Resumo

A incursão sobre a área histórica do centro de Fortaleza revela uma herança patrimonial bastante relevante, tanto em aspectos arquitetônicos quanto urbanísticos. Utilizando-se do referencial teórico-metodológico da morfologia e história urbana de autores como Aldo Rossi (2001) e José Lamas (2010), foi possível, em um percurso predefinido, identificar no acervo patrimonial existente, temporalidades e espacialidades que possibilitam a leitura de uma história da forma urbana desta área. A análise perpassa sobre os elementos categorizados em fatos urbanos e fatos arquitetônicos, reconhecendo-os através de uma parte da rede de praças do bairro (Praça do Ferreira, Praça José de Alencar, Praça dos Leões, Passeio Público e Praça da Estação). A partir desse estudo, foi possível a compreensão dos elementos responsáveis pela formação urbana da área central fortalezense.

Palavras-chave: patrimônio cultural, morfologia urbana, história urbana, centro da cidade de Fortaleza

Abstract

The route of the historic area of the Fortaleza downtown reveals a very important heritage asset , both as architectural and urban aspects . Relying on the theoretical and methodological references of urban history and morphology of authors such as Aldo Rossi (2001) and José Lamas (2010), was possible in a pre-established route to identify the existing asset base , temporality and spatiality that makes possible a reading of an urban historical form in this area . The analysis goes through on the categorized elements in urban and architectural facts , recognizing them through a part of the network of neighborhood squares (Square Ferreira, José de Alencar Square, Square of Lions, Public Promenade and Station Square). From this study , it was possible to understand the factors responsible for the urban formation of the central area of Fortaleza.

Keywords: cultural heritage, urban morphology, urban history , Fortaleza downtown

Introdução

O presente artigo objetiva analisar a área central de Fortaleza, sob o enfoque teórico-metodológico da morfologia urbana e da história urbana presente na obra de Lamas (2011) e de Rossi (2001), visando compreender as relações existentes entre arquitetura e cidade para identificar os valores patrimoniais encontrados nessa área, repleta de significados e simbologia para a memória da cidade, a partir do processo de construção e apreensão das diversas temporalidades e espacialidades materializadas nos edifícios e espaços urbanos remanescentes.

Foi realizada uma análise na área delimitada para que se possa compreender as dinâmicas existentes em cada trecho. Setorizou-se o bairro com base nas praças, pois se percebe que há nesses sistemas de espaços públicos um trajeto que remonta à história urbana da cidade e que em seu entorno há os marcos edificados (fatos arquitetônicos). Grande parte desses bens culturais encontra-se protegidos pelas instâncias governamentais, havendo dessa forma o reconhecimento institucional sobre a representatividade desses equipamentos. A escolha por esse percurso se fez pois eles foram implementados no período de consolidação de Fortaleza como centro hegemônico do Ceará conhecido por Fortaleza Belle Époque (1850-1930).

O bairro é o “marco zero” fortalezense e passa por um processo de esvaziamento e degradação assim como boa parte das áreas centrais das demais capitais brasileiras. Sua arquitetura e seu traçado urbano são testemunhos das transformações e permanências vivenciadas ao longo dos quase 288 anos de fundação.

O trecho delimitado para o presente estudo compreende as avenidas do Imperador, Duque de Caxias, Dom Manuel e Presidente Castelo Branco, pois se acredita que nesse recorte há uma representatividade do objeto de trabalho. (Figura 1)

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Figura 1. Trecho do bairro Centro a ser analisado. Fonte: Base Google Earth adaptada pela autora, 2014.

A Cidade como Arquitetura: morfologia urbana e arquitetônica

Identificar os valores patrimoniais arquitetônicos e urbanísticos na área central de Fortaleza requer a análise conjunta do acervo edificado, com o traçado urbano e os acontecimentos que permearam a consolidação dessa herança para os dias atuais.

