Resumo

A Tenessee Valley Authority (TVA) foi uma autarquia criada em 1933 no governo Roosevelt, como parte da política New Deal. O estudo das ideias e experiências de planejamento regional de bacias hidrográficas pela historiografia do planejamento, embora venha ganhando força mais recentemente a partir de seus vínculos com a questão ambiental e de uma retomada dos estudos sobre o desenvolvimento, ainda é incipiente. Nesta perspectiva, a compreensão mais aprofundada sobre a TVA, as ideias e concepções que mobilizaram e as transformações territoriais que deflagraram é de grande relevância. Este trabalho foca os anos iniciais da TVA, enfatizando a contribuição da RPAA e de Benton Mackaye nas primeiras formulações de planejamento desta instituição. A contribuição de Benton Mackaye ao planejamento regional é reconhecida por alguns autores como o primeiro esforço teórico abrangente para uma abordagem compreensiva do território nos Estados Unidos no período entre guerras e sua participação na TVA é parte deste processo.

Palavras-chave: planejamento regional, Benton Mackaye, TVA, RPAA

Abstract

Tennessee Valley Authority ( TVA ) was a agency created in 1933 in the Roosevelt administratio , as part of the New Deal policy. Although it has more recently gaining strength from their ties to the environmental issue and a resumption of studies on the development, the study of the ideas and experiences of regional planning watershed planning by historiography is still incipient. In this perspective, a deeper understanding of the TVA , the ideas and concepts that have mobilized and territorial transformations that broke are much relevants . This paper focuses the early years of TVA, emphasizing the contribution of RPAA and Benton Mackaye in the first formulations of planning this institution. The Benton Mackaye contribution in regional planning is recognized by some authors as the first theoretical effort for a comprehensive approach to territory in the United States in the interwar period and their share in TVA is part of this process.

Keywords: regional planning, Benton Mackaye, TVA, RPAA Introdução

A década que se seguiu a grande crise de 1929 caracterizou-se por um período de grande esforço governamental para o desenvolvimento dos países americanos com base na estruturação de um aparato governamental e de criação de instituições de planejamento regional. A Tenessee Valley Authority (TVA) foi um dos organismos regionais criado em 1933, como parte da política New Deal do governo Roosevelt, para alavancar a economia da área compreendida pela bacia do rio Tennesse. O território da bacia compreendia 105 mil km2 contemplando 7 estados – Kentucky, Tennessee, Mississipy, Alabama, Georgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte – com uma população, em 1950, de 3 milhões de habitantes, que se dedicavam fundamentalmente à agricultura.

Após a criação da TVA, foram criadas diversas instituições na América latina, como a Corporação Chilena de Desenvolvimento, de 1939, a Comisión Ejecutiva del Papaloapan (CODELPA) , em 1946 no México, A Comisión técnico financiera del Río Negro ( RIONE ), em 1938 no Uruguai, a Corporação do Rio Santa, no Peru, de 1943, a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), de 1945, e Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (CIBPU), de 1951, no Brasil. Diante desta proliferação de experiências na America Latina que antecedem as politicas de financiamento da ONU, buscamos compreender as ideias referentes ao planejamento regional da TVA para que possamos dar os primeiros passos na avaliação de como e em que medida as ideias desta agencia repercutiram nas experiências latino-americanas.

O estudo das ideias e experiências de planejamento regional de bacias hidrográficas pela historiografia do planejamento, embora venha ganhando força mais recentemente a partir de seus vínculos com a questão ambiental e de uma retomada dos estudos sobre o desenvolvimento, ainda é incipiente. Nesta perspectiva, a compreensão mais aprofundada sobre a TVA, as ideias e concepções que mobilizaram e as transformações territoriais que deflagraram e os agentes envolvidos é de grande relevância.

