Resumo

Aracaju, capital do Estado de Sergipe, tem sido alvo de intervenções dos setores público e privado para construção de empreendimentos residenciais pelo Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, lançado em 2009 pelo Governo Federal. O objetivo era oferecer condições de ampliação do mercado imobiliário e atender famílias com renda de até 10 salários mínimos, na tentativa de reduzir o déficit habitacional do país. Entretanto, um dos maiores entraves é a questão da terra urbanizada que, de acordo com o capital imobiliário encarece o produto, tendo como alternativa a ocupação de áreas distantes, desvalorizadas e ausentes de infraestrutura. Assim, este artigo busca avaliar a implantação do PMCMV em Aracaju, e as dinâmicas que caracterizam a produção dos conjuntos habitacionais em direção aos limites municipais, em bairros sem oferta de infraestrutura e serviços públicos e com baixo valor da terra. O resultado é a busca pela valorização fundiária em função dos investimentos públicos e privados, além da incorporação de novos produtos do mercado imobiliário, como a disseminação da tipologia apartamento, em bairros antes caracterizados pela moradia horizontal e lotes vazios. Destaca-se a exclusão social e territorial resultantes, quando se verifica o pequeno número de empreendimentos destinados ao segmento de baixa renda (0 a 3 salários mínimos), equivalendo à apenas 13,11% do total das moradias entregues até 2013 pelo programa; porém, 84,09% do déficit habitacional de Aracaju estão concentrados na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos. Verifica-se o incentivo aos novos produtos imobiliários, sobretudo criando novos “bairros” sem oferta de infraestrutura e serviços públicos, com impactos na mobilidade urbana, agravando a exclusão socioespacial, proveniente do financiamento de moradias na franja urbana periférica. Isso é resultado da ausência de planejamento urbano e da implementação dos instrumentos de controle da especulação fundiária.

Palavras-chave: Programa Minha Casa Minha Vida, políticas públicas, habitação, mercado imobiliário

Abstract

Aracaju, capital of the state of Sergipe, has been the target of interventions in the public and private sectors for the construction of residential projects by the Programme My Life My House (Minha Casa Minha Vida – PMCMV) launched in 2009 as part of the Growth Acceleration Programme (Programa de Aceleração do Crescimento – PAC) implemented by the Federal Government. The goal was to provide conditions for expanding the housing market and cater for families with incomes up to 10 minimum national wages, in an attempt to reduce the housing deficit existing in the contry. However, one of the greatest obstacles is the issue regarding urbanized land which makes the product more expensive and as an alternative fosters the occupation of distant, devalued areas lacking infrastructure. Thereby, this article aims to assessing the implementation of the PMCMV in Aracaju, and the dynamics that characterize the production of urban space towards municipal limits in neighborhoods without provision of infrastructure and public services and low land value. The result is the pursuit of land values ​​in terms of public and private investments, besides the incorporation of new products in the housing market, like the dissemination of bachelor apartments in neighborhoods, once characterized by horizontal and empty housing lots. The social and territorial exclusion, when considered the small number (13.11%) of residential projects aimed at serving the low-income segment (0-3 National minimum wages), while 84.09% of the housing deficit in Aracaju is concentrated within that wage range. Thus, there is the incentive to new real estate products, especially creating new districts without provision of infrastructure and public services, with impact on urban mobility, worsening socio exclusion from the housing financing in peripheral urban fringe. This is a result of the lack of urban planning and of implementation of the control instruments of land speculation.

Keywords: Program Minha Casa Minha Vida, public policies, housing, housing market

Introdução

No Brasil, o direito à terra e à moradia adequada é garantido desde 1988 pela Constituição Federal, através dos artigos n°182 e 183, e reafirmado em 2001, pelo Estatuto da Cidade, em seu artigo 2°, devendo este ser promovido e protegido nas cidades através dos seus Planos Diretores e concretizado por meio de implementação de políticas públicas e normatizações. Entretanto, a concretização deste direito ainda é um sonho distante da realidade.