Na perspectiva de Rossi (1977) morfologia urbana define-se como “o estudo das formas da cidade”. Para compreender a produção dessas formas, é necessário o aporte de outros campos disciplinares que possuem interfaces com o campo disciplinar da arquitetura e urbanismo, tais como: Geografia, Sociologia, Economia e Antropologia.

Na obra de Rossi (2001), o autor analisa a cidade através de dois olhares: o primeiro consiste em considerá-la como um artefato arquitetônico e o segundo, seria compreendê-la através do estudo de seus entornos, de seus fatos urbanos (elementos que constituem a estrutura da cidade).

Outra consideração abordada por Rossi é sobre o significado das permanências no tempo presente, que se constituem como um passado que é ainda experimentado no momento atual. A identificação dessas permanências dar-se-á através dos monumentos, das edificações, do traçado urbano e do plano. É por meio dessas permanências que a história urbana pode ser comprovada e recontada.

Dialogando com Lamas (2011), entende-se que a cidade pode ser lida como um objeto arquitetônico, fato corroborado com a seguinte passagem:

À morfologia urbana interessam, em primeiro lugar, os instrumentos de leitura urbanísticos e arquitecturais – partindo do princípio de que as disciplinas de concepção do espaço têm instrumentos de leitura que lhes são próprios: a leitura da cidade como facto arquitectural.(LAMAS, 2011 p.41)

Para o autor, o significado de forma urbana seria o meio urbano apreendido como uma arquitetura, ou seja, uma série de equipamentos arquitetônicos correlacionados pelo espaço. Conclui que forma é,

aspecto da realidade, ou modo como se organizam os elementos morfológicos que constituem e definem o espaço urbano, relativamente à materialização dos aspectos de organização funcional e quantitativa e dos aspectos qualitativos e figurativos. (LAMAS, 2011, p.44)

Desta forma há uma fragmentação dos elementos da análise da morfologia urbana a partir de escalas existindo uma analogia com a arquitetura, correlacionando os elementos arquitetônicos com os urbanísticos. Nessa leitura da urbe é considerada a “passagem do tempo”, ou seja, as marcas que o tempo histórico imprime na forma urbana. Ele trabalha com o conceito de elementos morfológicos identificáveis, que são aqueles essenciais que compõem a forma urbana. São considerados esses componentes: o solo, os edifícios, o lote, a fachada, o logradouro, o traçado (rua), a praça, o monumento, a vegetação e o mobiliário urbano.

Fortaleza e seus percursos

A colonização cearense se procedeu a partir dos sertões, ao longo do século XVII, através da dinâmica da pecuária e da agricultura que promoveram a permanência de habitantes. Nesse contexto, as vilas que apresentavam destaque no cenário da capitania eram aquelas que estavam inseridas nessa conjuntura.

Fortaleza, um povoado que surgiu às margens do Forte de Nossa Senhora de Assunção, foi elevada a categoria de vila em 1726, e recebeu por imposição da Coroa portuguesa, a função de sede administrativa da capitania do Ceará. A vila como núcleo administrativo possuía uma importância socioeconômica diminuta nesse período, pois não estava no foco da dinâmica econômica.

A hegemonia de Fortaleza como o núcleo urbano foi iniciada somente a partir de meados do século XIX e teve sua consolidação na segunda metade deste mesmo século. A emancipação do Ceará diante de Pernambuco em 1799 foi um dos fatores decisivos nesse processo, pois foi necessário dotar a vila com a infraestrutura condizente ao status e função de sede político-administrativa.

