Resumo

O presente artigo pretende a análise e a compreensão do fenômeno dos condomínios horizontais em Goiânia, tendo como recorte a Região Sudeste da cidade. Para atingir este objetivo, este trabalho será estruturado a partir de referenciais teóricos e do estudo de caso. A primeira parte, sobre a conceituação e caracterização da paisagem será apoiada no texto Paisajes de Ignasi de Solà-Morales, perpassando pelos conceitos de lugar e não-lugar de Marc Augé presentes no livro Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade, a análise da banalização da paisagem feita por Francesc Muñoz no texto Paisajes banales: bienvenidos a la sociedade del espectaculo, além dos conceitos de outros estudiosos do assunto, estruturando então a discussão sobre o impacto que a implantação em massa dos condomínios horizontais proporcionou na paisagem da Região Sudeste de Goiânia.

Palavras-chave: Paisagem Urbana, Goiânia, Condomínios Horizontais

Abstract

This article seeks to analyze and understand the phenomenon of horizontal condominiums in Goiânia, having as clipping the Southeast Region of the city. To achieve this goal, this work will be structured based on the theoretical framework and the case study. The first part, about the conceptualization and characterization of the landscape will be supported in Paisajes Ignasi de Solà-Morales text, passing by the concepts of place and non-place of Marc Augé in the book Non-Places: Introduction to an Anthropology of Supermodernity, the analysis of the trivialization of the landscape taken by Francesc Muñoz in the text Paisajes banales: bienvenidos a la sociedade del espectaculo, beyond the concepts of other students of the subject, then structuring the discussion of the impact that mass deployment of horizontal condominiums provided in the landscape of the Region Southeast of Goiânia.

Keywords: Urban Landscape, Goiânia, Horizontal Condominiums

Introdução {#introdução .list-paragraph}

Goiânia é uma das poucas cidades brasileiras previamente planejadas, atualmente é uma cidade de 80 anos, alçada à condição de metrópole através da lei complementar n°27, 1999, com uma população de mais de dois milhões de habitantes (IBGE, Estimativa 2011) e uma região metropolitana que abrange 20 municípios (lei complementar n°78 de 25 de março de 2010).

A partir da década de 1990, com a constituição da Região Metropolitana, a cidade se depara com uma nova realidade, caracterizada pelo lançamento de numerosos condomínios horizontais, concentrados em sua grande maioria na Região Sudeste da cidade, fato este que alterou profundamente o tecido urbano e a paisagem da região.

A Região Sudeste de Goiânia está localizada limítrofe e conurbada com os municípios de Aparecida de Goiânia e Senador Canedo. Sua população é de 43.699 habitantes, ou seja, apenas 4% do atual contingente populacional da cidade. Em contrapartida é a sétima região da cidade em área territorial. É uma área de planejamento instituída primeiramente no PDIG 2000 (Plano Diretor Integrado de Goiânia, SEPLAM, 1992) como distrito 58 – Jardim Vitória e atualmente como Região Sudeste pela atual regionalização da cidade proposta pela Prefeitura de Goiânia (ver figura 01).

figura 01{width=”4.729166666666667in” height=”4.729166666666667in”}

Figura 1. Goiânia e regionalização da cidade. Fonte: autora

Os primeiros loteamentos da região datam da década de 1950, porém a ocupação mais intensiva se iniciou na década de 1990 e atualmente vem aumentado exponencialmente, com a implantação dos condomínios horizontais que em sua maior parte ocupam as margens da Rodovia GO-020 (ver figura 03). É uma região que se caracteriza ainda, por uma vasta extensão territorial, em princípio constituída como área rural, concentrada nas mãos de poucos proprietários, que as utilizaram como estoque especulativo à longo prazo, fator este que determinou e ainda determina a ocupação da região.

Por ser um dos principais vetores de expansão da cidade, portanto, a Região Sudeste foi a localidade eleita como recorte capaz de exemplificar o fenômeno dos condomínios horizontais em Goiânia, o período a ser estudado 1993-2013, é marcado por um intensa ocupação territorial, difusa da que até então a região comportava. Os condomínios horizontais passam a dominar a paisagem local, alterando a configuração da região e consequentemente do tecido urbano do entorno e da cidade. Compreender as alterações que a inserção destes condomínios horizontais provocou na paisagem da Região Sudeste de Goiânia, através da análise de vários autores estudiosos do assunto é o principal objetivo do presente artigo.