A partir de 2000, com a injeção de financiamentos de bancos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, e federais, como a CAIXA, e sobretudo em 2007, com o lançamento de programas habitacionais como o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, o mercado privado se viu atraído para seguir o eixo da produção habitacional voltada para o segmento econômico.

Em Aracaju, o cenário da produção habitacional de forma dispersa e fragmentada na periferia urbana, mostra a participação ativa e privilegiada dos agentes imobiliários e efetivação dos seus interesses, na condução do processo de expansão da cidade. O Estado abandonou seu papel de protagonista na promoção da moradia, para tornar-se mediador, viabilizador e parceiro do setor imobiliário, especialmente na escolha de locais de implantação dos empreendimentos, como sucede no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV (CARDOSO, et all, 2013).

Diante disso, a tentativa desse artigo é de discutir os primeiros resultados da implantação do PMCMV em Aracaju, bem como dinâmicas que caracterizam a atual produção dos conjuntos habitacionais em direção aos limites municipais, em bairros sem oferta de infraestrutura e serviços públicos e com baixo valor da terra

Para realização deste artigo foram realizados levantamento bibliográfico e documental através de pesquisa em órgãos públicos, informações sobre empreendimentos, visitas ao local, bem como elaboração de tabelas e cartogramas, que traduzem espacialmente, a inserção desses empreendimentos habitacionais no tecido urbano de Aracaju.

Aracaju no contexto da produção habitacional

Aracaju situa-se na porção leste do Estado de Sergipe, com uma área de 182 Km^2^ que ocupa 0,79% do território sergipano e abriga 614.577 habitantes, conforme estimativas do IBGE para 2013 (Fig. 1).

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Figura 1.Localização do Estado de Sergipe e Aracaju. Fonte: IBGE, Editado por Sarah França, 2011.

O seu crescimento se caracterizou pela materialização da desigualdade sócio-espacial consequente da ação dos atores, a partir de novas concepções sobre o papel do Estado e da indústria imobiliária. A exclusão social traduziu-se pela ocupação informal nos loteamentos precários, o que levou o poder público a planejar políticas habitacionais e de provisão de infraestrutura. Por outro lado, a proliferação dos produtos imobiliários acirraram cada vez mais o cenário de segregação sócioespacial.

Após 1964, a implementação do Banco Nacional de Habitação – BNH foi uma alternativa para promoção da moradia de interesse social, embora não tenha atingido resultados satisfatórios. Numa fase posterior, a COHAB – Companhia Estadual de Habitação permitiu a construção de conjuntos habitacionais dispersos (20.579 unidades habitacionais entre 1968 e 2002), como Bugio e Santa Tereza, Governador Augusto Franco, no bairro Farolândia e Jornalista Orlando Dantas, no bairro São Conrado.

Outro órgão responsável pela produção habitacional foi o INOCOOP, também com financiamento do BNH, construiu 5.956 moradias em diversos bairros entre 1970 e 2003. Dentre esses, destacaram-se os Conjuntos Sol Nascente e Juscelino Kubitschek, responsáveis pela dinamização do bairro Jabotiana, e os Conjuntos Inácio Barbosa e Beira Rio, norteadores do crescimento e valorização do bairro Inácio Barbosa (FAPESE/SEPLAN, 2010).

A implementação desse programa trouxe um grande contingente populacional para a capital, na esperança de “ganhar uma casa” e na tentativa de aliar habitação e emprego, o que nem sempre ocorreu (FRANÇA, 1999). Aqueles que não foram contemplados, sem lugar pra morar, ocuparam terrenos vazios, loteamentos irregulares, locais sem oferta de infraestrutura e áreas ambientalmente frágeis. O entorno desses conjuntos habitacionais também foi utilizado, com o objetivo de criar formas de pressão sobre o governo para a obtenção da casa própria.