Este trabalho foca os anos iniciais da TVA, enfatizando a contribuição de Benton Mackaye nas primeiras formulações de planejamento desta instituição, assim como a repercussão destas propostas na concepção original do órgão e para o seu deslocamento. Utilizamos a noção de concepção para a análise desta instituição, compreendendo-a como resultado de um processo de criação que envolve um conceito ou uma ideia. Entendemos que a criação da TVA é resultado de um processo conflituoso que envolve diferentes ideias submetidas a um campo de forças.

As origens da Tenessee Valley Authority e os vínculos com a RPAA {#as-origens-da-tenessee-valley-authority-e-os-vínculos-com-a-rpaa .list-paragraph}

Os dez anos compreendidos entre 1925 e 1935 marcam emergência do planejamento regional nos EUA e se referem, segundo Friedmann (1979), a um período de formação de um ideario de planejamento regional, protagonizado pelo embate entre os chamados “metropolitanistas”, cujo protagonista era Thomas Adams, coordenador do Regional Plan of New York and its Environs, e “regionalistas”, representados por Lewis Mumford e pela Regional Planning Association of America (RPAA). Os regionalistas propunham a criação de condições que estabeleceriam uma relação harmoniosa entre home e natureza, fundada em uma “bio-ética” e uma cultura de conservação dos recursos naturais e das tradições culturais que deveriam enfrentar o processo de metropolização e todos os impactos dele decorrentes. De acordo com a doutrina original dos regionalistas, planejamento regional era a criação de condições que poderiam estabelecer uma relação harmoniosa entre seres humanos e natureza, fundamentado em uma bio-ética que poderia mostrar um profundo respeito pelos limites da intervenção humana nos processos “naturais” e o limite do “canceroso” crescimento das cidades (FRIEDMANN,1979). Esta concepção ampla do território se traduz por uma ênfase na escala regional e a uma noção dos recursos naturais onde a perspectiva conservacionista vai se destacar.

Neste período de eclosão de ideias, uma das experiências mais marcantes de planejamento regional foi originada nos Estados Unidos, no governo Roosevelt, como parte da política New Deal e que prometia colocar em prática todo o ideário que vinha se constituindo sobre planejamento regional conduzido pela RPAA. A Tenessee Valley Authority (TVA), criada em 1933, refletia por um lado, o desejo pessoal do presidente Franklin D. Roosevelt para melhorar a aparência e produtividade da paisagem da região, e por outro lado, foi uma resposta às terríveis circunstâncias econômicas que acompanharam a Grande Depressão (SCHAFFER, 1990). Como governador do estado de Nova Iorque, F. Rossevelt havia tomado conhecimento das ideias da RPAA sobre planejamento regional, inclusive pela participação de Clarence Stein e Henry Wright na elaboração do Plano para o Estado de Nova Iorque para o governo anterior, ampliando sua ideia de planejamento urbano para pensar a cidade em nível regional em termos de um ordenamento do uso da terra e distribuição da população (GRAY, 2005).

Criticando a relação que chamavam de “parasítica” entre metrópole e área rural, com o esgotamento dos recursos do solo, florestas e rios, a RPAA defendia a relação interdependente entre área urbana e rural, a descentralização da metrópole com a criação de novos núcleos urbanos, a modernização do território através das redes de infraestrutura de transporte (hidroviário, ferroviário e rodoviário), de equipamentos sociais e de lazer, e de geração e distribuição de energia, particularmente a hidrelétrica, o planejamento regional com técnicas conservacionistas.

Dois membros da RPAA fizeram parte do núcleo inicial da TVA, construindo diretamente uma ligação entre as duas instituições, são eles Tracy Augur e Benton Mackaye. Ambos foram contratados na ocasião em que Earle Draper, chefe da Divisão de Planejamento Territorial e Habitação da TVA montou uma equipe especializada para colaborar nos trabalhos de planejamento regional da instituição. Augur foi contratado como chefe da Seção de Planejamento Regional e Mackaye como técnico em planejamento regional (GRAY, 2005). Augur seria o responsável pelo planejamento da cidade de Norris e Benton Mackaye tinha como atribuição a elaboração do plano regional da instituição.