Na segunda metade do século XIX, Fortaleza assim como boa parte das cidades brasileiras, sofreu transformações arquitetônicas e urbanísticas que objetivam a inserção do padrão das cidades modernas europeias em detrimento da morfologia urbana e da arquitetura civil colonial. Durante esse momento foi edificado grande parte do acervo arquitetônico de interesse patrimonial remanescente nos dias atuais, como,

(...) Santa Casa de Misericórdia (1861), Cadeia Pública (1866), Assembléia Legislativa (1871), Asilo de Mendicidade (1877), Escola Normal (1884), Quartel do Batalhão de Segurança (1880), Estação da Estrada de Ferro de Baturité (1880), além dos mais antigos, como o Palácio do Governo, Mercado Público, Palácio Episcopal, Tesouraria da Fazenda (1895), conferiram a Fortaleza a marca de capital da Província. (LEMENHE, 1991, p.123)

Seguindo os princípios urbanísticos europeus do século XIX baseado na tríade de embelezamento, fluidez e higienização, Fortaleza recebe intervenções em seu desenho urbano. O traçado xadrez de 1818, elaborado pelo engenheiro Silva Paulet (Planta da Villa e Porto da Fortaleza) foi consolidado por Adolfo Herbster, que a este acrescenta três boulevards (atuais avenidas Dom Manuel, Duque de Caxias e Imperador), a funcionarem como os vetores de expansão e os limites da cidade.

O bairro possuía uma rica efervescência até meados do século XX. Paulatinamente nas últimas décadas vem assistindo um esvaziamento com um caráter predominantemente comercial, atividade que algumas vezes se torna predatória dos espaços públicos (praças e ruas) e do conjunto arquitetônico, que se transforma em estacionamentos ou quando são descaracterizados.

Apesar do monopólio do comércio, foi louvável a iniciativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza em retornar ao antigo paço, na área central. Há ainda algumas outras instituições que tem sede no Centro, como Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional), DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas),Sefaz (Secretaria da Fazenda do Ceará) entre outras.

Os equipamentos voltados ao lazer e entretenimento no bairro necessitam de intervenções. Eles são marcantes na memória dos fortalezenses, como o Cine São Luiz e o Theatro José de Alencar, ambos exerceram papéis fundamentais na formação cultural da cidade, e que por falta de gestão e de recursos, entraram num processo de degradação.

A análise se inicia pela Praça do Ferreira, seguindo pelas praças José de Alencar, General Tibúrcio (dos Leões), Passeio Público e finaliza na Praça Castro Carreira (da Estação).(Figura 2)

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Figura 2. Sistema de praças do Centro de Fortaleza.Fonte: Base Google Earth adaptado pela autora, 2014

Praça do Ferreira

Considerada o “Coração do Centro”, foi nomeada em homenagem ao político Boticário Ferreira, responsável pela ordem de urbanizar o espaço em 1871.

O lugar possui em seu entorno uma série de edificações que compõem uma multiplicidade dos estilos arquitetônicos que perpassaram não só na história de Fortaleza, como também, a do Brasil. Há diversos exemplares em bom estado de artdéco, eclético e moderno. Embora essas edificações estejam bem conservadas, com a unidade potencialpresente, estão mascaradas por letreiros ou por cores fortes que não se enquadram no padrão adequado que ressaltaria a ambiência requerida pelo lugar. Sobre isso, na Carta de Brasília de 1995 aborda que,

(...) é necessário criar normas especiais que assegurem a manutenção do entorno primitivo, quando for possível, ou que gerem relações harmônicas de massa, textura e cor. (CONE SUL, 1995, p.326)

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Figura 3. Praça do Ferreira. Fonte: sobralcultural.blogspot.com.br

A praça foi objeto de intervenções em 1991, projeto dos arquitetos Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo que buscou remontar diversos elementos simbólicos das várias fases da praça. (Figura 3)

Um dos fatos arquitetônicos mais marcantes é o Cine São Luiz de 1958. Foi tombado em 1991 pela Secultfor (Secretaria de Cultura de Fortaleza). Sua arquitetura é representativa do estilo art déco. O térreo, onde funcionava o cinema, está sendo restaurado com previsão de ser entregue no segundo semestre de 2014. Nos andares superiores está funcionando a Secult (Secretaria da Cultura), órgão de proteção cultural do estado.

Uma edificação bastante representativa do estilo eclético adjacente à praça é o Palacete Ceará. Foi edificado nos anos de 1920. Em 1982, foi vítima de um incêndio e seu espaço interior foi destruído, as fachadas resistiram ao incidente e no ano seguinte, como medida de salvaguarda, teve seu tombamento estadual decretado.