Diante do excludente panorama do mercado formal de moradias, recorrente do recuo das políticas do Estado, nos últimos 30 anos, o quadro de precariedade se alargou. O resultado foi a crescente ocupação informal em loteamentos periféricos, nos bairros Olaria, São Conrado, Santos Dumont, Coroa do Meio, Coqueiral, Santa Maria, que agravou o cenário de dispersão urbana. Distante do centro urbanizado, essas casas foram construídas em etapas, no sistema de mutirão, sem acompanhamento técnico de engenharia e arquitetura, sem financiamento e desrespeitando a legislação fundiária, urbanística e edilícia.

O adensamento, o incremento do valor fundiário, a escassez de terras urbanizadas, o empobrecimento da população, a mobilidade social descendente e os movimentos intraurbanos associados à dificuldade de acesso ao mercado imobiliário formal foram fatores importantes, relacionados ao brusco avanço no número de assentamentos precários em Aracaju.

De fato, esses problemas decorreram da falta de políticas habitacionais municipais, da aplicação de instrumentos urbanísticos, institucionais, financeiros e outros, que poderiam ser articulados com ações e políticas adotadas de forma participativa. Aliás, a fragilidade legislativa que garantem o direto à cidade, conforme preconizou a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade em 2001, influenciou e ainda influencia a formação de inúmeros assentamentos precários.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju, promulgado em 2000, definiu diretrizes para política habitacional, a fim de garantir o acesso de todos à moradia digna através de processos democráticos, bem como assegurar a reserva de Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS para o inserção de empreendimentos habitacionais, embora isso não tenha sido difundido ao longo desses anos.

As primeiras iniciativas da gestão municipal após a aprovação do Plano Diretor, se voltaram para a adoção de políticas habitacionais e de provisão de infraestrutura. Elaborado em 2001, o Plano de Erradicação de Moradias Subnormais – PEMAS, identificou 23.751 moradias distribuídas em 72 assentamentos irregulares, seja do ponto de vista jurídico (posse da terra), quanto do urbanístico (carência de infraestrutura e serviços) (PMA/SEPLAN, 2001).

Nesse estudo, contabilizou-se 1.056 domicílios situados em áreas de risco, concentrados na antiga Terra Dura, Porto Dantas, Santos Dumont, Cidade Nova e Soledade. 3.186 moradias estavam em área de preservação ou pública, grande parte às margens de mangues, lagoas ou rios, como na Coroa do Meio, Santos Dumont, Jardim Centenário e São Conrado. Por fim, 10.380 domicílios necessitavam de melhorias habitacionais e urbanas, como infraestrutura, localizados na Coroa do Meio, na Terra Dura, no Porto Dantas (PMA/SEPLAN, 2001), que viriam a ser definidas como áreas prioritárias. A partir desse diagnóstico, um conjunto de ações e projetos de recuperação dessas áreas precárias proporcionou novos rumos à cidade.

Um dos primeiros projetos de urbanização de favelas, do Programa Moradia Cidadã, componente do Programa Nacional HabitarBrasil/BID, prometeu retirar da precariedade famílias com renda de até três salários mínimos. Considerado um marco na política habitacional municipal1, tinha o intuito de integrar as ocupações irregulares à cidade, garantindo a segurança da posse, tratando questões socioeconômicas, ambientais e urbanísticas. A primeira intervenção foi no bairro Coroa do Meio (Loteamento Jardim Atlântico), seguidos do Santa Maria (Ocupações do Arrozal e do Canal Santa Maria) e, mais recentemente, Porto Dantas, no Coqueiral (Fig.2).

