Posteriormente, afirmam os mesmos autores, perseguindo os processos que dessem conta de resolver os problemas sociais que se intensificavam nas cidades, foram criadas várias colônias agrícolas. Numa perspectiva utópica e conservadora, a família, a propriedade e a cooperação eram fundamentais para se delinear uma nova sociedade. As colônias, normalmente com ideologia católica, se propunham a serem palcos de uma reforma social, se constituindo em espaços de controle e correção de condutas errôneas. Neste caso, o público era as pessoas que não se adequavam as cidades por ações ou perspectivas não desejadas (presidiários, órfãos pobres, mendigos, adolescentes marginalizados, etc.). Assim como nas fazendas experimentais, o pátio era fundamental para o controle, agora dos colonos e, ainda neste momento, aspectos rurais se sobressaiam aos urbanos.

Seguindo-se um processo de valorização do campo, adaptando-o as demandas da elite do público urbano surgiram várias colônias agrícolas destinadas à educação interna e ao tratamento de saúde. Além disso, bairros de casas surgiam em torno de grandes fazendas com estrutura em forma de pavilhões, dando um aspecto de núcleo urbano industrial a estes conjuntos.

É importante destacar que o processo de dissolução do pátio central se constituiu no primeiro impacto das transformações com características urbanas em áreas rurais. Tais pátios, nas fazendas e em colônias agrícolas, serviam para o controle social, porém, no processo otimização do espaço em função da produção agrícola foram desaparecendo e, a partir daí se consolidando a implantação de edificações de uso múltiplo em forma de pavilhão. Assim, apropriação do campo pelos processos urbanos vai se consolidando, criando-se possibilidades para a implantação, na Espanha, dos pueblos de colonizacion.

Os pueblos de colonizacion, que se constituíram em núcleos urbanos implantados no campo espanhol para dar suporte à produção agrícola irrigada na política agrícola de Franco. Foram implantados por todo território espanhol entre 1945 e 1985, desenvolvendo-se e adaptando-se a partir do repertório existente nas experiências anteriores das colônias agrícolas e das fazendas experimentais e, de rupturas conceituais advindas de novas demandas organizacionais produtivas e formas modernistas de se estruturar espaços urbanos.

De acordo com Paredes & Maldonado (1990) foram projetados e implantados cerca de 300 pueblos no processo de colonização irrigada na Espanha no período Franco, estando mais de 70 arquitetos envolvidos neste contexto. Segundo os mesmos autores, este momento representou um capítulo significativo da história urbana e arquitetônica espanhola, já que além de serem testemunhas de um processo político onde o desenvolvimento rural foi priorizado com nuances diferenciadas, foram projetados por gerações de arquitetos diferentes que se utilizaram de um vasto repertório de referencias e possibilidades para suas experimentações.

O projeto de modernização do campo espanhol não tinha como meta a reestruturação agrária. Num primeiro momento teve o objetivo de frear o processo migratório para os centros urbanos, aumentando os postos de trabalho no campo e, posteriormente visava à alta produtividade agrícola, planejada e viabilizada a partir de infraestrutura de irrigação.

Para isso, concebiam-se novos pueblos como forma de moldar e controlar seu público alvo (fazendeiros, trabalhadores assalariados, colonos e pequenos produtores rurais), adaptando-o ao modelo capitalista de exploração agrícola daquele momento.

Da década de 1940 a aproximadamente meados da década de 1950 foram implantados vários pueblos com forte influência da estética pintoresca, onde havia uma preocupação com o efeito de cada edifício, grande variação de tipologias habitacionais, implantação de agrupamentos e praças dispostos a criar espaços aprazíveis e heterogêneos. Da mesma forma, foram implantados pueblos inspirados nas cidades jardim, com parques e vias de pedestres sombreadas e equipamentos reunidos em área central.

As igrejas eram objetos de muita reflexão para os arquitetos, visto sua relação de protagonismo com as praças principais. Existe implantada uma vasta variedade de concepções e resultados estéticos de igreja que acabaram por dar uma identidade a cada um dos recém construídos pueblos, segundo Paredes & Maldonado (1990).