Através de uma longa e variada carreira, MacKaye havia ganhado reputação como um dos ambientalistas e planejadores mais importantes dos Estados Unidos. Ele foi um dos principais expoentes do movimento conservacionista norte-americano, liderado por G. Pinchot, e teve atuação no Departamento do Trabalho do estado de Washington. Mackaye e a RPAA denunciavam os impactos sociais e culturais dos processos de industrialização e metropolização e esperavam que uma nova geração de “engenheiros humanos” pudessem aproveitar a tecnologia moderna, especialmente a hidrelétrica, para controlar o crescimento das grandes cidades e construir a prosperidade na vida comunitária (MUMFORD, 1925).

Em sua atuação no Departamento do Trabalho do estado de Washington, Mackaye elaborou o estudo Employment and Natural Resources, publicado em 1919, que ofereceu diretrizes à política de colonização e ao aproveitamento dos recursos naturais, ressaltou a importância dos serviços sociais e de infraestrutura como elementos capazes de condicionar as localizações produtivas e atrair indústrias e defendeu a redução da jornada de trabalho com manutenção dos salários (DAL CO, 1975).

MacKaye era um dos membros mais ativos da RPAA. Em 1925, ajudou a organizar e publicar o número sobre planejamento regional da revista Survey Graphics, que constituiu num dos marcos do ideario regionalista baseado nos princípios de conservação e das cidades jardim nos Estados Unidos. Em 1928, MacKaye publicou The New Exploration, onde delineou sua filosofia de planejamento regional, enfatizando o equilíbrio e a harmonia entre os três ambientes básicos - o primitivo, rural e urbana. Neste mesmo ano, MacKaye foi co-autor (com Lewis Mumford) de um artigo clássico sobre planejamento regional para a Enciclopédia Britânica, em que os autores delinearam as diferenças entre planejamento metropolitano (que defendiam o crescimento urbano) e de planejamento regional (que pregava o equilíbrio ambiental e social).

A criação da TVA foi para MacKaye a possibilidade de colocar em prática a suas ideias e experiência. Sua carreira como conservacionista, teórico regional, planejador prático, e na administração pública, parecia ser a base ideal para uma das experiencias mais ousadas do New Deal. MacKaye se fez presente na elaboração de várias propostas para a concepção inicial da TVA desde antes de sua contratação pela TVA em 1934. Um dos exemplos foi o ofício enviado em dezembro de 1933 contendo um esboço de suas ideias sobre a política florestal da TVA, a partir de uma solicitação feita por Edward Richards, chefe do Setor Florestal. Podemos perceber seu esforço em mostrar que seus trabalhos eram fundamentais para aquela agência pela quantidade de documentos elaborados a este respeito e enviados à TVA e também percebemos através dos ofícios que suas ideias eram requeridas pela equipe da TVA.

A MacKaye foi dada a responsabilidade de formular o programa do Plano Regional de número l da TVA. No entanto a concepção de planejamento integrado e unitário de MacKaye divergiam do pensamento dominante da agência, e sua influência dentro TVA foi rapidamente diminuindo, exceto por seu papel como amigo e mentor de um pequeno grupo de jovens membros da equipe da agência que compartilhavam seus ideais ambientais. Para Schafer (1990), ele era um filósofo em um mundo ocupado em grande parte por construtores e burocratas. Mackaye trabalhou na TVA por 26 meses (abril de 1934 a julho de 1936) quando houve uma redefinição das diretrizes da instituição com a reeleição de Roosevelt.