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Aracaju_AEIS.jpg{width=”5.989583333333333in” height=”8.677083333333334in”}

Figura 2. Políticas Habitacionais, Aracaju, 1964 a 2012. Fonte: PMA/SEPLAN, 2014

O Projeto Integrado de Urbanização da Coroa do Meio, um dos maiores destaques, teve como premissa elevar o padrão da qualidade de vida da população, de forma integrada no âmbito social, ambiental, fundiário. Para isso, foram erradicadas 652 palafitas, com a construção de moradias no próprio local, beneficiando cerca de 3.050 famílias. O realização do trabalho social junto à comunidade no acompanhamento e gestão do projeto, proporcionou não apenas moradia digna e legalizada, mas a ressocialização dos moradores e integralização para manutenção com a área (PMA/SEPLAN, 2014).

Outra intervenção de grande impacto social, urbano e ambiental, o Projeto Bairro 17 de Março foi implementado na Zona de Expansão Urbana, que recebeu 2.012 famílias residentes das áreas precárias do bairro Santa Maria. A construção deste novo bairro resultou em 2.562 unidades habitacionais, sendo 2.042 casas e 480 apartamentos, além da implantação de toda infraestrutura urbana, e áreas reservadas para comércios e serviços necessários (FRANÇA, 2011) (Fig. 2).

O Projeto de Urbanização da “Invasão” do Coqueiral teve como objetivo a melhoria das condições de habitabilidade em ocupações irregulares dos bairros Porto Dantas e Japãozinho, cujas intervenções se relacionavam à construção de 600 unidades habitacionais, regularização fundiária, e dotação de infraestrutura com financiamento do Programa Habitar Brasil BID. Além disso, foram construídas 369 moradias pelo Programa Minha Casa Minha Vida, para reassentar famílias removidas das áreas de risco, insalubridade ou construções precárias (PMA/SEPLAN, 2014) (Fig.2).

Outra estratégia foi o Programa de Arrendamento Residencial - PAR, criado em 2001, pelo Governo Federal para contribuir na diminuição do déficit habitacional entre as classes mais carentes da sociedade (Lei Federal n°10.188/2001). Essa estratégia funcionou mediante participação da Prefeitura Municipal (seleciona os beneficiados), CAIXA (financiador), construtoras (executa as obras construção das casas e infraestrutura) e Ministério das Cidades (repasse de verbas).

A adesão a esse programa resultou na construção de 8.560 habitações (entre casas e apartamentos) em Aracaju, destinados à classe média baixa e distribuídos em 36 empreendimentos situados nas zonas norte, oeste e sul (CAIXA, 2010). A concentração dessas unidades gerou a necessidade da adequação de serviços públicos e de saneamento básico a fim de atender a nova demanda. Bairros como Jabotiana, Lamarão, Farolândia, Aeroporto e Zona de Expansão tornaram-se alvo desse programa e deveriam ser considerados no momento do planejamento de novas ações, tendo em vista novos níveis de adensamento (FRANÇA, 2011) (Fig. 2).

Esses projetos habitacionais elaborados pela Prefeitura Municipal resultaram na construção de 14.674 moradias entregues de 2001 a 2012. Destacaram-se não somente pelas obras, mas também pelo enfoque nos aspectos da urbanização e do ambiental, com acompanhamento social, planejamento da mobilidade das famílias e organização destas no local do projeto. Outro elemento positivo foi a recuperação ambiental de áreas degradas, como o manguezal dos bairros Coroa do Meio e Santa Maria, com o plantio de mudas de árvores no Morro do Avião (Tabela 1).

Tabela 1. Programas Habitacionais da Gestão Municipal, Aracaju, 2000-2013. Fonte: Elaboração da autora, com dados coletados na SEPLAN, 2013.

Projeto Número de Unidades Habitacionais ————— ————————————– Coroa do Meio 652 Santa Maria 1.900 Porto Dantas 600 Lamarão 410 17 de Março 2.562 PAR 8.560 Total 14.674

Contudo, ainda que a Prefeitura Municipal venha atuando na promoção de moradia de interesse social, em 2010, o Plano de Habitação de Interesse Social de Aracaju, registrou um déficit habitacional de 20.851 unidades (distribuídos em 44 assentamentos), apontando uma redução de 13,3% em relação à 2001 (23.751 moradias precárias) (FAPESE/PMA, 2010). Entretanto, considerando o número de unidades habitacionais produzidas, o déficit sofreu uma pequena queda, podendo-se inferir que as moradias construídas não foram direcionadas às famílias de baixa renda.

