Resumo

Explorando o conceito de geografia imaginativa, este trabalho trata do projeto de duas cidades novas planejadas e do seu modelo urbanístico comum. Embora bastante distintos entre si e distantes física e temporalmente, o traçado de Ivaiporã, fundada em 1953 no Paraná, e de Sinop, fundada em 1974 no Mato Grosso, tiveram como modelo a cidade de Maringá, criada no norte paranaense em 1947 a partir dos princípios formais da cidade jardim inglesa. No primeiro caso, as afinidades formais entre o projeto e o modelo são patentes; no segundo, elas são menos evidentes, apesar de confirmadas pelo projetista. Ao expressar o modo como lugares reais admirados são representados e como estas representações refletem preconceitos e desejos, a geografia imaginativa esclarece que a representação de um modelo urbanístico pode conter aspectos da realidade que são idealizados, exagerados, imprecisos ou mesmo falsos; assim, a geografia imaginativa permite reconhecer no objeto projetado tanto as projeções da imaginação utópica do sujeito projetista quanto o aprendizado racional objetivamente tomado por ele do modelo. Neste sentido este trabalho trata da circulação de ideias de urbanismo pelo interior do Brasil e da transformação sofridas por elas neste processo, contribuindo para a narrativa da história do urbanismo e das cidades novas planejadas.

Palavras-chave: circulação de ideias, geografia imaginativa, cidades novas planejadas

Abstract

Exploring the concept of imaginative geography, this paper focus on the layout of two planned new towns and their common planning model. Ivaiporã was founded in 1953 in Paraná state and Sinop was founded in 1974 in Mato Grosso; although distant in space and time and fairly different, both designs considered Maringá, a 1947 northern Paraná new town designed according to the garden city formal principles, as a model. In the first case, common features between the model and the new layout are patent; in the second case, they are less evident, though confirmed by the designer. By expressing how admired real places are represented and how these representations convey preconceptions and desires, imaginative geography informs that the representation of a planning model may contain aspects that are idealized, exaggerated, inaccurate and even false; thus imaginative geography allows to recognize in the new layout not only the subject’s utopic imagination but also the rational learning objectively taken from the model. As a result this paper deals with diffusion and transformation of planning ideas throughout Brazilian hinterland, thus contributing to planning and planned new towns history.

Keywords: planning diffusion, imaginative geography, planned new towns

Introdução

A admiração e a emulação de certas conformações urbanas tem sido um importante instrumento na circulação de ideias e práticas de urbanismo. Pois lugares largamente admirados pelo seu reconhecido ‘bom planejamento’ tem atuado como modelos de urbanismo, inspirando e informando o projeto de outras cidades, e estimulando a reprodução de soluções urbanísticas elogiadas. Diferentemente de Choay (1985), que tratou da noção de modelo a partir da palavra escrita, Stephen Ward tem se referido

especialmente aos registros visuais da forma urbana, o que lhe permitiu perceber que o entendimento e a aplicação de um modelo admirado ocorre mais tipicamente de modo parcial e seletivo. Porque muitas vezes o entendimento daquilo que é admirado é incompleto, desprovido da compreensão mais abrangente do contexto que condicionou tal solução urbanística. Porque, sobretudo, uma seleção deliberada dos aspectos mais relevantes da cidade admirada desmonta o modelo como um ‘kit de partes’ (WARD, 2013, p. 297).

A circulação de ideias de urbanismo resulta do aprendizado racional, de uma busca genuína pela ‘prática correta’, com insights e lições baseadas em evidências objetivas e conhecimento empírico. Mas resulta também de processos mais imaginativos, exercícios de uma imaginação seletiva (WARD, 2012). Isto porque as cidades são produzidas não apenas materialmente e geograficamente mas também no imaginário. Cidades são vivenciadas, apreciadas, estudadas e reconstruídas mentalmente. Isso significa que lugares geográficos reais podem ser externamente construídos (como modelos), ilusoriamente imaginados de modo a salientar ou atenuar características que gostaríamos de ver reforçadas ou evitadas nos nossos próprios lugares (WARD, 2012; GREGORY, 1994).