O Hotel Excelsior é um dos principais marcos da praça. Foi erguido onde antigamente se localizava o Hotel Central. Desde 1987, a edificação não funciona com a função original. Inaugurado em 1932, era a mais alta torre de Fortaleza. O seu terraço era panorâmico, onde se podiam avistar as serras ao sul e o mar ao norte. É conhecido na contemporaneidade pelas canções natalinas entoadas pelas crianças durante as festividades de final de ano.

A Farmácia Oswaldo Cruz fundada em 1934 é um dos pontos comerciais mais tradicionais da cidade. A edificação de 1927 se encontra em processo de tombamento municipal.

Há mais duas edificações verticalizadas na praça. O Hotel Savanah e o Edifício Sul América. O hotel em traços modernistas e inaugurado em 1963. Em 1983 foi fechado. Atualmente o imóvel está sendo adaptado para receber uma filial da Faculdade Maurício de Nassau. Infelizmente somente a volumetria que está sendo preservada. O Sul América foi inaugurado em 1953, com cerca de dez pavimentos e em traços do artdéco. Pertencia ao grupo Sul América até 1968, quando foi revendido, mas permanecendo o uso comercial no imóvel.

A malha urbana sofreu alterações significativas, o plano de Hélio Modesto em 1962, propôs a transformação das ruas convencionais Guilherme Rocha e Liberato Barroso, em vias pedonais. Dessa maneira o logradouro adquiriu maiores contornos.

Praça José de Alencar

O espaço público foi aformoseado em 1903. Devido aos protestos contra o governo do oligarca Nogueira Accioly, em 1912, o lugar foi alvo depredações, necessitando ser remodelada posteriormente. A praça na década de 1970 funcionava como um terminal de ônibus, formando um dos primeiros terminais de porte da capital cearense. Essa intervenção acarretou na degradação do ambiente urbano, desvalorizando um bem notoriamente relevante.

O Theatro José de Alencar é um dos símbolos mais conhecidos de Fortaleza que a praça possui em seu entorno. Seu nome é homenagem ao romancista e político cearense José Martiniano de Alencar. Em 1929, por razões das comemorações do romancista, a praça foi renomeada tal como é conhecida atualmente. O teatro em estilo eclético foi inaugurado em 1910. (Figura 4)

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Figura 4. Theatro José de Alencar. Fonte: Pbase.com/alexuchoa

Todavia, o partido escolhido objetivava tornar a praça uma área de contemplação do conjunto, celebrar a união do objeto arquitetônico com o contexto urbano, dialogando com os preceitos do projeto de cidade do final do século XIX e início do XX. Sobre esses desdobramentos, tem-se que,

Confirmando a presença de um dos princípios do projeto estético das cidades brasileiras daquele período, definia-se uma estruturação da paisagem onde cada elemento da morfologia urbana - edifícios, praças, vias de circulação - passava a ser tratado de uma forma integrada, que valorizava mutuamente todos os elementos, construindo um cenário para exibição dos signos do progresso: o teatro monumental e a praça aformoseada. (MOURA FILHA, 1998, p.12)

A Igreja do Patrocínio foi inaugurada em 1852. Sua arquitetura é singela, em traços harmônicos, proporcionais com desenho neoclássico. No final de 2013, recebeu por iniciativa privada uma pintura em cores fortes. O argumento é que receberia um destaque e poderia ser observada. A igreja está em processo de tombamento municipal desde 2012.

A Estação José de Alencar é uma obra contemporânea dos anos 2010. Foi inaugurada em julho de 2013, após muitos entraves, disputas entre a Prefeitura de Fortaleza e os comerciantes que ocupavam o lugar. O sistema de transporte entrou em operação em fase de testes no final de 2012 e a previsão do funcionamento pleno está para 2014. Estima-se que esse equipamento fomentará o fluxo de usuários ao bairro e a Praça José de Alencar se consolidará como um dos principais pontos de acesso.