O déficit habitacional espelha a quantidade de moradias que devem ser construídas para suprir as necessidades decorrentes. Em 2010, Aracaju dispunha de 3.915 habitações em situação precária e 1.024 improvisadas, 9.398 correspondiam às coabitações e 6.514 com ônus excessivo de aluguel. Essa soma resultou 20.851 moradias, sendo 19.955 provenientes de famílias com rendimentos entre 0 a 3 SM, o que correspondeu à 12,6% do total de domicílios do município (FAPESE/PMA, 2010).

Diante disso, constata-se que é grande a carência por habitação em Aracaju, assim como a necessidade de dotação de infraestrutura nos assentamentos precários, especialmente para o atendimento daquelas categorias de renda mais baixa que não conseguem se inserir em programas que comprometem parte do salário familiar.

O Programa Mınha Casa Mınha Vıda em Aracaju: do Discurso à Realidade

Em março de 2009, o Programa de Arrendamento Residencial – PAR foi substituído pelo Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV (Lei Federal n°11.977/2009), criado pelo Governo Federal como estratégia de impulsionar a economia do país e garantir condições de ampliação do acesso ao mercado habitacional, para atendimento das famílias com renda de até 10 salários mínimos (SM). O financiamento de novas moradias dá-se através de parceria entre construtoras e o setor público, através da União, CAIXA e Prefeitura Municipal.

A Prefeitura Municipal de Aracaju aderiu ao Programa Minha Casa Minha Vida em 30/04/2009, com o pronunciamento do então Prefeito Edvaldo Nogueira, afirmando que “o projeto vai contribuir para a redução do déficit habitacional de Aracaju e aumentará o investimento na construção civil e na geração de emprego2. O detalhe era que a construção das moradias seria executada diretamente através das construtoras, permitindo celeridade às obras, sem as limitações e burocracias do poder público. O objetivo era, complementarmente, alavancar o setor da construção civil em meio à crise econômica que assolava o país.

O Programa se divide em dois eixos de atendimento: faixa de renda entre 0 a 3 salários mínimos por família (denominada de interesse social), com subsídios do orçamento da União; e entre 3 a 10 SM por família (mercado “popular” ou “econômico”), com recursos provenientes do FGTS. Aracaju oferece empreendimentos para esses dois eixos, embora a oferta de moradia esteja inversamente proporcional à demanda necessária para diminuir o déficit habitacional (95,70% correspondem à faixa de renda de 0 a 3 SM).

Na faixa de rendimento de 0 a 3 SM houve uma produção de apenas 2 empreendimentos, localizados em bairros periféricos, sendo seu entorno caracterizado por grandes vazios e precária infraestrutura. Essa produção soma 650 moradias, com mais 612 unidades habitacionais em análise de projeto pela CAIXA, totalizando 1.262 casas (Tabela 2).

Tabela 2. Aracaju: Distribuição das Unidades Habitacionais por Faixas de Renda – PMCMV, 2009 a 2013. Fonte: FAPESE/PMA,2010

                                 **Até 3 SM**   **De 3 a 10 SM**   **Total**   ---------------------------------- -------------- ------------------ -----------   Número de Unidades Habitacionais   1.262          8.196              **9.458**

O primeiro empreendimento do PMCMV, o Residencial Jardim Santa Maria, foi entregue em novembro de 2011, no bairro Santa Maria, com condições de infraestrutura insuficiente e fora do tecido urbano, com entorno cercado de grandes glebas. Conta com 281 casas dotadas de dois quartos, sala, banheiro, cozinha e área de serviço, com adequação para pessoas portadores de necessidades especiais.

