Resumo

O planejamento urbano exerceu um papel relevante na expansão da rede urbana brasileira na Era Vargas (1930-1945). As cidades passaram a ser vitrines pedagógicas do que deveria ser o Brasil urbano. Na mesma época iniciou-se uma nova fase de industrialização brasileira, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941. Indústria e urbano estão na base do capitalismo nacionalista e da modernidade racionalista, captados pelas ações empreendidas por Vargas. O Plano Regional para o Médio Paraíba Fluminense e o Projeto da Vila Operária da CSN em Volta Redonda, ambos elaborados pelo arquiteto e urbanista Attílio Corrêa Lima, são o foco desta reflexão, por revelar a importância que têm para a historiografia sobre a temática urbano-industrial no período. Volta Redonda, antigo distrito de Barra Mansa, foi sendo transformado em um centro urbano de importância regional, com o adensamento industrial do Médio Vale do Paraíba, no eixo Rio-São Paulo. A urgência na instalação da CSN e a necessidade de construção da cidade para atender aos operários fez com que a proposta original do Plano fosse divida. Entretanto, o projeto da Vila Operária, construída para atender à usina, não bastou para receber as habitações necessárias para abrigar os operários da CSN. O Plano Regional visava preparar o espaço para as intensas transformações que viriam com as industriais e o processo de urbanização, com o intuito de planejar a ocupação do território, sob grande demanda de mão de obra. Durante a execução do plano e projeto Corrêa Lima externa denúncias de desvios que interferiam nos mesmos e menciona os interesses econômicos e as pressões dos proprietários de terras contra os planos, vista por ele como herança fundiária perversa do lugar. As alterações e não execução do planejamento, sujeito aos interesses do capital, deixaram um rastro na região que se estende até o presente.

Palavras-chave: planejamento urbano, desenvolvimento regional, Era Vargas, industrialização, CSN

Abstract

The urban planning exerted a significant role in the expansion of the Brazilian urban network in the Vargas age (1930-1945). At the same time began a new phase of Brazilian industrialization, with the creation of the Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) in 1941. Industry and urban were the foundations of nationalist capitalism and rationalist modernity, captured by actions started by Vargas. The Regional Plan for Médio Paraíba Fluminense and the Attílio Corrêa Lima’s Project of the Vila Operária in Volta Redonda, both elaborated by this architect and urbanist are the focus of this thought, because they represent to be important to the historiography on the subject until these days. Volta Redonda, old district of Barra Mansa, was being transformed into an urban center of regional importance, with the industrial density of the Médio Vale do Paraíba, in the Rio-São Paulo axis. The urgency in the installation of the CSN and the need to build the city for the workers’ demands made the original proposal divided in two parts. However, the Project of the Vila Operária, built to attend the industry wasn't enough to answer adequately to the CSN’s workers. The Regional Plan was intended to prepare the space for the intense transformations that come with the industries and urbanization process in order to plan for the occupation of territory, under high demand for labor. During the execution of the planning and the project Attílio Corrêa Lima lights upon the deviates that interfered in these instruments and mentions the economic interests involved, in addition to the pressure from landowners against the plans, seen by him as land inheritance perverse of the place. The changes and the non-execution of the planning, submit to the interests of capital, left a trail that extends to the present in this region.

Keywords: urban planning, regional development, Vargas Age, Brazil industrialization, CSN

Introdução

Na Era Vargas, entre 1930 e 1945, o planejamento urbano teve papel relevante na expansão da rede urbana brasileira, na ocupação dos grandes vazios territoriais existentes no país e na modernização das cidades. Foram elaborados programas e planos que mobilizaram e conclamaram arquitetos e engenheiros para responder às novas demandas, sendo a principal delas o crescimento populacional das cidades. Cada nova cidade, fábrica ou colônia agrícola teve caráter exemplar para os demais lugares do país. As cidades passaram a ser vitrines pedagógicas do que deveria ser o Brasil urbano, instrumentos de promoção do governo Vargas.

Na época, foram realizados importantes planos urbanísticos para as capitais: Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento da Cidade do Rio de Janeiro, de Alfred Agache, 1930; conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, 1943; plano de urbanização de Curitiba, também de Agache, entre 1941-43 (parcialmente implantado); Plano de Grandes Avenidas de Prestes Maia em São Paulo, 1930; três planos urbanísticos para Porto Alegre, elaborados por Arnaldo Gladosch; quatro planos urbanísticos para Recife, entre 1932 e 1942, com os de 1936 e 1942 de Attílio Corrêa Lima.