A sede do Iphan Ceará se localiza na Antiga Escola Normal. Edificação de 1884, adjacente ao Theatro José de Alencar, possui seus traços ecléticos. A edificação foi a Escola Normal até 1923. Foi tombada pelo Estado em 1968.

O Lord Hotel foi célebre por ser receber grandes personalidades em seu período áureo entre os anos de 1960 a 1970. Construído em 1956, foi tombado em 2005 pela Prefeitura de Fortaleza. Devido às obras do Metrofor, teve sua existência ameaçada, mas por intermédio da resistência de alguns moradores, foi mantido e se encontra em processo de restauração.

O Centro de Saúde José de Alencar (CSJA) é uma edificação modernista da década de 1960. Obedecendo as diretrizes da arquitetura moderna, o edifício em concreto possui as fachadas bem delineadas em brises verticais.

A conservação da praça é precária, por ter um uso intenso e ao comércio ambulante, muitos de seus monumentos estão escondidos ou depredados. A paginação do piso está em vários trechos desgastada ou quebrada e os canteiros estão mal cuidados. Um desprestígio com o logradouro tão simbólico para a memória do fortalezense e também fortemente inserido no contexto da cidade e do bairro.

Praça dos Leões

A Praça dos Leões ou Praça General Tibúrcio é uma das mais elegantes do bairro. Inicialmente era um areal que servia como área de congregação da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Durante o governo de Idelfonso Albano (1923-1924) foi aformoseada, ganhando novos jardins, Ponte (2010) esclarece, “O ajardinamento da praça obedeceu ao estilo romântico ou Jardim Inglez(sic) com caminhos e canteiros sinuosos. (PONTE, 2010, p.60)

Com desenho eclético, possui uma escadaria icônica trabalhada com balaustrada que acompanha a mudança de nível de cerca de 3 m. As esculturas de leões foram trazidas da França. Outro ornamento presente na área desde 2005 é uma homenagem à escritora Rachel de Queiroz, uma escultura em tamanho real está localizada em um dos bancos. (Figura 5)

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Figura 5. Praça dos Leões. Fonte: panoramio.com, 2008

Dos elementos de seu entorno tem-se notadamente a Igreja do Rosário. É a mais antiga de Fortaleza, data de 1730, possui traços da arquitetura colonial. Foi tombada em 2006 pelo município.

O Museu do Ceará que foi construído para ser a sede da Assembleia Provincial do Ceará teve sua inauguração em 1871. O prédio de estilo neoclássicoé tombado em duas instâncias: em 1973 pelo Iphan, quando ainda era sede da Assembleia Legislativa do Estado e em 2006 pela Secultfor. Em 1977, a Assembleia foi transferida e o imóvel passou a abrigar a Academia Cearense de Letras. No ano de 1990 foi restaurado e a sediar o museu.

O Palácio da Luz é outro marco de valor patrimonial no entorno da praça. Foi construído com mão de obra indígena no final do século XVIII. Em 1814 foi adquirido pelo governo e passou a sediar a Câmara Municipal. Em 1839 sofreu acréscimos. Foi tombado em 1968 pela Secult e em 2006 pela Secultfor. Atualmente é sede da Academia Cearense de Letras.

Edifício General Tibúrcio é um marco contrastante com o entorno e se relaciona com o espaço público de forma diferenciada, pois ele avança sobre o passeio. Possui 15 andares, sendo um dos mais verticalizados no perímetro da área central.

Passeio Público

A Praça dos Mártires é considerada a mais antiga praça da cidade. Situada às margens da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção era conhecida como Largo do Paiol, pois havia no lugar da atual Santa Casa, um depósito de pólvora.

Em 1825, houve a execução dos participantes da província na Confederação do Equador: Azevedo Bolão, Feliciano Carapinima, Francisco Ibiapina, Padre Mororó e Pessoa Anta, razão de ser nomeada como Mártires.