Já o Residencial Jaime Norberto Silva, localizado no bairro Porto Dantas, apresenta tipologia residencial verticalizada, composto por 18 blocos com 360 apartamentos e também por 9 casas para pessoas com necessidades especiais. Está inserido na franja periférica, tendo em seu entorno terrenos vazios somados à infraestrutura deficiente (Fig.3).

{width=”5.864583333333333in” height=”1.375in”} —————————————————————————————————————————————- Figura 3. Residencial Jaime Norberto Silva e o entorno grandes lotes, sua inserção na franja periférica. Fonte: Sarah França, dez/2013

Diante disso, verifica-se que Aracaju apresenta uma peculiaridade. A pequena quantidade de empreendimentos voltados para a faixa de 0 a 3 SM, demonstra a dificuldade no acesso à terra urbanizada para a produção de habitação de interesse social, frente à grande demanda de terra para as faixas de 3 a 10 SM. A hipótese é de que o principal entrave se encontra na característica do mercado imobiliário local e na rentabilidade maior para os empreendimentos destinados à classes econômicas maiores.

Outro fator se deve às facilidades institucionais e legislativas que agilizam a implementação desses empreendimentos. Em dezembro de 2009, foi promulgada a Lei Municipal n°93, que estabeleceu critérios relativos à definição das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS vinculadas ao PMCMV. Entretanto, apesar de flexibilizar a legislação para os empreendimentos localizados nas ZEIS definidas no Plano Diretor de Aracaju, isso não foi suficiente para incentivar o mercado imobiliário a construir moradias nessas localidades.

Aquelas famílias que recebem de 3 a 10 SM encontram uma oferta de moradias muito superior: em 67 empreendimentos construídos, resultando 8.196 unidades habitacionais espalhados por todo o tecido urbano.

No total foram construídos 71 empreendimentos entre 2009 e 2013, numa soma de 9.458 unidades habitacionais, cujos empreendimentos estão localizados sobretudo em bairros da porção norte, oeste e sul, como Zona de Expansão Urbana e Jabotiana. que somam 5.427 moradias correspondendo, a 57,38% da produção total em Aracaju (Fig. 4 e Tabela 3).

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Figura 4. Programa Minha Casa Minha Vida, 2009 a 2013. Fonte: Elaboração da autora, 2014, Dados CAIXA, 2013.

Tabela 3. Aracaju, Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida por Bairros, 2009-2013. Fonte: Elaboração da autora, com dados coletados na CAIXA, 2013

Bairro N° de Unidades Habitacionais % Do Total —————— ———————————- —————- Zona de Expansão 1.540 16,28 Industrial 155 1,64 18 do Forte 108 1,14 Jabotiana 3.887 41,10 Aeroporto 198 2,09 Santo Antônio 528 5,58 Inácio Barbosa 120 1,27 Santos Dumont 226 2,39 Olaria 608 6,42 Soledade 240 2,54 Santa Maria 597 6,31 Porto Dantas 837 8,84 São Conrado 176 1,86 Sem Definição 238 2,52 Total Geral 9.458 100,00%

O PMCMV proporcionou ao mercado a livre escolha da localização dos empreendimentos, em um cenário de ausência de instrumentos de controle do valor da terra. Isso proporcionou a atenuação da periferização da produção habitacional, que ocorreu intensamente nos bairros Jabotiana e na Zona de Expansão Urbana, áreas de maior crescimento imobiliário nos últimos anos.

Nessas localidades, principalmente no bairro Jabotiana, na zona oeste de Aracaju, a concentração de empreendimentos do PMCMV na faixa de 3 a 10 SM deu-se de forma contínua, sendo localizados próximos uns aos outros, potencializando os impactos da transformação no espaço urbano, em que o uso residencial predominantemente horizontal dá lugar ao processo de verticalização da moradia.