Em 1933 Corrêa Lima1 elaborou o plano original para Goiânia, inspirado na Cidade-jardim de Ebenezer Howard. A nova capital de Goiás foi inaugurada em 1940 e considerada exemplo de capital administrativa.

No Estado do Rio de Janeiro durante a década de 1940-50 houve a exigência legal pelo governo estadual da realização de planos diretores para os municípios. Ainda nessa década, o estado lançou o programa “Plano de Urbanização das Cidades Fluminenses”, dividindo o estado em duas áreas de planejamento, cujas responsabilidades ficaram com os escritórios estabelecidos no Rio de Janeiro: Attílio Corrêa Lima para o Sul Fluminense e Coimbra Bueno e Companhia Ltda. para o Norte Fluminense. Contudo segundo Azevedo (2012), a iniciativa oficial não conseguiu instituir um efetivo processo de planejamento permanente.

Os planos desenvolvidos nesse período tinham uma abordagem mais abrangente, conforme observado no estudo apresentado por Corrêa Lima para o Plano Regional. Mas com o decorrer do tempo, foram sendo priorizados planos setoriais, como habitação, transporte e saneamento.

Attílio Corrêa Lima trabalhou intensamente em projetos governamentais durante o governo Vargas. Além dos mencionados anteriormente ele realizou os projetos da Vila Operária da CSN (1941) e dos conjuntos residenciais de grande porte em Várzea do Carmo e Heliópolis em São Paulo (1943), e estava trabalhando no Plano Regional do Vale do Paraíba Fluminense e no estudo para a Cidade dos Motores da Fábrica Nacional de Motores (FNM, 1943), em Duque de Caxias-RJ. Porém, seu trabalho foi abruptamente interrompido por um acidente aéreo em 27 de agosto de 1943, que levou ao seu falecimento prematuro.

A Implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)

No Estado Novo (1937) o Presidente Getúlio Vargas afirma para a nação que a siderúrgica seria indispensável para a criação da indústria de base e a industrialização do Brasil. A proposta de implantação da CSN em Volta Redonda, então distrito de Barra Mansa, transforma-se em projeto de nacionalidade e paradigma urbano provido pelo Estado.

Após estudos iniciais foi formada em 1940 a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico2 com o objetivo de criar uma companhia nacional e executar a construção da usina siderúrgica, estando sob direção direta do presidente da república. Em 9 de abril de 1941 foi fundada no Rio de Janeiro a CSN. A empresa serviu de modelo para a constituição da moderna sociedade brasileira, associado tanto os aspectos econômicos, industriais e tecnológicos, quanto a experiência nos campos social e do urbanismo. Ela criou normas sociais com amplitude que ultrapassaram sua atuação direta e desempenhou ações sociais em relação a seus empregados e familiares (LOPES, 2003).

Na década de 1930-40 teve início a industrialização da região do Médio Vale do Paraíba fluminense, concomitante com a chegada de trabalhadores rurais deslocados de suas antigas funções, fruto do declínio do café. Barra Mansa era polo de atração e crescimento, como importante cruzamento ferroviário.

Fatores como os caminhos traçados para o escoamento do café, a disponibilidade das ferrovias, a abundância de água garantida com o rio Paraíba do Sul e de energia elétrica influenciaram na escolha do lugar. Isto somado às articulações políticas para a implantação da CSN e ao fato da região estar entre o Rio de Janeiro e São Paulo, cujo eixo já respondia por 75% dos consumidores de aço, foram as razões preponderantes para a escolha de Volta Redonda.

A proposta do complexo siderúrgico em Volta Redonda incluiu o projeto da Vila Operária que lhe deu suporte, construídos em conjunto segundo modelo modernizante, enquanto símbolo e síntese do pensamento nacionalista de Vargas e do Estado Novo, que também visava uma profunda reforma administrativa e política.