Esta solução de enaltecimento de edifícios monumentais (mesmo na escala do pueblo) remete, assim, como as grandes ruas e vários tipos de praça, a estética barroca, pois, segundo Baeta (2010), a arquitetura tem a plena possibilidade se constituir num fator de apelo persuasivo. Destacando-se a necessidade de sedução dos recém implantados pueblos em relação a seu público alvo, principalmente no período inicial da política agrícola, quando a ideia era de se criar tais estruturas urbanas para diminuir a pressão demográfica nos grandes centros urbanos.

As moradias se constituíram num grande celeiro de reflexões sobre o modo de vida dos viventes na zona rural por parte dos arquitetos. Não se tratava de uma habitação nos moldes urbanos, deveria haver uma adaptação para se acomodar as atividades rurais que se faziam presentes nas moradias. Foi concebida uma grande variedade de modelos e programas habitacionais rurais, principalmente na década de 40, quando em cada pueblo haviam muitas tipologias habitacionais dando um aspecto mais heterogêneo para o conjunto, podendo-se, inclusive se verificar padrões de edificação que se utilizavam muito de detalhes e adereços, segundo Paredes & Maldonado (1990).

As concepções modernistas de habitação foram progressivamente se fazendo presentes após a II Guerra Mundial, principalmente a partir da segunda metade da década de 1950. A simplificação da forma-função, a homogeneização de padrões (uma única tipologia habitacional por pueblo) e a referência estético-funcional urbana se constituíram em suas principais características.

Além da tendência mundial de se aplicar o estilo modernista para recompor espaços arrasados pela guerra e assentar grandes contingentes populacionais , a adoção deste estilo de forma simplificada em seu conteúdo está diretamente ligada a perda de importância do projeto de regadio no contexto espanhol, fato que interferiu na quantidade de recursos a serem investidos na construção dos pueblos, gerando um empobrecimento do processo de se pensar o espaço rural espanhol, o que culminou no termino desta política na década de 1980.

Projetos de Colonização Brasileiros

Em geral, a ocupação do espaço rural brasileiro sempre esteve vinculada a interesses produtivos de elevado porte e a grandes propriedades.

No início do processo de colonização instalaram-se as fazendas de engenho. Estas eram compostas por casa-grande, senzala, casa do engenho e capela. Os engenhos se localizavam na região costeira do país, principalmente na Bahia e Pernambuco e destinavam-se a suprir os interesses da metrópole portuguesa.

Posteriormente vieram as poderosas fazendas de café que chegaram a ter edifícios bastante sofisticados e imponentes, possuidoras de arquiteturas ecléticas com grande influencia neoclássica, segundo Cruz (2010). Normalmente as casas grandes eram inseridas em pontos mais altos, porém com toda a estrutura produtiva em seu entorno, mostrando a priorização do setor produtivo em relação a estética da paisagem, seguindo, neste aspecto, o mesmo conceito das fazendas de engenho, de gado, de cacau e de borracha. O fator controle era o principal aspecto para justificar a implantação das casas grandes junto das áreas de beneficiamento, alojamento e produção em todos os casos citados.

Com a crise do café e a abolição da escravatura, incentivou-se um processo de colonização rural no Brasil. Germani (1993) divide este processo em três fases: a primeira, de 1822 até 1930, marcada pela imigração estrangeira, a segunda de 1930 a 1964, momento de grande disputa de ideias em relação à reforma agrária e, a terceira, após 1964, quando se instala o regime militar.

Quanto à imigração estrangeira, o aspecto fundamental, segundo Germani (1993) era de se impedir que a nação brasileira fosse constituída de cidadãos negros e mulatos. Desejava-se, segundo a autora, que esta fosse constituída de uma “raça nobre” para se viabilizar o desenvolvimento país.