Esses empreendimentos são de tipologia fechada, em que os condomínios são enclaves fortificados, conforme denomina Caldeira (2000), reproduzindo com especificidades, efeitos negativos na sociedade, refletidos no espaço segregado. Os condomínios foram constituídos com mais de 2 torres e um maior número de apartamentos, de 2 e 3 quartos de até 80 metros quadrados, com oferta de infraestrutura interna de um clube privativo (Fig. 5, 6 e 7).

Figura 5 e 6{width=”5.84375in” height=”3.0520833333333335in”}
———————————————————————————————————————————————————————- ———————————————————————————————————————————————————————————————————————————— Figura 5. Imagem Satélite Bairro Jabotiana em 2003 – Ocupação predominantemente horizontal. Fonte: Google Earth, 2013, com modificações por Sarah França, dez/2013. Figura 6. Imagem Satélite Bairro Jabotiana em 2013 – Ocupação verticalizada no entorno do Cemitério Colina da Saudade, e às margens do Conj. Santa Lúcia. Fonte: Google Earth, 2013, com modificações por Sarah França, dez/2013. Description: DSC01794.JPG{width=”5.96875in” height=”1.8020833333333333in”}
Figura 7. Bairro Jabotiana. Fonte: Sarah França, dez/2013

Além disso, constata-se a valorização da terra em bairros antes pouco visados pelo mercado, como o Santo Antônio e Olaria, em função dos investimentos públicos, contribuindo para a produção de novas periferias, onde a expansão, fragmentação e segregação sócioespacial tornam-se constantes. Os terrenos de melhor localização são objeto de lançamentos imobiliários voltados para segmentos de renda mais elevada, fora do PMCMV, ou então ao aguardo do crescente aumento da mais-valia fundiária.

Cabe observar, que o acesso à moradia instituída pela Política Nacional de Habitação - PNH, relaciona-se com a ampliação do acesso a terra urbana, com infraestrutura e serviços, garantindo o uso social do espaço e combatendo a especulação imobiliária através da implementação dos instrumentos urbanísticos de regulamentação do mercado para promoção de moradia de interesse social.

Sobre a oferta de infraestrutura, há que se considerar que, por estarem localizados afastados do núcleo urbano, o nível destes serviços não é satisfatório. Há alguns casos, como no bairro Jabotiana e Zona de Expansão, em que a ausência de saneamento básico (esgotamento sanitário e drenagem urbana) é fortemente contrastada pelo grande número de unidades habitacionais espalhados, intercalados com glebas vazias ao aguardo da valorização da terra.

Paralelamente, essa inserção dispersa dos empreendimentos do PMCMV em Aracaju também acarreta sérios impactos no tocante à mobilidade, por estarem situados distantes dos núcleos polarizadores de oferta de postos de trabalho e com precária ou inexistente rede viária. Entretanto, ainda que seja estabelecido pela Portaria do Ministério da Cidade n°140/20103, a escolha dos beneficários de acordo com a proximidade com seus locais de emprego, isso é posto de lado no momento de sua escolha. Alguns desses empreendimentos estão localizados em áreas sem pavimentação e acesso do transporte coletivo, dificultando o deslocamento dos moradores, como pode ser verificado na Zona de Expansão Urbana e Jabotiana.

Embora desfavoráveis em termos de acessibilidade, a localização dos empreendimentos tende a ser definida principalmente em função da necessidade de adequação do valor da terra aos valores determinados pela normativa do programa e as margens de lucro das empresas, frente ao mercado de terras (LIMA, et all, 2013).

Outra vertente deste programa é a participação das “entidades”, sendo necessária a organização de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos. Denominado Conjunto Jael Patrício de Lima, o empreendimento em construção, localizado no bairro Santa Maria, contará com cerca de 800 unidades habitacionais, sendo 180 entregues na primeira etapa, está inserido no Programa Minha Casa Minha Vida Entidades através da Central de Movimento Popular – CMP/SE.