Em 1940 o governo do Estado do Rio de Janeiro decide solicitar ao arquiteto e urbanista Attílio Corrêa Lima uma proposta de trabalho para a urbanização das áreas que sofreriam impactos mais imediatos com implantação da siderúrgica. Não bastavam construir habitações para os operários, era necessário preparar o espaço para receber a grande usina planejando a ocupação do território que certamente teria forte demanda. O plano regional seria o modelo de cidade do Estado Novo para outros lugares de industrialização futura.

A proposta inicial foi entregue por Corrêa Lima no final de 1940 e incluía um plano regional que abrangeria 25 km^2^, estendendo-se 18 km de Barra Mansa até a Vila de Pinheiros, em Piraí, com a usina ao centro, em Volta Redonda3. A proposta incluía:

  • Plano de conjunto: localizando as futuras indústrias, núcleos urbanos, lavouras, sistema viário, reserva florestal, entre outros;

  • Plano de urbanização de Barra Mansa: previa a remodelação da cidade e sua extensão racional, de acordo com as tendências locais e adaptação as condições futuras pela convergência de capitais industriais atraídos pela siderúrgica;

  • Projeto da Vila Operária para Volta Redonda – prevendo o máximo rendimento e conforto e o mínimo de despesas e manutenção, estabelecendo categorias e tipos de habitação, equipamentos urbanos, centro comercial e infraestruturas.

No entanto, a urgência na instalação da CSN e o interesse da Comissão do Plano Siderúrgico na construção da cidade para atender aos operários fez com que a proposta fosse divida em duas. O plano do Vila Operária da CSN teria sua elaboração imediata, sob responsabilidade da comissão, enquanto os demais itens da proposta de Corrêa Lima, incluindo o plano regional, seriam objeto de contrato efetivo com o Estado do Rio de Janeiro em maio de 1941.

O Projeto da Vila Operária da CSN

O projeto traçado da Vila Operária de Volta Redonda, construída para atender a usina, é facilmente inidentificável. Na elaboração do projeto Corrêa Lima seguiu os preceitos racionalistas, com as funções urbanas separadas e bem definidas: habitar, trabalhar, recrear e circular. Isto induzia à especialização das áreas e ao ordenamento racional dos fluxos, com vias claramente hierarquizadas, separando, inclusive, o trânsito local das demais circulações.

Figura_1_Plano_Vila_Operaria{width=”3.75in” height=”4.71875in”}

Figura 1. O plano urbanístico e a planta industrial da usina eram apresentadas em um plano geral. Fonte: LOPES, 2003.

A divisão das funções urbanas pode ser facilmente percebida na planta do plano geral. A usina foi planejada junto à margem direita do rio Paraíba do Sul4. A área comercial foi localizada junto à usina, separando os setores fabril ao norte e residencial ao sul. O antigo povoado da estação, localizado no extremo leste, também foi referenciado no plano. O higienismo de então era requisitado tanto para as construções quanto para os padrões e regulamentos de uso dos espaços públicos e privados.

No centro da área comercial foi projetada uma via larga destinada ao comércio (Rua 14), com edificações de dois pavimentos construídos sobre galerias cobertas no térreo. No extremo oeste desta rua comercial foi indicado o local para o edifício da prefeitura, próximo à entrada da usina. Neste local foi posteriormente edificado o escritório central da CSN, sede da indústria. O plano previa ainda a construção de um cineteatro na área comercial. Provisoriamente foi edificado um cinema chamado de Poeirinha pelo trabalhadores.

O projeto previa hospital, posto saúde e escola, equipamentos de lazer e áreas verdes. Os equipamentos médicos (hospital e ambulatório), foram localizados à leste, no sopé do morro do Laranjal. No extremo sul da ocupação foi prevista uma escola mista junto ao parque e uma creche localizada ao lado do centro comercial, no caminho entre a área residencial e a entrada principal da usina. Um hotel comercial foi previsto próximo à então estação ferroviária e, um outro, para atender aos estrangeiros foi planejando no alto de um morro à oeste, onde se vê a usina e a cidade. Não foram planejados equipamentos policiais, presídio e nem cemitério. Já uma igreja católica foi implantada no alto de uma elevação, fruto da presença do catolicismo na cultura e política nacionais.

A estação ferroviária da EFCB5 não recebeu muito destaque no plano. A antiga estação e os edifícios no entorno foram demolidos, sendo eliminados ainda antigos caminhos.