Conceituação de paisagem

O conceito de paisagem possibilita variadas interpretações, por se tratar de assunto multidisciplinar analisado por várias disciplinas tais como a arquitetura paisagística, a geografia, arqueologia, entre outras. A conceituação que pretendemos abordar é a da paisagem urbana e para tal intento, recorremos ao arquiteto e escritor catalão Ignasi de Solà-Morales.

Para Ignasi de Solà-Morales o conceito de paisagem remete à nossa relação com a cidade, ou seja, a cidade como paisagem, visão esta que têm estreita relação com a nossa experiência de morar. Solà-Morales destaca ainda três características formais para análise de paisagem: o primeiro seria estabelecer os limites do conceito de paisagem; o segundo a compreensão de sua condição superficial (a palavra superficial aplicada aqui não no sentido de algo que não têm valor, que é trivial ou banal, mas sim no sentido de superfície visível, tangível, transitável); e por fim o terceiro: a característica da paisagem, natural ou urbana, de incorporar em seu espaço, as noções de tempo e movimento. Como atributos essenciais da experiência da paisagem, o autor destaca porque a topografia ou a multidão de estímulos, mensagens e formas que nos bombardeiam em nosso deslocamento pela cidade, ocorrem ligados inevitavelmente a experiências de deslocamento, a vagar, a mover-se através de caminhos e mudanças de rota, surpreendidos pela permanente surpresa que se apresenta aos nossos olhos.

A cidade contemporânea, a metrópole, a megalópole difusa, sem limites, em permanente processo de formação e devastação, não seria compreensível, portanto, através de uma visão que encontra na ordem dos traçados o suporte de uma inteligibilidade estável. Para o autor, mesmo o movimento moderno pretendia através da definição das áreas e da infra-estrutura de transportes, reconhecer-se como uma estrutura simples e apreensível.

Em uma situação de contínua construção e destruição, de permanente crescimento e renovação, de mutação e obsolescência a condição imprevisível da cidade se converte em seu verdadeiro modo de exposição. A cidade atual se apropria de sua energia, mas também os seus conflitos sociais, geológicos, ambientais, aceitando fatalmente conviver com eles.

A arquitetura desta situação individualista cujo espaço público tende a converter-se em paisagem tem características muito específicas, mas que se repetem em várias cidades do mundo. Portanto, a cidade de Goiânia não está alheia a estes processos, pelo contrário, sua população têm vivenciado cotidianamente situações que são similares a todo o planeta.

É sobre estes conflitos e tensões aparentes que o presente artigo pretende recorrer para analisar a paisagem dos condomínios horizontais na Região Sudeste de Goiânia. Compreende-se através das idéias de Solà-Morales que analisar a paisagem requer estas surpresas, descontinuidades de rotas, desvios de caminho e que, portanto, uma paisagem de qualidade deve ter diversidade. Mais adiante iremos verificar que essas qualidades não são encontradas na região em análise, não há diversidade, a paisagem é monótona, os elementos arquitetônicos encontrados resumem-se em a uma infinidade repetitiva de muros, portarias e paisagens tematizadas (lagos artificiais, bosques, entre outros).

figura 02{width=”4.729166666666667in” height=”2.3645833333333335in”}

Figura 2 – Vista do Residencial Alphaville Ipê/ Fonte: CAMPOS [2007]

Portanto, as ações necessárias para a análise da paisagem para Solà-Morales, requerem transitar, vaguear, surpreender-se, ações estas complexas de serem realizadas na região em estudo (especialmente na rodovia GO-020 e nas avenidas que concentram os condomínios), pois há ausência de calçamento, de iluminação adequada, insegurança permanente frente às portarias fortemente protegidas, a própria violência urbana e à alta velocidade do tráfego local que inviabiliza e até atenta com a vida dos poucos indivíduos que se arriscam a estas atividades, ou seja, não há transeuntes, demonstrando ser uma área com pouca ou nenhuma acessibilidade, fato este que parece ser intencional, como se a própria vida urbana fosse algo não muito bem vindo por ali (ver figura 02).