Em seu estudo sobre como o Ocidente representou o Oriente, Edward Said (2001) mostrou que o conhecimento em nossa mente sobre como ‘são’ certos lugares pode não ser totalmente real; normalmente ele é impreciso, exagerado, ou baseado em estereótipos. Assim o conceito de geografia imaginativa definido por Said expressa o modo como lugares admirados são representados e como estas representações refletem os preconceitos e os desejos dos seus autores. Com efeito, o conceito de geografia imaginativa faz ver que lugares concretos adquirem valores imaginativos pela projeção cultural de características, papéis e significados, sobre a realidade material (cf. SAID, 2001, p. 65, 77 e 80). De modo semelhante, cidades exemplares e seus aspectos admirados acabam sendo tomados como como modelos de urbanismo e, na formulação mental destes modelos, certos aspectos reais acabam sendo exagerados, minimizados, esquecidos, idealizados.

Este trabalho trata da construção de um modelo de urbanismo – a cidade paranaense de Maringá (1945-47) – e de duas cidades novas – Sinop (1972-79), no Mato Grosso, e Ivaiporã (1953), no Paraná – planejadas a partir desta representação. Considerando distâncias espaciais e temporais distintas, este trabalho entende que a construção de um modelo de urbanismo é historicamente condicionada (REGO, 2014). Ao reconhecer, em exercícios conscientes de aprendizado racional empírico, as parcelas de projeções culturais da imaginação seletiva, utópica, este trabalho contribui para o entendimento da difusão, adaptação e transformação das ideias urbanísticas, mais especificamente no interior do Brasil e no contexto das cidades novas planejadas.

Maringá como modelo urbanístico

Maringá é uma cidade nova planejada na frente pioneira de colonização do norte do Paraná entre 1945 e 1947 (Figura 1). Resultado de um empreendimento britânico de especulação fundiária da primeira metade do século XX, a ocupação desta região contou com colonização sistemática e urbanização deliberada, e o traçado de Maringá, pelas dimensões e características formais, culminou este processo de ocupação regional (MACEDO, 2011; REGO 2011; REGO, 2009).

Figura 1. Publicidade sobre Maringá na Revista Pioneira, n. 1, 1948. Fonte: Museu da Bacia do Paraná

As precedências e as noções urbanísticas que embasaram este traçado urbano tem sido profundamente investigadas (ANDRADE, 2000; STEINKE, 2007; BONFATO, 2008; REGO, 2012a; REGO, 2009), mas é fundamental lembrar que o projeto de Maringá marcou o início da nova administração da principal companhia colonizadora do norte do Paraná, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), depois denominada Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP). Esta administração, sediada em São Paulo e contando com dois engenheiros formados na Escola Politécnica da capital paulista, contratou o engenheiro Jorge de Macedo Vieira, ex-colega de Poli e então já renomado urbanista, para projetar uma cidade que deveria constituir um polo regional, símbolo de progresso e prosperidade. De fato, o traçado de Maringá se mostrou uma novidade entre as cidades novas planejadas e implantadas na região e, por contraste com as cidades existentes, representou a modernização urbana (cf. REGO, 2012b).

De acordo com o próprio Vieira (1971), ele pretendeu, em Maringá, “projetar uma cidade moderna. Uma cidade em que o traçado das ruas não obedecia ao xadrez que os portugueses nos ensinaram aqui, que nos deixaram aqui na colônia” e, para tanto, seguiu

um processo moderno que era de acompanhar o terreno o mais possível. E a cidade já pré-traçada, o zoneamento estudado, com os seus parques, os seus lugares de lazer, os seus verdes todos caracterizados (...) [criava] uma cidade completa com todos os predicados de uma cidade moderna (VIEIRA, 1971).