Neste contexto, os negros libertos da escravidão ficaram sem opção de trabalho e grande parte dos imigrantes foi encaminhada para trabalhar nas fazendas de café. Houve, entretanto, um considerável percentual de imigrantes (suíços, alemães, italianos, dentre outros) que foi assentado em colônias agrícolas com o intuito de desenvolver áreas pouco povoadas com o conhecimento prévio que haviam adquirido em seus países de origem. Províncias e agenciadores incentivavam a imigração prometendo terra e prosperidade. Os imigrantes passaram por dificuldades no início do processo, sendo que muitos desistiram. Os que resistiram, em geral, se utilizaram dos próprios recursos para desenvolver as terras que tiveram acesso.

Na segunda fase, em meio ao debate acirrado pela viabilidade ou não da reforma agrária, foram implantadas algumas colônias agrícolas onde se destacava a pouca assistência do Estado em relação aos colonos.

Na terceira fase, as ideias mais representativas elaboradas para subsidiar o processo de colonização rural dirigido exclusivamente pelo Estado brasileiro aconteceram a partir de 1970, no duro Governo Médici. Estas, segundo Germani (1993) objetivavam subsidiar uma política nacional de base geopolítica, além, de abrir divisas para a expansão do capitalismo, tanto agrícola como industrial e de mineração na região Amazônica. Os projetos de colonização de maior importância e envergadura foram implantados nas margens da recém construída BR 230, a rodovia Transamazônica.

Uma publicação de 1973 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma redigida pelo arquiteto José Geraldo da Cunha Camargo se constitui no documento básico para se entender todo o processo de concepção inicial das formas espaciais produzidas nos projetos de colonização.

O autor explicita em seu texto sua grande experiência na implantação de colônias agrícolas na segunda fase de colonização rural brasileira (de 1930 a 1964). Ele, no início do texto sinaliza sua opinião de que tais colônias sofriam evasão não dos que não conseguiam se desenvolver nelas, mas, justamente dos que conseguiam acumular recursos para se mudar para as cidades. Esta, segundo o autor, se constituía no lócus de múltiplas possibilidades e de desenvolvimento. O campo, ao contrário, era o local da ignorância e do atraso tecnológico. Era necessário, então, levar os elementos da estrutura urbana para os projetos de colonização, permitindo, assim, possibilidades de desenvolvimento para os mesmos.

Este arquiteto foi responsável pela transposição das ideias urbanísticas e arquitetônicas de colonização ocorridas em outras partes do mundo, para o Brasil. Verifica-se uma grande proximidade dos modelos teóricos elaborados por ele aos estudados por esta autora nas publicações espanholas que tratam da análise do planejamento dos pueblos de colonizacion.

O conceito em que Camargo apoiou sua proposta foi o de urbanismo rural que, segundo ele, baseava-se no planejamento integrado, considerando-se elementos da área social, econômica e física do meio rural. Assim como na Espanha, determinavam-se zoneamentos, destinavam-se usos, dimensionavam-se áreas tendo em vista os recursos necessários para criar e promover o desenvolvimento.

As áreas deveriam ganhar autonomia econômica gerando uma espécie de rede urbano-rural autossustentável socioeconomicamente. Para tanto, deveria haver um controle social dos que iriam ocupar os espaços propostos. Como parte deste controle social para garantia do “sucesso” dos empreendimentos, estipulou-se que pessoas com pouca instrução e recursos deveriam ser contratadas para trabalhar, sem o direito a terra. Estas receberiam uma casa em uma agrovila com um terreno suficiente somente para a sua produção de subsistência. O que se objetivava era a ocupação para fins de desenvolvimento e modernização econômica.

O planejamento era o grande norteador deste processo assumindo o protagonismo das ações governamentais. Neste contexto, pensava-se na construção de comunidades onde o coletivo prevalecesse sobre o individual. Elementos culturais característicos, tais como religião e hábitos, deveriam ser diluídos para a formação de uma novo grupo social que desse conta da proposta elaborada. Uma grande utopia.