Conceituação de lugares e não-lugares

A dissertação de mestrado de CAMPOS (2007) dedica-se ao estudo crítico dos condomínios horizontais fechados como manifestação de não-lugares na cidade de Goiânia, no período de 1990-2006.

Para o autor os condomínios horizontais fechados são fruto do New Urbanism e de reflexões desenvolvidas a partir de 1960, alicerçadas no retorno à cidade tradicional. Ao proporem uma paisagem pitoresca e bucólica, anunciam a salvação de seus moradores das mazelas urbanas, contraditoriamente, tendo como foco a vida em comunidade, apostando na criação de uma localidade.

O pensamento do antropólogo Marc Augé (1994) esclarece acerca das ambiguidades que permeiam o mundo atual globalizado, através da formulação do conceito de não-lugar. Augé, ao invés do termo pós-modernidade, prefere a utilização da palavra supermodernidade para dar a idéia de continuidade, pois entende o pós-modernismo como um movimento que apregoa a ruptura. O autor defende assim o conceito de não-lugar como um espaço de passagem, incapaz de dar forma a qualquer tipo de identidade. Procurando fundamentar a sua tese, discute a capacidade da antropologia de analisar e compreender a cidade atual, caracterizada por ele como supermodernidade.

As principais características desta nova sociedade são definidas pelo autor pelas figuras de excesso1 um novo entendimento da categoria de tempo, que devido ao nosso mundo high tech é hoje bastante acelerado; a revolução das telecomunicações que provocou o encolhimento do mundo e uma alteração da escala planetária que por sua vez resultam em concentração urbana, migração populacional e na produção de não-lugares: aeroportos, vias expressas, hotéis, centros comerciais, supermercados, etc. por onde circulam pessoas e bens, espaços este que se repetem no mundo todo e por fim fatores estes que enfraquecem o referencial coletivo, gerando assim um egocentrismo exacerbado, porém sem identidade própria.

Ou seja, o não-lugar caracteriza-se por não ser relacional, identitário nem histórico, tendo como exemplos as auto-estradas, os aeroportos e supermercados, são espaços de ninguém, não geradores de identidade. Já em oposição a este espaço o autor cita o espaço antropológico, necessariamente criador de identidade, fomentador de relações pessoais em um tempo e espaço previamente definido. Identitário porque está ligado a idéia do nascimento, pois o lugar de nascimento é constitutivo da identidade individual, demarcando assim as fronteiras entre eu e os outros; além de histórico porque fala da história nativa, desconsiderando a história como ciência.

Portanto, os condomínios horizontais fechados significam um retorno à cidade tradicional, por meio da proposição de uma paisagem bucólica e pitoresca, tendo como foco a recuperação da vida em comunidade, apostando assim na criação de um lugar.

Paisagens Banais

Já o ensaio de Muñoz discorre sobre o conceito de urbanização banal do território explicando como as alterações nas formas e funções urbanas através da metropolização das cidades deram lugar a uma cidade multiplicada que o autor procura explicar a partir de três processos simultâneos que seriam: a multiplicação dos atributos da centralidade, a multiplicação da escala e tipologia dos fluxos de mobilidade e a multiplicação das formas de se habitar um território.

Esta nova situação metropolitana tem produzido consequências como a aparição de novos artefatos urbanos. Os containers e a ampla galeria dos chamados “não-lugares” (Augé, 1992) são bons exemplos. Foi assim que surgiu uma “geografia objetivada” e seu progresso define o que denominaríamos mais tarde como “paisagens a-territoriais” (Muñoz, 2002), caracterizados por uma segregação funcional e a padronização dos critérios morfológicos. Paisagens que podem aparecer em qualquer território e que não pertencem a nenhum lugar.” (MUÑOZ, 2005, p.78, tradução nossa).