No período de 1879 e 1880, o logradouro foi remodelado, tendo os seus três níveis bem delimitados. Esses patamares setorizavam a vida pública do fortalezense, pois o acesso a um nível estava intrinsecamente relacionado com a classe social dos usuários. O primeiro plano, o único remanescente nos dias atuais, era o espaço da elite, continha esculturas que eram réplicas de célebres esculturas, jardins, coreto, café, mobiliário elegante. No segundo, havia um espaço densamente arborizado, com um lago e um cassino, onde se reuniam as pessoas da classe média. O terceiro, reservado para as pessoas mais humildes, possuía um lago artificial que era alimentado pelo Riacho Pajeú.

Ao longo do século XX, com o processo de esvaziamento do Centro e o surgimento de outros espaços públicos, o Passeio Público foi se tornando subutilizado. Tombado pelo Iphan em 1965 e pela Secultfor em 2006. Em 2007, teve início a última restauração da praça realizada pela Prefeitura de Fortaleza. Após essa intervenção, o espaço ganhou vivacidade. O antigo café funciona diariamente como restaurante atraindo muitas pessoas. O ar bucólico e nostálgico ao caminhar por suas alamedas é recorrente nos frequentadores da praça.(Figura 6)

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Figura 6. Passeio Público.Fonte: http://sincom.org.br/, 2014

A Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção é um dos principais marcos fortalezenses, dando origem ao nome da capital. Foi edificada no lugar de um forte erguido pelo capitão holandês Matias Beck, em 1649, tendo sido batizado Fort Schoonenborch. Em 1654, os portugueses expulsaram os holandeses. Em 1812, a atual fortaleza começou a ser construída segundo o desenho do engenheiro Silva Paulet, concluída em 1822. Passou por outras intervenções ao longo do século XIX. Nos anos de 1948, foi reformada para ser sede da 10ª Região Militar. Desde 2008 é tombada pelo Iphan.

A Santa Casa da Misericórdia constitui uma das mais importantes edificações do entorno do Passeio Público, foi inaugurada em 1861, exemplar da arquitetura eclética na cidade, teve sua proteção decretada pela Prefeitura de Fortaleza em 2011.Apesar das crises financeiras, a Santa Casa continua exercendo sua função original.

O Antigo Hotel do Norte é um imóvel datado do final do século XIX. Foi a sede da Sociedade União Cearense entre os anos de 1895 e 1935 e posteriormente abriga a repartição dos Correios. Ainda em 1935, o imóvel foi adquirido pela “The Ceará Tramway Light & Power Co. Ltd.”, companhia inglesa que explorou a produção e o consumo de energia elétrica e o serviço de bondes da cidade. Sofre acréscimos provavelmente após 1935, seguindo as mesmas características arquitetônicas ecléticas e construtivas. No início da década de 1980 o imóvel é desocupado e passa por processo de degradação até que em 2004 é tombado pelo Estado e inicia o processo de restauro. Em 2007 é palco do evento de ambientações “Ceará Cor” e teve sua reabertura. Foi anunciado para ser sede do IAB Ceará, Museu da Indústria e Instituto de Música Thomaz de Souza Brasil, no entanto, sete anos após o último evento, a edificação permanece fechada, entrando novamente por um processo de má conservação.

Praça da Estação

A Praça da Estação, oficialmente denominada de Praça Castro Carreira possui em seu entorno imediato um dos principais bens responsáveis pela consolidação de Fortaleza como núcleo hegemônico do Ceará, a Estação João Felipe.

A praça por volta dos anos de 1830 era conhecida como Campo da Amélia. Era lugar para a prática de esportes hípicos. No terreno onde atualmente se localiza a estação ferroviária, era o antigo cemitério, inaugurado em 1848 (Cemitério de São Casimiro). Por motivos de salubridade, foi transferido em 1866 para a Jacarecanga (na época uma área com pouca ocupação). Em 1871, com a inauguração da ferrovia, passou a ser conhecida como Praça da Estação. Em 1900 foi aformoseada seguindo as influências europeias.