O Plano Regional nº1 de 1934 {#o-plano-regional-nº1-de-1934 .list-paragraph}

No início de 1934, Draper solicitou a Mackaye para que delineasse suas visões sobre como o processo de planejamento regional deve se desenvolver e ser realizado pela TVA. Em fevereiro do mesmo ano Mackaye, então vice-presidente da RPAA, elaborou o documento Regional Planning & The Tennessee Valley. A partir deste material, Draper solicitou ao Conselho de Diretores da TVA que se aprovasse a realização do plano regional a ser elaborado pela Divisão de Planejamento Territorial e Habitação. A proposta era elaborar um plano regional compreensivo que pudesse orientar os empreendimentos públicos e privados em andamento ou em projeto.1

Com a aprovação do Conselho de Diretores, Draper contrata Mackaye em abril de 1934 para realizar o plano chamado de A Seção do Vale do Tennessee do Plano Nacional. A referência a um "plano nacional" provavelmente reflete opinião expressa do FDR que a TVA poderá servir como um protótipo para o desenvolvimento das bacias hidrográficas em todo o país. 2

A resposta de Mackaye foi dada através de um memorando datado 20 de agosto de 1934 que continha o Progress Report on Regional Plan Nº1, intitulado por Mackaye de Opus One. 3 O documento de Mackaye expressou sua compreensão da missão da Divisão de Planejamento Territorial e Habitação e forneceu diretrizes para a concepção do plano regional. Entre as diretrizes estavam a elaboração de planos e pesquisas regionais sobre a classificação, localização dos recursos básicos e vocações de utilização da terra e comunicação. Os elementos do plano deveriam incluir uso da terra, padrões populacionais e colonização. Mackaye propunha três linhas de atuação para a TVA relacionadas ao desenvolvimento fisico, economico a social, sendo que estes deveriam ser pensados e realizados de maneira integrada.

No que se refere ao desenvolvimento físico, propunha a geração e transmissão de energia de baixo custo, controle de erosão e do fluxo de água evitando as enchentes, mobilidade regional (hidrovias, rodovias e ferrovias) através da construção de uma highway, nucleos urbanos de colonização, descentralização da metrópole - industrial, econômica, urbana e os investimentos na área rural (agricola e florestal). Em relação ao desenvolvimento econômico propunha o uso da terra para produção agroindustrial, e a substituição da cultura extrativista pela conservacionista. Em relação ao desenvolvimento social estava uso da terra para vida comunitária, formulação de procedimentos para orientar o crescimento das comunidades e a distribuição da população pelo território promovendo um equilíbrio entre as áreas urbana, rural e primitiva. No documento intitulado “Physical planning in the TVA Program”, Mackaye retoma estas ideias na elaboração de seu conceito de planejamento regional, enfatizando a integração entre planejamento e ação, e substitui a ideia de coordenação para a ideia de planejamento integrado.4

No que se refere a estrutura administrativa, Mackaye define divisões cooperativas (isto é, agricultura, florestas, desenvolvimento mineral, indústria, etc.) que deveriam produzir estudos e pesquisas que poderiam posteriormente ser coordenados com o ordenamento territorial da bacia e tornando parte dele.

A preocupação de MacKaye era orientar o pensamento e a concepção da TVA, o que incomodou o corpo de diretores e principalmente aqueles que não compartilhavam das mesmas posições que ele. O que o Conselho de Diretores da TVA, especialmente David E. Lilienthal e Harcourt A. Morgan, esperava de Mackaye não era um documento contendo a política e a concepção de planejamento que deveriam ser implantadas, os principais problemas a serem considerados e a orientações para a operacionalização do plano. Quem definia isso era o próprio Conselho. O que se esperava um amplo diagnóstico dos recursos da região como subsídio à tomada de decisão. Esta informação deveria servir como base para futuros esforços para promover o desenvolvimento econômico, um processo que seria em forma em grande parte por investimentos privados e governos locais e estaduais. Para MacKaye, no entanto, um plano regional não era um documento neutro. Se para Lilienthal e Harcourt Morgan, um plano regional era um instrumento passivo, para MacKaye, era uma ferramenta ativa. O planejador deveria ser um ativista para MacKaye e não um fornecedor de informação imparcial que poderia ser usado por funcionários nomeados ou eleitos para tornar as decisões políticas (SCHAFFER, 1990).