Próximo à área da estação foi planejado a implantação dos acampamentos provisórios, com edificações elaboradas em kits pré-fabricados de madeira vindos de trem do Paraná. No canteiro de obras foram construídas centenas de habitações coletivas também de madeira, além de escritórios, restaurantes, hospital provisório, instalações de apoio a extração de matérias primas básicas disponíveis no local e uma central de concreto. As instalações foram dotadas de infraestruturas básicas de saneamento e energia.

À oeste também foi edificado um bairro-acampamento para os operários menos qualificados, chamado Rústico com casas de pau-a-pique, com supervisão sanitária de especialistas, comprovando o avanço deste tipo de habitação no país que já era utilizado desde o tempo do Brasil colônia.

Os extratos sociais se distanciavam nos espaços segundo as categorias profissionais e o padrão salarial. Isto pode ser percebido no plano, que evidencia a segregação residencial, com a estratificação social acompanhando a topografia. Ela se revelava pelo tamanho dos lotes e das tipologias residenciais: quanto mais alto o cargo ocupado na empresa, mais distante da usina e mais alta era a localização da residência.

Os bairros mais altos, o Laranjal à leste foi destinado aos técnicos e diretores da empresa, assim como o Hotel Bela Vista à oeste que hospedavam os consultores norte-americanos. Os dois bairros eram exceções à regra de preservar os morros como áreas de reflorestamento. O perfil dos profissionais passava por consultores, engenheiros e técnicos especializados até chegar a base, em que os chamados “arigós” despenhavam os serviços mais desqualificados (LOPES, 2003).

Por outro lado, no bairro Conforto localizado imediatamente à frente da usina, os operários conviviam com a poluição. E a sede da Fazenda Santa Cecília, preservada e situada num vale afastado da Usina, servia como residência do presidente da CSN.

A questão habitacional foi alvo de debate na época. A discussão se dividia entre as tipologias da habitação – casa unifamiliar versus edifício multifamiliar –, envolvendo aspectos das relações entre arquitetura e cultura. Corrêa Lima preferia edifícios multifamiliares, mas a direção da CSN considerava a casa térrea como a tipologia mais propícia aos hábitos daquela época. Daí, a escolha das casas individuais e, dessa forma, o modelo não estava relacionado apenas ao moderno (LOPES, 2003). Mesmo os bairros voltados para os operários menos qualificados possuíam padrões de habitação superiores aos da média das habitações brasileiras, contando com infraestruturas e arborização, além dos serviços de manutenção então prestados pela CSN, mantendo-se os alugueis do imóveis com valores simbólicos.

O plano estabelecia ainda um cinturão verde na margem esquerda do rio Paraíba, com o reflorestamento dos morros de forma a desestimular a ocupação nas encostas, para onde o vento levava a poluição. Ao mesmo tempo, o espaço urbano seria muito arborizado, com um grande parque que atravessaria a cidade, acompanhando o eixo do ribeirão Cachoeira, que foi retificado. Posteriormente foram construídas próximas ao parque as instalações esportivas, o Recreio do Trabalhador. A ênfase no esporte e nas celebrações civis e militares ia ao encontro da construção integral do homem novo.

O Presidente Vargas destacava em seus discursos a importância de orientar a produção do campo para o atendimento das áreas urbanas. Assim, o potencial agropecuário seria desenvolvido na Fazenda Santa Cecília, com sua produção incrementada para abastecer a força de trabalho industrial.

A CSN e a Vila Operária foram edificadas segundo um “modelo autárquico” típico das cidades monoindustriais. A empresa utilizava diversas estratégias para educar, vigiar e controlar o trabalhador dentro e fora da fábrica. E a Vila foi construída à imagem e semelhança da usina: casas, serviços, lazer, áreas públicas e privadas, oferecidas como desdobramentos da fábrica. O sistema numérico das ruas permitia a rigorosa definição da posição de cada elemento na Vila Operária. Havia, assim, um duplo controle dos trabalhadores. A presença da usina com seus enormes galpões marcam a paisagem da cidade, observados de todas as perspectivas.

Vila e Usina simbolicamente se integravam e completavam, crescendo juntas como uma única unidade espacial e, neste sentido, com disciplina na forma de aglomeração da massa trabalhadora, diferente das vilas fabris tradicionais (SOUZA, 1992).