Muñoz aponta também o surgimento de várias teorias que tentam explicar essas importantes mudanças na tipologia e na estrutura metropolitanas das cidades, algumas refletindo sobre os novos atributos de centralidade espacial2, outros têm explicado a cidade global, a metrópole, a pós-metrópole, entre outros. O autor ressalta que estes estudos foram desenvolvidos ao mesmo tempo em que as políticas urbanas experimentaram um processo de simplificação e festivalização, concebidas com a finalidade de conseguir uma maior participação da cidade nos mercados de produção e consumo globais. Como exemplo desta nova gestão urbana ele cita a maioria dos projetos de reformulação de orlas marítimas, antigas áreas industriais e centros históricos, que exemplificam a importância de três processos que interagem entre si: a especialização econômica e funcional do território, a segregação morfológica dos ambientes urbanos e a tematização da paisagem. Três processos que definem o que o autor conceituou como território banal ou urBANALização.

O autor defende a tese de que, em muitos casos, esses processos de urbanalização implicam na construção de uma nova cultura urbana associada a estas novas paisagens, utilizando assim a arquitetura e o desenho urbano como instrumentos de produção em massa para a produção de paisagens comuns, que não pertencem a nenhum território, estratégias que têm a ver, com o uso e a manipulação da história. Simulação, seleção e imitação de elementos específicos mostram que apenas fragmentos do passado que podem ser simplificados e facilmente compreendidos têm lugar no novo espaço urBANAL.

Sobre a questão da falta de complexidade das políticas urbanas, o autor procura salientar a transição de um tipo de intervenção urbana concebida como um instrumento de regeneração ou revitalização da cidade, às intervenções que definiram como sua principal prioridade vender a cidade como mais um produto do mercado global, o que demonstra uma mudança no modo de gestão da cidade.

Finalizando, para Munõz (2005), nesse processo de venda de cidades e lugares, as políticas urbanas têm contribuído em grande parte para o cenário final, porque têm assumido como sua principal tarefa a transformação econômica e física de alguns fragmentos específicos da cidade, previamente selecionados na estrutura urbana, o que explica em parte, porque determinadas regiões da cidade, no nosso estudo de caso representado pela Região Sudeste, recebem tantos benefícios em termos de investimentos seja da iniciativa privada, seja do poder público, em detrimento de outras regiões tão promissoras quanto ou mais carentes de Goiânia.

O contexto da inserção dos condomínios em Goiânia

Sobre o conceito de cidade mundial, apesar de MOYSÉS acreditar que ele não possa ser diretamente aplicado ao caso de Goiânia, a presença de grandes equipamentos urbanos na atualidade se insere no contexto dessa nova trama.

Assim, na região metropolitana de Goiânia, esse movimento, intensificado na década de 1990 e que vêm aumentando exponencialmente na Região Sudeste, se caracteriza pelo lançamento de inúmeros condomínios horizontais fechados, verticalização de alto padrão construtivo, Malls e mega-empreendimentos (como o Centro Cultural Oscar Niemeyer) que atingem todas as classes sociais.

“Na verdade, os condomínios fechados não constituem total novidade (...). O que desperta a atenção, desde os anos 90, é o aumento do seu número e sua disseminação pelo país. Na verdade, denota-se certa “popularização” dessa fórmula, com a reprodução dos condomínios horizontais fechados, extrapolando os limites geográficos das grandes cidades e se instalando em muitas cidades do interior do país, e com o mercado imobiliário acenando com modelos mais acessíveis à parcelas de menor poder aquisitivo da população.” (MOYSÉS, 2007, p.44).

Ou seja, o processo de banalização e tematização da paisagem, descritos anteriormente por MUÑOZ são aqui claramente perceptíveis. Em Goiânia o primeiro condomínio fechado, o Privê Atlântico, foi implantado ainda no final da década de 70 como conjunto habitacional voltado para classe média, formado por casas pré-construídas e lotes para posterior construção, e só na década de 90 recebeu status de condomínio fechado pelo poder público. Todos os outros condomínios de grande porte têm sua implantação a partir da metade da década de 90, e, como lembra BERNARDES & SOARES JÚNIOR, atualmente “configuram em ícones da paisagem urbana da grande Goiânia”. Lembram que apesar de Goiânia caracterizar cidade de médio porte, ela é considerada hoje “a terceira capital do país em número de condomínios fechados, proporcionalmente ao número de habitantes”. (MOYSÉS, 2007).