De qualquer modo, a preocupação de TVA para o ordenamento urbano, recreação, beleza cênica, e desenvolvimento econômico com qualidade de vida tem como base as idéias de MacKaye e segundo Schaffer (1990), sua capacidade de transmitir essas idéias para os membros da equipe juvenil da agência que continuaram trabalhando lá por muitos anos depois da saída de Mackaye.

Os conflitos na organização da estrutura administrativa da TVA {#os-conflitos-na-organização-da-estrutura-administrativa-da-tva .list-paragraph}

Mackaye foi contratado pela TVA como um técnico, um membro de uma equipe operacional nos baixos cargos da organização - o regional planner. Seu chefe direto era Tracy Augur, chefe da Seção de Planejamento Regional da Divisão de Planejamento Territorial e Habitação, dirigida por Earle Draper. Nesta posição, ele estava limitado em relação às decisões, cujo poder não lhe pertencia.

Entretando, Mackaye havia tentado convencer o Conselho de Diretores que os planejadores e o planejamento regional deveria assumir um papel mais direto e influente na formação de políticas de agências e não apenas um dos setores da estrutura administrativa (SCHAFFER, 1990). Mackaye havia feito uma proposta de estrutura administrativa para a TVA que contemplava uma Chefia de Planejamento central e subordinada a ela três setores de planejamento: territorial, de água e energia e de cidades e transporte. Nesta estrutura, ele dava a mesma ênfase ao desenvolvimento social e ao desenvolvimento industrial e econômico. Entre os cargos propostos, destacavam-se cargos de arquitetos (paisagistas e planejadores urbanos), presentes em todos os setores propostos. No entanto a estrutura organizacional que foi montada em 1933 estava voltada em divisões especializadas voltadas aos serviços operacionais e aos setores de desenvolvimento econômico, e o planejamento é colocado como uma das divisões do desenvolvimento.

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Figura 1. Proposta de Estrutura Administrativa da TVA feita por B. MacKaye, 30 de maio de 1933. Fonte: Benton Mackaye Papers, pasta3, caixa 180

Este era também um problema que Draper tentou enfrentar pouco depois que Mackaye deixou a TVA. Draper entendeu que a Divisão de Planejamento Territorial e Habitação não poderia ser somente mais uma das várias divisões operacionais envolvidas com o desenvolvimento regional, mas deveria ter posição mais central na estrutura administrativa e propõe que se estabelecesse um Conselho de Planejamento Regional do qual participaria representantes de todas as divisões da TVA. O conselho seria um auxilio nos estudos coordenados e nas recomendações sobre a abordagem da TVA para os problemas regionais. Este Conselho permaneceu ativo, sob a liderança de Draper, até 1940 quando ele deixou a TVA. (GRAY, 1990)

No entanto a partir de 1936, com a reestruturação administrativa da TVA, a divisão de planejamento regional foi eliminada, e Arthur Morgan, o único defensor do planejamento regional na TVA foi substituído por David Lilienthal, o coordenador das operações energéticas da TVA. Esta nova etapa estava baseada na geração de energia e industrialização.

As new towns no Vale do Tennessee {#as-new-towns-no-vale-do-tennessee .list-paragraph}

Para Mackaye, a industrialização urbana e a expansão acelerada da metrópole estava invertendo a ordem natural do ambiente, e a vida regional estava sendo substituída pelos males da metrópole, que concentrava atividades, pessoas e a economia e estabelecia uma relação de exploração com o resto do território. Neste sentido defendia a ideia de “equilíbrio regional” através da descentralização das atividades econômicas, especialmente da industria, e das pessoas, através de criação de novos núcleos urbanos que dariam suporte a estas atividades, da industrialização das atividades agrárias e agrícolas, da criação de um sistema de rodovias e da conservação de áreas naturais.