Macedo Vieira havia trabalhado em São Paulo com o urbanista inglês Richard Barry Parker, com quem aprendeu o “gosto pela especialidade” (VIEIRA, 1971) e os princípios formais da cidade jardim (MILLER, 2012; ANDRADE, 2000; BONFATO,

2008; STEINKE, 2007). O ideário cidade jardim se mostrou maleável e adaptável a contextos e propósitos variados (MILLER, 2002) e, em geral, foi mais usado como ‘imagem’ do que como meio de reforma urbana (MILLER 2010; ALMANDOZ, 2004; WARD, 1992; AALEN, 1992). A informalidade da cidade jardim foi até associada com as composições formais do city beautiful – como fez o próprio Macedo Vieira em Maringá (REGO, 2012a). Mas via de regra, ruas curvas, predomínio de áreas livres e arborização abundante ficaram como a marca de um urbanismo ‘aristocrático’, correto, e de qualidade – e essa imagem correu o país em vários empreendimentos do tipo cidade jardim construídos nas primeiras décadas do século XX (WOLFF, 2001, p. 84; LEME, 2005; SEGAWA, 2004, p. 115 e 116). Da mesma

maneira, as características espaciais de Maringá (MACEDO, 2011; cf. MENEGUETTI, 2009) constituíram uma potente ‘imagem’ urbana (Figura 2). Ainda que os registros da construção da cidade flagrassem cenas de precariedade urbana, o seu traçado viário pouco usual granjeou distinção, no sentido que Bourdier (2011, p.

65) deu a este termo. Como reconheceu o geógrafo francês Pierre Monbeig (1984, p. 357), que visitou a zona pioneira norte-paranaense nos anos 1940, lançava-se uma cidade “como se lançaria uma moda, com grandes golpes de propaganda”. De fato panfletos, fotografias – inclusive aéreas – e publicidade como a que anunciou a construção da “grande metrópole” projetada pelo ilustre engenheiro Macedo Vieira alardearam o empreendimento norte-paranaense (Figuras 1 e 2). Assim, o traçado inovador de Maringá e a publicidade veiculada pela companhia colonizadora garantiram desde cedo o status de cidade moderna.

Figura 2. Maringá, zonas 4 e 5, c. 1954. Fonte: DPH/Prefeitura do Município de Maringá

Maringá – junto com Cianorte, outra cidade nova planejada no norte do Paraná por Macedo Vieira em 1955 – diferencia-se das demais cidades da região pela sujeição da forma urbana ao sítio e, consequentemente, pela singular conformação orgânica e pelo traçado viário irregular. Contrastando com formas urbanas mais geométricas, de perímetros regulares (como que definidos a priori) e de arruamento invariavelmente ortogonal, o traçado de Maringá (como Cianorte) destoa das demais cidades

planejadas na região – mas não de Ivaiporã.

Ivaiporã

O traçado artisticamente moldado na topografia parece fazer ressoar nesta cidade projetada em 1953 algumas das características formais de Maringá (Figura 2). O projeto de Ivaiporã foi elaborado pelo engenheiro civil Yaroslau Sessak, que formou- se em 1948 na Faculdade de Engenharia do Paraná, em Curitiba, um pouco antes de mudar-se para o norte do Paraná, perto de Maringá (PUPPI, 1986, p. 155). Sessak foi contratado pela Imobiliária Progresso Ltda. e, mais tarde, pela Sociedade Territorial Ubá Ltda., duas pequenas colonizadoras que atuaram no norte paranaense em busca do mesmo sucesso empresarial alcançado pelas grandes companhias imobiliárias que fundaram cidades na região, em especial a CTNP/CMNP. Para a Imobiliária Progresso, Sessak projetou a cidade de Paranacity, cujos primeiros estudos datam do início de 1950 e, para a Sociedade Territorial Ubá, projetou Ivaiporã, três anos depois.

Figura 3. Traçado de Ivaiporã, Yaroslau Sessak, 1953. Fonte: Prefeitura de Ivaiporã

Os dois projetos urbanos elaborados pelo engenheiro Sessak tem em comum características daquele urbanismo chamado por Pinheiro (2009 e 2010) de “urbanismo academicista”. Nos anos 1940 o pensamento academicista ainda manifestava forte presença em Curitiba e na sua escola de engenharia. Alfred Agache visitou Curitiba em 1940 e apresentou o plano elaborado em co-autoria com a firma Coimbra Bueno para modernizar a cidade em 1943 (DIÁRIO DA TARDE, 1940a, 1940b, 1940c, 1943a, 1943b, 1943c; GAZETA DO POVO, 1940, 1943a e 1943b; O DIA, 1943a e