Figura_2_Contrução_Vila_1942{width=”4.71875in” height=”2.6979166666666665in”}

Figura 2. Construção da Vila Operária, maio/1942. Fonte: MOREIRA; BRANDT, 2005.

A mão de obra para a construção da usina foi sempre crescente, sendo 762 trabalhadores em 1941, chegando a 6.164 em 1942 e atingindo 13 mil durante a década de 1940-50. No segundo semestre de 1943 foram entregues as primeiras 462 habitações da Vila Operária e começaram a circular ônibus da CSN com transporte coletivo. Em março de 1942 a CSN já contava com 3.850 empregados, enquanto a população da cidade era estimada em 10 mil habitantes. Em 1946, ano do início da operação da usina, esses números eram de 11.719 empregados da CSN e 26.507 habitantes na cidade. Em 1948, ano da inauguração, eram 3.003 habitações na Vila Operária, sendo interrompida a construção das moradias. Foi levantada uma cerca marcando o perímetro da usina.

O Plano Regional

O contrato entre Corrêa Lima e Estado do Rio de Janeiro para elaboração do Plano Regional de Urbanização de Barra Mansa e da Vila de Pinheiros foi assinado em maio de 19416. O plano buscava dar orientação urbanística de modo à combater os impactos esperados pela implantação do projeto siderúrgico, o que justificou seus amplos propósitos. Os objetivos principais do plano eram de planejar e ordenar as ocupações, remodelando as partes urbanas e adaptando as condições futuras para servir como centro de expansão e convergências de capitais e novas indústrias, a serem atraídos em decorrência da implantação da usina siderúrgica em Volta Redonda.

O plano deveria também expandir a urbanização até a Vila de Pinheiros, melhorando a conexão entre os centros urbanos existentes, estabelecendo o local das futuras indústrias, núcleos de habitação, pequenas lavouras, rede de viação, reservas florestal, entre outros. Este plano deveria conter a sistematização e coordenação dos antigos e novos setores da vida urbana, observado o trânsito, comunicações, zoneamento e legislação.

O escopo do plano abrangia o levantamento planimétrico da região tendo como eixo a estrada de rodagem com 18km de extensão que ligava Barra Mansa à Pinheiros, levantamento topográfico semi-expedito do eixo e de precisão da cidade de Barra Mansa e da Vila de Pinheiros7. Foram utilizados ainda os levantamentos realizados para a construção da Vila Operária em Volta Redonda. Posteriormente parte deste levantamento foi entregue à Prefeitura de Barra Mansa. Acompanhando o plano viria um memorial descritivo, proposta de legislação para o zoneamento e reservas florestais, Código de Obras e Urbanismo e o plano de financiamento das obras (PAULA, 2009).

A partir do levantamento seriam produzidas as plantas cadastrais da cidade e, em seguida, deveriam ser elaborado por Corrêa Lima o plano de ligação entre Barra Mansa e Pinheiros, conectando ambos ao então distrito de Volta Redonda, localizado entre os dois núcleos urbanos.

Figura_3_Folhas_Planimetrico{width=”2.0833333333333335in” height=”4.770833333333333in”}

Figura 3. Montagem das Folhas VI e VII do Levantamento Planimétrico em escala 1/5000. Só foram encontradas as folhas referentes ao município de Barra Mansa. Fonte: PAULA, 2009.

Em Barra Mansa o plano previa um conjunto de alamedas, sendo que a principal acompanhava o sentido do rio Paraíba do Sul e as demais seriam transversais a primeira, conectando equipamentos urbanos e acessos à cidade. As alamedas foram projetadas com canteiros centrais arborizados, dividindo os fluxos e trazendo conforto nas proximidades da margem do rio, qualificando a via que seguiria linearmente em direção a outras centralidades urbanas. O projeto das alamedas tinha influência do modelo da Cidade-jardim (PAULA, 2009).