A criação de novas cidades estava entre as principais estratégias de planejamento regional defendidas por Mackaye, associadas a uma política de descentralização urbana e industrial, conservação dos recursos naturais, criação de rodovias regionais, eletrificação rural. Mackaye elabora um esboço sobre a redistribuição da população considerando o desenvolvimento da região do Vale do Tennessee uma possibilidade de frear o crescimento metropolitano. (Figura 2) Nesta orientação, propõe também locais para a criação de novas cidades na região, pensando o planejamento urbano em nivel regional, relacionando os novos núcleos às cidades já existentes, assim como às áreas rurais agricultáveis e às áreas naturais e florestadas. (figura 3).

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Figura 2. O Vale do Tennessee na nação – uma possibilidade de reassentamento, 1933. Fonte: Benton Mackaye Papers, pasta 3, caixa 180.

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Figura 3. O Vale do Tennessee como região – o equilíbrio do ambiente, 1933. Fonte: Benton Mackaye Papers, pasta 3, caixa 180.

Os novos núcleos urbanos deveriam ser criados pela TVA, segundo Mackaye, para o reassentamento da população atingida pela construção de barragens e reservatórios que tiveram suas terras inundadas, e para a relocação da população tradicional que vive Parque Nacional Smoky Mountains, criado em 1934 como parte da Appalachian Trail, trilha concebida por Mackaye que liga Maine a Georgia. Deveriam ser feitos esforços para os melhores acordos na relocação da população, tanto em termos de emprego como de ambiente.

A despeito desta orientação, foi criada apenas uma cidade nova pela TVA, a cidade de Norris, para o reassentamento da população atingida pela barragem de Norris. Em 1938, com a reorientação das atividades enfatizando objetivos de industrialização e geração de energia, a TVA elimina da organização administrativa o departamento responsável pela criação de núcleos urbanos, a Divisão de Planejamento Territorial e Habitação, cujo chefe era E. Draper.

Energia e indústria: o deslocamento da ideia de planejamento regional na TVA e as transformações no território {#energia-e-indústria-o-deslocamento-da-ideia-de-planejamento-regional-na-tva-e-as-transformações-no-território .list-paragraph}

Se havia inicialmente um ideário regional fundado na conservação dos recursos e dos valores humanos comunitários e de descentralização metropolitana através da construção das new towns, a partir da reeleição de Roosevelt houve uma reestruturação interna da TVA que reorientou os esforços da instituição acentuando a geração de energia e industrialização.

A utopia cedeu espaço para a razão prática, nos termos de Friedmann (1979), e a nova concepção chamada de Dreamers with Shovels por David Lilienthal, baseado no desenvolvimento integrado dos recursos naturais para utilização do homem e na bacia hidrográfica como a unidade de área mais apropriada para este propósito, conduzia a experiência da TVA a ser uma extensão, sob os auspícios do Estado, do capitalismo monopolista a uma região remota e pré-industrial. (FRIEDMANN, 1979)

Ao final dos anos 1950, a região do vale do Tennessee tornou-se a maior produtora de energia doa EUA, aumentando em 900% (em 1933 produzia 350kwh/pessoa; em 1951, passou para 3560kwh/pessoa). Esta energia, no período da 2ª guerra estava direcionada à industria bélica: “a força elétrica é fluido vital da guerra moderna”, segundo Lilienthal. Promoveu o desenvolvimento de pesquisas e produtos voltados para a guerra (alumínio, explosivos, borracha sintética, etc.) e possibilitou a instalação da indústria secreta de energia atômica em Oak Ridge, pelo projeto Manhattan, responsável pela fabricação das bombas nucleares lançadas contra o Japão através do fornecimento de grandes quantidades de energia elétrica a preços baixos.( LILIENTHAL, 1956)

Em relação aos empreendimentos privados, as indústrias se multiplicaram em número e diversidade. Em 1933 havia 2400 indústrias no vale, em 1950 este numero passa para 6620, com um incremento de 4220 novas fábricas na região, de alimentos congelados, fabricação de aviões, máquinas de costura, fogões, farinha, marchetaria, tampas de barril, aquecedores para água, máquinas de calcular, móveis, calçados, lápis, têxteis, rédeas, acetileno. Entre as empresas estavam a Alunimun Company of América (ALCOA), as indústrias químicas de explosivos e fertilizantes Monsanto Chemical e Victor Chemical, as indústrias de tecidos sintéticos American viscose, American Enka e Du Pont, além da alimentícia Quaker Oats. (LILIENTHAL, 1956)