1943b; PREFEITURA, 1943: 3; CAROLLO, 2002; DUDEQUE, 2010). A

repercussão do plano urbanístico na mídia, sua exibição durante a Exposição de Curitiba – que comemorou os 250 anos de fundação da cidade-, a própria presença de Agache, a palestra que ele proferiu aos alunos de engenharia e os debates suscitados na disciplina ‘Traçado da cidade’ (cf. PUPPI 1981) por certo contribuíram para a formação urbanística de Sessak. Por um lado, as notas das aulas desta disciplina, publicadas em 1981 e certamente atualizadas ao longo dos anos, enfatizam a estruturação sanitária das cidades mas referem-se às conquistas recentes do urbanismo, mencionando tópicos como city beautiful, centros cívicos, cidade jardim, cidade linear, cinturões verdes, parkways, vias arteriais e diagonais, com menção às cidades exemplares de Washington, Paris, Roma, Radburn, Welwyn, Goiânia, Belo Horizonte. Por outro lado, Yaroslau Sessak era aluno da mesma turma de Lolô

Cornelsen, estagiário na prefeitura e então assistente do urbanista francês durante os levantamentos de campo em Curitiba (LINS, 2004), e de Alexandre F. Beltrão, filho do prefeito Alexandre G. Beltrão que recebera o plano de Agache.

Mas o traçado de Ivaiporã (Figura 3) é radicalmente diferente do traçado de Paranacity. Enquanto este exibe pouca articulação entre a malha ortogonal e os elementos morfológicos que a animam - o feixe de avenidas diagonais que culmina em uma praça circular, o bulevar que conecta a estação à praça central, a configuração desta praça e a implantação da igreja-, aquele mostra forte apuro artístico e afinado entrosamento com a topografia. Infelizmente Sessak não deixou nenhum depoimento sobre o seu trabalho e o memorial do projeto de Ivaiporã apenas menciona que ali “foi observada a boa técnica urbanística”. Contudo, a proximidade de sua residência com a cidade de Maringá, a apreensão da forma urbana inovadora e “moderna” desta cidade e a repercussão deste empreendimento urbano tornam aceitável a ideia de que o projeto de Jorge de Macedo Vieira serviu de modelo urbanístico para Sessak, assim explicando o contraste entre o urbanismo da primeira cidade projetada pelo jovem engenheiro civil e aquele observado anos depois em Ivaiporã.

Figura 4. Avenida em Ivaiporã, 2012. Fonte: acervo do autor

De certo modo, Sessak parece ter reproduzido em Ivaiporã a ideia das ruas curvas entrevistas em Maringá. À diferença do trabalho de Jorge de Macedo Vieira, o traçado de Ivaiporã tem perímetro desenhado geometricamente, quase simétrico, de modo a enfatizar o aspecto artístico da forma urbana; por certo o traçado de Macedo Vieira é mais orgânico, menos sujeito a esta atitude deliberadamente formal, na medida em que a malha viária é moldada sobre o sítio. Embora o traçado de Ivaiporã considere as linhas gerais da topografia como diretriz projetual, ele pouco se adequa às declividades do sítio, daí as vias mais íngremes (Figura 4) e a praça principal em declive. O ideário garden city que se reconhece no projeto de Macedo Vieira para Maringá não tem equivalente no traçado de Ivaiporã; muito provavelmente, Sessak conheceu a forma urbana de Maringá sem conhecer a fundo suas premissas e posturas

projetuais, como foi o caso do Macedo Vieira pupilo de Parker. Sessak era um engenheiro dedicado à pintura e ao desenho artístico, apreciava música clássica e possuía uma biblioteca, mas entre seus livros técnicos não constar nada que o aproximasse do urbanismo cidade jardim. Ainda assim as ruas de Ivaiporã se assemelham àquela imagem pioneira e moderna das ruas curvas de Maringá.