Definição de Condomínio Horizontal Fechado

Várias são as denominações ou subdivisões para os condomínios fechados, no presente artigo iremos nos deter na identificação realizada por MOYSÉS (2008, pg.02) que os diferencia entre condomínios horizontais fechados e conjuntos residenciais seriados, todos eles com unidades residenciais isoladas, de alto padrão arquitetônico, com áreas superiores a 500m². Existem outros condomínios de menor porte existentes em Goiânia e na Região em estudo que figuram na SEPLAM como condomínios residenciais ou habitações seriadas, apesar de alguns possuírem sistemas sofisticados de segurança, altos muros e outras características que os aproximam dos condomínios fechados.

figura 03{width=”5.322916666666667in” height=”3.4479166666666665in”}

Figura 3 – Região Sudeste e os Condomínios Horizontais Fechados – Ocupação por Décadas/ Fonte: autora

Goiânia conta atualmente com mais de trinta condomínios fechados (SEPLAM), sendo que a região sudeste comporta atualmente treze deles (ver mapa 02): Portal do Sol I (2001), Complexo Alphaville Flamboyant (2001) – três etapas; Portal do Sol II (2002), Jardins Atenas (2003), Jardins Milão (2005), Jardins Munique (2010), Jardins Paris (2003), Jardins Valência (2008), Jardins Verona (2008) e Portal do Sol Green (2011) e Portal do Sol Garden (2013). Dentre os conjuntos residenciais seriados de maior porte, temos: Privê dos Girassóis (1999) e Housing Alphaville Flamboyant (2001). Sobre os condomínios Portal do Sol Green e Portal do Sol Garden há ainda uma curiosidade: tratam-se do mesmo empreendimento que foi lançado em 2005 com o nome de Goiânia Golf Residence, implantado em área originalmente rural e que precisou ser redefinido como área de expansão urbana no último plano diretor da cidade (2007). Porém o lançamento não teve o retorno esperado, talvez em função da proximidade com o Parque Memorial de Goiânia (cemitério ecumênico), e foi repartido em dois novos condomínios.

Como observa MOYSÉS (2007), outro ponto a ressaltar é denominação dada a estes empreendimentos, elementos centrais do marketing imanente a essa tipologia residencial. Os nomes dos condomínios fechados fazem apologia a lugares de países centrais e lugares valorizados pela elite para cada tipo de residência, tendo, por exemplo: Atenas, Milão, Munique, Paris, entre outros; além de nomes americanizados como Housing, Golf Residence e o próprio Alphaville.

Outro fator que comprova a nossa afirmação de como esse fenômeno é recente é o próprio mapa (ver figura 03) que exemplifica que a instalação deste tipo de empreendimento começou na década de 1990, foi intensificado na década de 2000 e prossegue a todo vapor na presente década.

Consequências da implantação dos condomínios para a Região Sudeste

“A ação do poder público na região metropolitana de Goiânia, Estado e Município, tem sido necessária para a expansão desse tipo de empreendimento. Cabe ressaltar que a malha urbana da cidade tem sido modificada ao longo da década de 1990, graças à parceria da Prefeitura com as incorporadoras com o propósito de assegurar a viabilidade jurídica para a implantação desses empreendimentos. Conforme BERNARDES & SOARES JÚNIOR, “houve a criação de um sistema viário exclusivo e de uso coletivo (avenidas, ruas e viaduto), que interliga regiões, antes separadas e modificadas vias intermunicipais, alterando o cotidiano das mesmas”. (MOYSÉS, 2007, p.45).

figura 04{width=”4.729166666666667in” height=”4.729166666666667in”}

Figura 4 – Abertura de novas vias na Região Sudeste/ Imagem: Google Maps

Tal fato pode ser comprovado na figura 04, que demonstra que a abertura da Avenida Diógenes Dolival Sampaio viabilizou a implantação dos condomínios Jardins Atenas e Jardins Paris. É importante ressaltar a estratégia da FGR Urbanismo S.A. que lançou primeiro o condomínio Jardins Atenas, mais distante da principal via de acesso, a rodovia GO-020, para somente após considerável valorização do empreendimento, lançar o condomínio Jardins Paris e posteriormente, os Jardins Valência, Verona e Munique - estes últimos viabilizados pela abertura de uma nova via: a Marginal Barreiro. Há ainda o projeto de ampliação do Anel Viário que interligaria toda a região metropolitana e passa próximo a estes condomínios.