No ano de 1991 ela recebeu a atual conformação de terminal rodoviário, o que acarretou uma desvalorização de seu entorno. Atualmente, a praça é lugar para comércio ambulante, abrigo de moradores de ruas e um intenso movimento de ônibus (municipais e intermunicipais).

A Estação João Felipe foi inaugurada em 1873. Adquiriu as características arquitetônicas como é conhecida na contemporaneidade na reforma de 1880. Ressalta-se que a estrada de ferro era o acesso de muitos dos flagelados da seca e que se aglomeravam na praça. Visando solucionar os problemas dos retirantes, resolveu-se contratá-los para a construção do novo prédio da estação. Em 1983 foi tombada pelo estado.

Em janeiro de 2014, ela foi desativada. Será destinada para um equipamento cultural, a Pinacoteca do Estado do Ceará. Além dessa função, a estação abrigará a sede do Iphan, o Centro de Referência da Arqueologia do Ceará e o Centro de Referência Documental. A previsão de conclusão é de dezembro de 2014, uma obra orçada em 22 milhões de reais. Os antigos trilhos cederão espaço às obras subterrâneas do Metrofor.

Os galpões que conformam o entorno, a oeste da Praça da Estação, são datados de 1925. Com traços ecléticos, eles agregam harmonia ao conjunto da estação. Foram construídos para exportação, importação e almoxarifado. Atualmente, sediam o escritório do Metrofor.

Outro fato arquitetônico é a antiga Cadeia Pública, que abriga o Centro de Turismo do Ceará (Emcetur), é patrimônio tombado pelo Estado desde 1982. Foi edificada a partir de 1850, mas sendo finalizada em 1866. Possui seus traços seguindo o estilo neoclássico. Teve sua função original mantida até 1967, ano que foi inaugurado o Presídio Paulo Sarasate e os presos foram transferidos. Sofreu intervenções em 1973 para abrigar o equipamento ligado ao turismo, mas procurou preservar as características originais do edifício.

Percebe-se que apesar da existência desses ícones arquitetônicos e urbanístico da história da cidade, o bairro se encontra desprestigiado, necessitando de intervenção que resgate e valorize o significado dessa área. O bairro precisa ser reconhecido como um circuito de subconjuntos articulados por essa rede de espaços públicos.

Do exposto, entende-se que o centro de Fortaleza pode ser apreendido como uma enciclopédia, que abriga o acervo arquitetônico da história local e internacional. Em suas praças e edifícios, estão impressas as marcas do tempo que persistem e são apropriadas na contemporaneidade. Calvino (2006), afirma que,

Poderia então dizer que Paris, eis o que é Paris, é uma gigantesca obra de consulta, uma cidade que se consulta como uma enciclopédia: na abertura da página, ela lhe dá uma série de informações de uma riqueza como nenhuma outra cidade. (CALVINO, 2006, p. 187).

Considerações finais

O presente trabalho realizou uma leitura urbana e arquitetônica sobre área central histórica de Fortaleza. O trecho selecionado foi escolhido por ser notoriamente reconhecido tanto pelas instâncias governamentais quanto pelos fortalezenses como berço da capital cearense.

Entende-se que é necessário se debruçar sobre as demais praças e espaços públicos existentes no bairro para o completo panorama da representatividade do acervo patrimonial da área. Pretende-se ampliar o estudo para os demais equipamentos ainda não analisados.

Ressalta-se que o conjunto de espaços analisados no trabalho constitui na memória da cidade como os mais representativos na formação urbana do Centro, pois fazem parte de um circuito bastante percorrido até os dias atuais.

Anseia-se que as iniciativas do poder público possam celebrar a importância do bairro em seus múltiplos significados (cultural, político, social e econômico) e reavivar o coração de Fortaleza, inserindo nos planos de desenvolvimento urbano e não como está sendo gerido atualmente, como um trecho isolado do restante da urbe.

Referências bibliográficas

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