Apesar da experiência e conhecimento técnico e histórico do arquiteto, não se conhece exemplos de projetos de colonização deste período que tenha tido êxito. As formas espaciais elaboradas pelo arquiteto foram implantadas e podem ser visualizadas in loco, porém, suas funções foram completamente alteradas. Grande parte dos núcleos urbanos projetados neste peíodo se transformou em sede municipal, mas, com alto grau de carência econômica, social e de infraestrutura. A prosperidade advinda da produção agrícola não se concretizou e, a degradação ambiental desenfreada é uma consequência deste processo.

Confluências entre as Formas Espaciais Produzidas na Espanha e os Projetos de Colonização Brasileiros

Os espaços rurais, tais como fazendas, colônias e moradias, não foram amplamente debatidos na sociedade brasileira como na Espanha. O processo periférico de industrialização do país conjugado pela rígida concentração fundiária impediu tal processo. Até meados do século XX o campo brasileiro tinha como principais gestores, oligarquias conservadoras com forte poder político.

Por conta desta questão, as formas espaciais das fazendas brasileiras se baseavam numa centralidade em relação a casa grande que, cumpria uma papel semelhante aos pátios das fazendas e colônias espanholas: a do controle.

A ideia de modernização agrícola foi sendo implantada gradualmente no campo espanhol, com objetivos distintos, chegando-se já em 1933, no concurso da OPER, a se delinear núcleos urbanos extremamente arrojados para a época, já com o envolvimento de arquitetos nos projetos de concepção. Pouco antes, grandes fazendas com pavilhões foram implantadas e em seu entorno existiam verdadeiros bairros de trabalhadores assalariados, lembrando conjuntos industriais.

No Brasil, neste mesmo período, o processo de colonização agrícola foi deflagrado pelo assentamento de imigrantes de forma pouco estruturada, porém, com o objetivo de se desenvolver os processos agrícolas a partir de experiências externas, excluindo-se dos negros libertos a possibilidade de acesso a terra. Não houve uma intervenção consistente do Estado e nem de setores privados para a geração de infraestrutura produtiva e habitacional. Os poucos arquitetos existentes no país se dedicavam as necessidades no meio urbano.

O processo de modernização e aumento da produtividade agrícola do campo espanhol regido por Franco, a partir da década de 1940, teve como principal característica o planejamento e o controle estatal. Era a partir das potencialidades e limitações produtivas de cada região espanhola que se demandava a necessidade de constituição de um pueblo, que era elemento fundamental, pois, tinha função de criar uma dinâmica urbana ao cotidiano rural, neutralizando as formas tradicionais de cada região.

As formas urbanas e arquitetônicas eram muito bem concebidas já que muitos arquitetos se dedicaram a pensar estes espaços. Pode-se dizer que no período inicial os projetos tinham um grau de complexidade maior, com uma grande variedade de tipologias habitacionais e referências estilísticas por pueblo, fato que dava um aspecto mais particular a cada conjunto. Após a II Guerra Mundial, a tendência foi da adoção do estilo modernista empobrecido, com grande tendência a simplificação das formas e homogeneização estética.

No Brasil, somente com o Regime Militar inicia-se um processo de planejamento estatal para áreas rurais que, em sua estrutura de poder, muito se assemelha ao modelo espanhol. Ambos os governos totalitários encontraram nos projetos de colonização uma forma de modernizar o campo sem alterar a estrutura fundiária e minimizar conflitos agrários.

Com um modelo periférico e tardio de colonização, o Brasil assimilou muitas ideias advindas de experiências externas, porém, a ideologia modernista simplificada, próxima a ultima e decadente fase dos pueblos espanhóis prevaleceram, com qualidade muito inferior. Além disso, a infraestrutura produtiva, que na Espanha se deu em forma dos projetos de irrigação, não foi implantado no Brasil, tendo como resultado final o fracasso do projeto como um todo.