A própria rodovia estadual GO-020, principal acesso aos municípios de Senador Canedo e Bela Vista, foi absorvida pela implantação de condomínios em suas margens ou próximos à ela, gerando um desvirtuamento de seu uso e um inchaço de fluxo de veículos que já demonstra o esgotamento de sua caixa viária em alguns momentos, principalmente no horário do rush.

{width=”4.791666666666667in” height=”3.1979166666666665in”}

Figura 5 – Rodovia GO-020/ Fonte: www.agetop.go.gov.br. Acesso em: jan. 2014

Recentemente ela passou por reformas que basicamente se consistiram na duplicação e o recapeamento do trecho entre o Autódromo Internacional de Goiânia (que serve de acesso aos condomínios) até o Centro Cultural Oscar Niemeyer (novo cartão postal da cidade), além da instalação de nova iluminação, gramagem dos acostamentos e taludes e implantação de palmeiras, demostrando que a intenção ali não é propriamente a manutenção da via, mas um embelezamento de uma área considerada nobre além de um dos principais acessos da cidade.

Ou seja, todo esse processo leva a uma periferização das áreas centrais da metrópole, seguido inclusive pelos órgãos públicos que passam a integrar esse novo eixo de expansão urbana, com a migração da Prefeitura Municipal de Goiânia do centro da cidade para a região sudeste, produzindo assim uma nova centralidade, ação esta que é justificada pelos órgãos públicos como ações vitais para a promoção do desenvolvimento e dinamização da cidade, com o aumento de atividades comerciais e sociais nessas áreas, entre outros fatores, o que gera uma arrecadação maior de receitas para o município nesse sentido.

MOYSÉS (2007, pg.46) ressalta que as áreas que estão sendo ocupadas na região sudeste de Goiânia com funções públicas (órgãos governamentais) e privadas (condomínios horizontais fechados de alto luxo) são resultado de uma visão de planejamento de longo prazo, de um grupo empresarial local muito dinâmico. Este grupo, proprietário de uma vasta gleba de terra rural, reteve este espaço para futuras especulações e hoje está colhendo os frutos desta retenção. Teve como ponto de partida a construção do Autódromo Internacional de Goiânia e do Estádio Serra Dourada em meados dos anos 1970. Nos anos 1980 lançou o Shopping Flamboyant, o primeiro de Goiânia e da RMG, no meio do nada, fora da área urbanizada, e cujo empreendimento já expandido várias vezes, sem muita pressa, foi forçando o poder público a intervir na área de modo que esta intervenção viabilizasse os interesses de longo prazo. Assim como este grupo empresarial de caráter familiar, outros também pavimentam sua aproximação com o poder público e vão entronizando suas concepções de cidade e de cidadania junto ao executivo (no planejamento urbano), ao legislativo (na formulação das leis urbanísticas) e até mesmo nos fóruns onde a participação social é mais ampla, como por exemplo, nas plenárias das Conferências municipais e estaduais da cidade e nas audiências públicas. (MOYSÉS, 2007, p.46).

Conclusão: de uma área até então tida como rural, fora de mão, de ocupação lenta e rarefeita a Região Sudeste passa a ser a bola da vez, uma região nobre, valorizada e dinâmica que se converte em uma nova centralidade urbana graças à proximidade com o Jardim Goiás e a esse dinamismo do capital privado. A alteração na paisagem têm sido dramática, porém aos moldes da cidade globalizada dos novos tempos, com benfeitorias cirurgicamente pontuais, paisagens tematizadas e banalizadas e ares de cidade contemporânea.