As obras têm sido realizadas através do sistema de autogestão pelos próprios moradores com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS4, cujo resultado tem sido a formação ou fortalecimento de lideranças locais. Atrelados a isso, o grande diferencial está na ausência do fator da lucratividade favorecem o uso de tecnologia e participação de assessorias técnicas na realização e acompanhamento desses projetos junto aos seus futuros moradores, garantem melhor qualidade da moradia, no tocante à arquitetura e à infraestrutura local.

Contradições e Possíveis Caminhos

Neste trabalho, buscou-se discutir os primeiros resultados da implementação do Programa Minha Casa Minha Vida em Aracaju-SE entre 2009 e 2013. Para tanto, observou-se a baixa efetividade da inserção da famílias de renda inferior a 3SM, caracterizadas como as mais necessitadas por apresentarem maior dificuldade de acesso aos financiamentos da moradia.

O Poder Público tem responsabilidade na dissociação entre as políticas urbana, habitacional, fundiária e de infraestrutura, causando um descompasso na garantia do direito à cidade, e incentivando, cada vez mais, o mercado imobiliário na busca incessante pelo lucro. A possibilidade da implantação dos instrumentos urbanísticos da Estatuto da Cidade e da efetivação das diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor tem-se dissolvido de forma muito incipiente nas práticas da gestão municipal.

Diante disso, os agentes envolvidos (proprietários de terras, incorporadores e construtores) destacam que o alto valor da terra em áreas urbanizadas é um dos entraves para o andamento do programa. Fica evidente a importância do entrelaçamento das políticas fundiária, habitacional e de infraestrutura/urbanização de modo a garantir o acesso à terra urbanizada com valor reduzido, permitindo que os empreendimentos sejam construídos e direcionados em áreas de interesse social, e em maior proporção para àqueles que se concentram na faixa de renda de 0 a 3 SM.

Os empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Aracaju tem sido responsáveis pela segregação espacial, fragmentação do tecido urbano e valorização fundiária, resultando numa cidade cada vez mais excludente. A periferização das unidades habitacionais, inclusive próximas dos antigos conjuntos residenciais do BNH, é uma reprodução das velhas experiências com nova leitura, porém repetição dos mesmos entraves.

Esses projetos tem norteado o crescimento de Aracaju para novas direções, como a Jabotiana e a Zona de Expansão, com o aumento do número de moradias para uma faixa de renda de 3 a 10SM. É importante realizar, concomitantemente, obras de infraestrutura, sistema viário e serviços públicos, para que esses novos moradores estejam integrados no tecido urbano.

Por outro lado, apesar de observados os problemas na efetivação do programa que tem distanciado a população do direito à cidade e à moradia, em termos quantitativos, não se pode deixar de mencionar, que em apenas quatro anos de existência, o PMCMV já superou os números de produção habitacional do Programa de Arrendamento Residencial (6.830 moradias) durante seus 8 anos de atuação.

Entretanto, faz-se necessário projetos habitacionais voltados para a população de renda baixa (0 a 3 SM), que não consegue ter acesso à moradia em áreas estruturadas no tocante ao serviços e proximidades com os postos de trabalho. A oferta desse tipo de moradia tem se tornado cada vez mais incipiente em Aracaju.

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______________. Plano Estratégico de Moradias Subnormais. Aracaju: PMA/SEPLAN, 2001.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU/ FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA E EXTENSÃO DE SERGIPE - FAPESE. Plano Local de Habitação de Interesse Social. Aracaju: PMA/SEPLAN, 2010.

  1. O projeto foi um dos vencedores na sexta edição do Prêmio Melhores Práticas em Gestão Local 2009-2010, cujo sucesso se constitui num modelo a ser seguido em outros projetos. 

  2. http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=85126&titulo=cidade, acessado em 06/02/2014). 

  3. Esta Portaria estabelece que o poder público municipal pode definir critérios relacionados à localização, priorizando candidatos que habitam ou trabalham próximos à região do empreendimento de forma a evitar deslocamentos intraurbanos extensos e desnecessários. 

  4. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=Ln2R-s6Y_ag,>. Acesso em: 26 nov. 2013.