Percebe-se nos traçados urbanos brasileiros uma tipologia padrão, com formas geométricas e simétricas. Grandes avenidas com praças de funções diversas inseridas em seus canteiros centrais eram uma constante nos projetos. As tipologias das casas não variavam por agrovila e nem se considerava as demandas rurais, fato que não ocorreu na Espanha já que foi deflagrado lá um amplo debate sobre as moradias rurais com uma rica variedade de modelos adaptados.

Na Espanha, as praças e seus edifícios eram bem elaborados pelos arquitetos dando, muitas vezes, identidade ao pueblo recém construído. A igreja era o edifício de maior destaque neste contexto. No Brasil as praças serviam muito mais como o lócus do centro administrativo sendo, também pensadas para a realização de atividades de lazer e sociabilização. As igrejas foram substituídas por templos ecumênicos e possuíam uma arquitetura pouco elaborada e de fraca identidade.

A confluência principal entre a proposta dos pueblos e dos núcleos urbanos dos projetos de colonização está no fato de se adotar num momento temporal muito próximo (após a II Guerra Mundial) o estilo modernista como forma de se materializar a proposta de se implantar estrutura urbana em área rural, buscando-se reproduzir e manter o processo de urbanização como forma de se viabilizar o processo de modernização agrícola.

Apesar do fracasso da proposta brasileira ter sido de grande dimensão devido não só pela inadequação desta, mas, pela sua má execução. O caso espanhol, segundo Paredes & Maldonado (1990) não demonstra, também, êxito. Muitos pueblos se encontram vazios, mesmo com sua implantação completa. Isto porque o aumento da produtividade agrícola não aconteceu sob o modelo planejado demonstrando a ineficiência da estrutura da proposta, fato que não dependeu dos estudos, projetos e planos amplamente estudados e experimentados pelos arquitetos. Mas, porque, segundo Oliveira (2001), a política agrária tanto espanhola quando brasileira encontrou obstáculos para enfrentar as grandes questões estruturais, permanecendo atada a mecanismos setorizados e conjunturais, já que as possibilidades de transformação foram gradativamente sendo amaciadas e substituídas por outras, alinhadas com os interesses hegemônicos e de novas perspectivas que se abriam para estes.

Considerações Finais

Afirmando-se que houve um processo de empobrecimento e banalização das ideias modernistas, além de sua inadequação estrutural para a realidade contemporânea já que, segundo Asher (2010), o urbanismo moderno definia um programa de longo prazo aplicando princípios de organização espacial sem considerar que o futuro é incerto. Entende-se como lacuna a reflexão mais aprofundada sobre a confluência do modernismo no processo de planejamento espacial tanto dos pueblos (em sua ultima fase) quanto dos núcleos urbanos dos projetos de colonização brasileiros.

Secchi (2009), quando afirma que a cidade do século vinte é o conjunto estratificado e heterogêneo do passado e do presente sobrepostos, justapostos e misturados entre si, consegue sintetizar o que se buscava na pesquisa proposta. Mostrar as origens dos processos de modernização do campo através de suas formas espaciais e levantar o questionamento de como estas se entrelaçam e formam os espaços produzidos nos projetos de colonização brasileiros.

Diante desta consideração e, do que se pode refletir a partir das pesquisas levantadas, conclui-se que o processo de industrialização e suas consequências nas cidades remeteram ao campo novas necessidades, sendo a principal delas, o aumento da produtividade agrícola. Neste contexto, o século XX assistiu estratégias de inserção de valores e dinâmicas urbanas ao espaço rural, tais como a construção de núcleos urbanos de colonização como forma de controle e viabilização dos processos produtivos. No Brasil e na Espanha, apesar das múltiplas diferenças que torna cada um como algo único, tais núcleos confluíram num importante aspecto: o modernismo. Este se configurou como um importante instrumento estatal para impor formas espaciais adaptadas ao interesse produtivista no campo, tanto pela característica totalitária dos governos, quanto por seus princípios (objetivamente elencados por Asher, 2010), tais como, a simplificação e repetição de funções urbanas destinadas a interesses específicos e a busca por resultados na economia de escala.

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