Considerações Finais

A análise dos vários autores citados neste artigo leva a crer que o fenômeno da falência no nosso atual modelo de cidade não passa despercebido, e que a resposta da arquitetura e urbanismo em face estes problemas está longe de nos oferecer uma resposta satisfatória. A crescente privatização dos espaços da cidade até então tido como públicos, ou de responsabilidade do poder público, têm levado a um aumento agravante da segregação social e urbana e apesar de todos estes problemas - perceptíveis até para os cidadãos comuns – parecem longe de esgotar sua fórmula, replicada mundo afora.

A tendência globalizada de simplificar tudo, criar fórmulas de sucesso e repeti-las mundo afora parece ter encontrado seu nicho (ou eco) na arquitetura e os condomínios horizontais com suas paisagens tematizadas e homogeneizadas, de fácil apreensão, parecem ser um sintoma deste mesmo mal.

A região estudada exemplificou várias das estratégias que são utilizadas para alavancar determinadas localidades da cidade, o que em um primeiro momento não seria um problema, pelo contrário, a cidade é uma estrutura dinâmica e esses processos são relativamente comuns. O problema aqui é relegar a gestão das cidades à inciativa privada, que visa primeiramente o lucro e que nem sempre investe em áreas apropriadas, ou ainda, investe em localidades que não haviam sido planejadas para esta nova finalidade e rapidamente esgotam sua capacidade de adensamento, provocando uma saturação de acessos, forçando benfeitorias de parte do poder público entre outros fatores.

Reavaliar a disciplina da arquitetura e urbanismo e o próprio papel que os arquitetos e urbanistas exercem ou deveriam exercer na sociedade, quer como planejadores, quer como projetistas, faz-se necessário, sob pena de perdermos através da negligência, campo para outros estudiosos, talvez mais predispostos à compreensão e organização das nossas cidades.

Referências

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira. Campinas: Papirus, 1994.

CAMPOS, Roberto Cintra. Não Lugares: Condomínios fechados em Goiânia (1990-2006). Dissertação (Mestrado Institucional em Arquitetura). 2007. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Goiânia/ Porto Alegre.

GOOGLE Maps. Disponível em: <<https://maps.google.com.br>>. Acesso em: jan. 2014.

MOYSÉS, Aristides; Silva, Eduardo Rodrigues da; Borges, Elcileni de Melo; Ribeiro, Marcelo Gomes (2007). “Da formação urbana ao empreendedorismo imobiliário: a nova face da metrópole goianiense”. Revistar Mercator, Volume 06, n°12, 2007. Disponível: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/viewArticle/45>. Acesso em: nov. 2013

MOYSÉS, Aristides; Borges, Elcileni de Melo (2008). “Condomínios horizontais fechados na Região Metropolitana de Goiânia: recriação ou negação da cidade”. Simpósio Espaço Metropolitano, Turismo e Mercado Imobiliário, Fortaleza – CE. Disponível:<<http://web.observatoriodasmetropoles.net/download/gthab/Textos_ref/05_Ary_Elcileni.pdf>>. Acesso em: nov. 2013

MOYSÉS, Aristides; Borges, Elcileni de Melo (2009). “Dinâmica imobiliária e a nova paisagem urbana da RM de Goiânia: o impacto da produção de Alto Nível”. XIII Encontro Nacional da ANPUR, Florianópolis

  • SC. Disponível em: <<http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/dinamica_imobiliaria_ary_anpur_09.pdf>>. Acesso em: nov. 2013

MUÑOZ, Francesc. “Paisajes banales: bienvenidos a la sociedad del espectáculo”, En Solà-Morales, Ignasi de; Costa, Xavier (eds.), Metrópolis, ciudades, redes, paisajes (pg. 78-93) Gustavo Gili, Barcelona, 2005.

SOLÀ-MORALES, Ignasi. Territorios,(pg.152-161), Gustavo Gili, Barcelona, 2002.

  1. Figuras de excesso: tempo, espaço e a figura do ego, do indivíduo. 

  2. Centralidade espacial – cidade difusa, periferias flexíveis e as edge cities (MUÑOZ, 2005, p.79).