Entre 1933 e 1950, a renda per capita aumentou em quase 500% e o numero de empregados na industria passou de 447.800 para 919.400, um incremento de quase meio milhão de trabalhadores. Como consequência do intenso processo de industrialização, a população se deslocou para as áreas metropolitanas do vale. Entre 1933 e 1950, as metrópoles do Vale do Tennessee aumentaram sua população mais que duas vezes em relação ao aumento da região como um todo. Dois terços do acrescimento populacional da região se deu em áreas metropolitanas e as industrias agregaram 160.000 trabalhadores nestas décadas. Neste sentido, a ideia de descentralização da metrópole através de uma nova civilização biotécnica defendida pela RPAA e presente nos primeiros anos da TVA cederam espaço para o desenveolvimento de bacias hidrográficas que fortaleceu a expansão industrial urbana através da canalização de recursos e de população para a metrópole. (FRIEDMANN, 1979)

Considerações finais {#considerações-finais .list-paragraph}

O estudo baseado no acervo documental de Benton Mackaye e na bibliografia revela que a Tennesse Valley Authority representou uma experiência ímpar no planejamento regional norte-americano, estabelecendo vínculos com o ideário da RPAA no que se refere à concepção de planejamento regional. Detecta-se também que a contribuição de Mackaye foi significativa para a criação da instituição e que sua influencia se dá mesmo antes de sua criação. No entanto a duração deste ideário na TVA é curta e se desloca de uma compreensão que privilegia questões de conservacionistas, sociais e de planejamento, em direção a um enfoque na geração de energia, na industrialização e na gestão. Podemos compreender este deslocamento como resultado de um jogo de forças e que a orientação da instituição é resultado dos conflitos e interesses em jogo.

Referências bibliográficas {#referências-bibliográficas .list-paragraph}

Benton Mackaye Papers, Special Collections, Darthmouth College Library.

FRIEDMANN, J.; WEAVER, C. Territory and function: the evolution of regional planning . Berkeley: University of California Press, 1979

GRAY, A. J.; JONHSON, D. A. The TVA regional planning and development program: the transformation of an institution and its mission. Gateshead: Athenaeum Press, 2005.

SCHAFFER, D. Benton MacKaye: The TVA years. Planning Perspectives, Volume 5Issue 1, 1990.

LUBOVE, Roy. The urban community. Housing and Planning in the Progressive Era. New Jersey: Prentice Hall Inc., 1967.

LILIENTHAL, D. TVA. A democracia em marcha. (Tradução de Octavio A. Velho) Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S/A, 1956.

MACKAYE, B. Regional Planning and Ecology. Ecological Monographs, Vol. 10, No. 3 (Jul., 1940), pp. 349-353. Published by Ecological Society of America.

MACKAYE, B. An Appalachian Trail: a project in Regional Planning. Journal AIA, october, 1921.

MACKAYE, B. The New Exploration. A philosophy of regional planning. New York: Harcourt, Brace and company, 1991.

MUNFORD, L. A cultura das cidades. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961.

  1. Ofício de Benton Mackaye a Earle Draper, 20/08/1934. Benton Mackaye Papers, pasta 6, caixa 180. 

  2. Ofício de Benton Mackaye a Earle Draper, 20/08/1934. Benton Mackaye Papers, pasta 6, caixa 180. 

  3. Opus One, Progress Report on Regional Plan Number 1. Memorando de 20/08/1934 (revisado em 20/12/1934). 

  4. Mackaye, B. Physical planning in the TVA Program, 1935. Benton Mackaye Papers, pasta 15, caixa 180.