A grande alameda principal ajardinada seria iniciada no extremo norte de Barra Mansa, em uma grande rotatória, e nortearia todo o plano de urbanização deste município, localizada entre rio Paraíba e a via férrea. Após o centro urbano de Barra Mansa esta alameda continuaria numa faixa estreita entre a ferrovia e o rio, em direção ao distrito de Volta Redonda, encontrando o projeto da Vila Operária da CSN. Posteriormente esta via seguiria ao longo do rio até a Vila de Pinheiros. Segundo Paula (2009) esta via tinha o objetivo claro de desenvolver a margem direita do rio Paraíba, mas sem competir com a ferrovia.

A partir desta via principal surgiriam alamedas transversais menores que penetravam a cidade, absorvendo o fluxo nos pontos estratégicos, junto aos edifícios públicos ou cruzando a via férrea para alcançar caminhos que levam para fora da cidade. O urbanista indicou no plano os locais para a implantação de equipamentos, como o mercado municipal e a estação rodoviária, construída posteriormente.

O Código de Obras de Barra Mansa elaborado por Corrêa Lima era parte integrante do plano regional e foi promulgado em 1945. Este baseava-se nos modelos europeus de cidade, prevendo afastamentos mínimos das edificações, frontal e laterais, o que proporciona maior ventilação e conforto térmico e melhorava a qualidade de vida urbana.

Entretanto, as obras de execução do plano regional em Barra Mansa foram interrompidas com a fim do Estado Novo e a mudança do governo municipal em 1945. O único componente do plano regional que permaneceu foi o código de obras.

Durante um período Corrêa Lima desempenhou um duplo papel ao acompanhar a materialização do projeto de Volta Redonda e atuar junto à Prefeitura de Barra Mansa na elaboração de parte do plano regional. Nesta prefeitura o urbanista ficou por um tempo como responsável por aprovar os projetos de obras particulares, tanto no município quanto no distrito de Volta Redonda. Contudo, este não consegui influir ou antecipar as transformações urbanas que estavam acontecendo (LOPES, 2003).

Desenvolvimento e Conflitos Urbanos

Em um primeiro momento a CSN centralizava e dirigia o desenvolvimento, implantando e administrando a usina e o núcleo urbano entre 1941 e 1954, ano de emancipação de Volta Redonda. Ela também mantinha patrimônio, equipamentos e mobiliário urbano. A empresa divulgava as “facilidades” oferecidas na Vila Operária.

E na transformação dos antigos trabalhadores rurais em operários urbanos eram passadas instruções de uso dos espaços públicos e privados. A utilização das habitações era ensinada às mulheres, sendo impostos padrões funcionais, higiênicos e de comportamento que se estendiam às festas, diversões e comemorações, no convívio da vizinhança.

Porém, a tranquilidade da cidade contrastava com o trabalho duro, no ambiente opressor da Usina. O tempo e os hábitos cotidianos eram ditados pelo cartão de ponto, que controlava as horas trabalhadas nos três turnos ininterruptos.

Na Vila Operária, território da CSN, era mantido um controle quase que absoluto da vida social. Para garantir a ordem a empresa dispunha de uma polícia própria com controle fortemente militarizado, tanto na usina quanto na cidade. Trabalhadores tiveram problemas psicológicos motivados pelo rígido controle e pelo fato da usina ser vista de toda a Vila Operária. Técnicos que deixaram o lugar comparavam Volta Redonda a uma guarnição militar (SOUZA, 1992).

Também nos equipamentos de esporte e lazer a disciplina da usina estava presente, organizando o cotidiano. Em documentos e publicações, a CSN se refere à “família siderúrgica” como meio de “criar” laços sociais entre dirigentes e operários, passando a ideia do Estado neutro, acima das classes sociais, que confere benefícios e zela pela população (MOREIRA, 2003).

Como a oferta de residências pela CSN era ínfima em relação à demanda de seus operários, surge paralela à Vila Operária a “Cidade Livre”, que abrigava aqueles menos qualificados e os desmobilizados com o término da construção. Na margem esquerda do rio Paraíba em Volta Redonda e em Barra Mansa se desenvolveu uma cidade pobre e não planejada, com crescimento acelerado e desvinculada dos interesses diretos da CSN. Nesse ambiente urbano confuso cresceu a especulação imobiliária, com loteamentos sem respeito à legislação urbanística, sem infraestrutura, arruamentos, calçadas e alinhamentos. No caso de Volta Redonda, apesar de contemporânea à Vila planejada, esta parte da cidade era chamada “Cidade Velha”, pelos aspectos das ruas e casas, notadamente de padrões mais baixos e manutenção precária.

Atíllio Corrêa Lima denunciou de forma contundente os rumos do processo de urbanização ao Prefeito de Barra Mansa, dirigindo uma carta em abril de 1943 lembrando que o projeto da cidade industrial de Volta Redonda tratava-se de um “núcleo urbano racional”. Posteriormente, enviou outra carta, desta vez dirigida ao Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado. Nela, o urbanista renovou suas denúncias e mencionara os interesses econômicos envolvidos e as pressões dos proprietários de terras contra os planos de Volta Redonda e o regional em elaboração, que na sua visão eram influências perversas da herança fundiária (LOPES, 2003).

Mas ao mesmo tempo, a CSN colaborava com materiais para a montagem de barracos, fazendo vista grossa aos excluídos e tentando mitigar as emergências e tensões sociais por não conseguir fornecer abrigo em número suficiente para os seus empregados. Consequentemente, a empresa colaborava indiretamente para expansão desenfreada que Corrêa Lima fortemente denunciou até a vésperas de sua morte.

A não adoção do planejamento levou à ocupação das áreas mais distantes e periféricas de difícil acesso, com loteamentos clandestinos nos terrenos das antigas e decadentes fazendas de café, bem como ocupações irregulares, principalmente nas encostas dos morros e margens de rios. E, assim, em 1949 surgem as primeiras favelas de Volta Redonda, as então chamadas Morro dos Atrevidos e Vila dos Índios, relacionadas à desmobilização dos trabalhadores da construção civil (LOPES, 2003). Essas ocupações foram sendo adensadas, desafiavam o controle urbanístico e dando origem a comunidades segregadas e conflitos sociais e culturais que perduram até hoje.

Referências Bibliografias

AZEVEDO, Marlice Nazareth Soares. O espaço fluminense e a intervenção urbana no Estado Novo. In: REZENDE, Vera (Org.). Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: EdUFF/Intertexto, 2012. p.177-196.

BENTES, Júlio Cláudio Gama.; COSTA, Maria de Lourdes P. M. A Cidade-Empresa e a Empresa na Cidade: Volta Redonda e a Companhia Siderúrgica Nacional. In: X SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO – X SHCU. Anais. Recife: UFPE,2008, CD-ROM.

MOREIRA, Regina da Luz.; BRANDY, Maurette. CSN um sonho feito de aço e ousadia. Rio de Janeiro: CSN/CPDOC-FGV, 2005.

MOREIRA, Ruy. Ascensão e Crise de Paradigma Disciplinar. In:______. A Reestruturação Industrial e Espacial do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: GERET/NEGET/GECEL,2003.

LOPES, Alberto Costa. A aventura da forma: urbanismo e utopia em Volta Redonda. Rio de Janeiro: E-papers,2003

PAULA, Aloísio Lélis. O Papel da Ferrovia na Configuração do Território de Barra Mansa-RJ. Dissertação de Mestrado, UFF/PPGAU, Niterói,2009.

PIQUET, Rosélia. Cidade-Empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral. Pelo Espaço da Cidade: aspectos da vida e do conflito urbano em Volta Redonda. Dissertação de Mestrado, UFRJ/IPPUR, Rio de Janeiro,1992.

  1. Attílio Corrêa Lima se formou engenheiro-arquiteto na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) em 1925 e tornou-se urbanista pelo Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris, retornado ao Brasil em 1931. Durante o período vivido na França foi realizado o primeiro Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), em que foram afirmados os ideários do urbanismo racionalista. 

  2. Comissão formada em 04/03/1940. 

  3. “Proposta para o Estudo do Plano Regional de Urbanismo para Volta Redonda, no Vale do Paraíba, onde será instalada a Usina Siderúrgica”, datada de 25 de dezembro de 1940, destinada ao Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro. O atual município de Pinheiral naquela época era a vila de Pinheiros. 

  4. O projeto da siderúrgica foi elaborado pela empresa norte-americana Arthur G. Mc.Kee & Co. 

  5. E.F. Central do Brasil. 

  6. Diário Oficial, 11/05/1941. 

  7. Este levantamento foi realizado pelo Escritório Técnico de Topografia e Urbanismo de Niterói, junho/1941.