Sinop

A cidade de Sinop foi fundada no estado do Mato Grosso em 1974 por uma companhia colonizadora homônima – a Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (SINOP). Esta companhia havia atuado antes no norte paranaense, fundando Terra Rica (c. 1950) nas proximidades de Maringá, e Iporã (1953), Ubiratã (1956) e Formosa do Oeste (1960), no oeste do estado, ainda nas imediações das terras da CMNP, além outros pequenos núcleos urbanos como Jesuítas, Ademar de Barros, Yolanda (OLIVEIRA NETO, 2012) – todos com traçado regular e conformação típica de parcelamento especulativo. O projeto da cidade de Sinop, assim como o planejamento regional de ocupação do norte mato-grossense, foi elaborado em 1972 pelo engenheiro civil Roberto Brandão, com aprovação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em consonância com a política federal para a ocupação do território amazônico e a integração nacional (COLONIZADORA SINOP, 1972; CAMARGO, 1973; DOULA e KIKUCHI, 1998; TREVISAN, 2011).

A análise deste plano regional extrapola os limites deste trabalho e, portanto não será levado a cabo; mas é preciso mencionar que este plano integrado de parcelamento rural e urbano foi implantado e que o traçado de Sinop foi logo revisado e ampliado em 1979 (Figura 5). Esta revisão ficou a cargo do arquiteto Alfredo Clodoaldo de Oliveira Neto, sobrinho do proprietário da que havia cursado pós-graduação em planejamento urbano na Universidade Federal do Rio de Janeiro e era membro da equipe que então elaborava o Plano de Diretrizes Viárias para a expansão urbana de Maringá (cf. MENEGUETTI, 2009, p. 105-106).

Moradores de Sinop que conhecem Maringá, muitos deles migrantes paranaenses, insistem que as duas cidades se assemelham, apesar de não conseguirem evidenciar tal semelhança. Sem ruas curvas, Sinop chama atenção pelas largas avenidas, pelas rotatórias, pelos parques urbanos, pelo relevo absolutamente plano (daí os problemas com o escoamento das águas) e pelo traçado viário ortogonal. Mas Oliveira Neto reconhece ter pensado em Maringá ao propor a revisão do traçado de Sinop (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 10). Na verdade, ele afirma que “o que eu levei daqui [de Maringá] foi o que todo mundo admira: o verde, reservas de matas naturais, os parques, o cuidado com o verde e avenidas largas” (OLIVEIRA NETO, 2012, p. 13. Grifo meu).

Com relação ao traçado viário ortogonal, Oliveira Neto (2012, p. 10-11) afirma que o terreno de Sinop

é uma mesa, então eu pensei ‘eu não vou complicar, eu tenho que simplificar’ (…) eu usei o traçado mais comum que tem de cidade - o quadriculado, e aí foram criadas as vias estruturais, eu pensava em avenidas largas, eu já tinha visto esse modelo da avenida aqui [em Maringá].

Figura 5. Projeto de Sinop, Alfredo Clodoaldo de Oliveira Neto, 1979. Fonte: SINOP, redesenhado pelo autor

Oliveira Neto (2012, p. 14) não vê “maior qualidade” no traçado orgânico. O arquiteto, no entanto, afirma que “uma região mais acidentada logicamente levaria a uma forma mais orgânica, mas com uma mesa plana eu sou mais americano que europeu” (Grifo meu). Sobre as rótulas – importantes na articulação de múltiplas vias no traçado irregular de Vieira, mas menos necessárias no cruzamento ortogonal de duas vias como se vê em Sinop-, Oliveira Neto (2012, p. 10) se diz adepto das rótulas: “eu copiei o modelo aqui de Maringá, de Belo Horizonte, de Goiânia (…) [ele] facilita (…) o trânsito, ordena e ao mesmo tempo cria áreas verdes, praças, como acontecia em Maringá”.

Figura 6. Centro cívico de Maringá, 1972. Fonte: Museu da Bacia do Paraná

Mas diferentemente de Maringá, Sinop não possui demarcação física para as zonas residenciais, nem a estrutura polinuclear com centros secundários imaginada por

Macedo Vieira. Entretanto, a proposta de Oliveira Neto não esconde a afinidade com a cidade modelo admirada ao refazer em Sinop o arranjo formal do centro cívico de Maringá – hoje apenas parcialmente implantado (Figuras 6 e 7). Aí pode-se notar o crescent que caracteriza o traçado de Macedo Vieira, a posição central ocupada pela Catedral e a disposição dos edifícios públicos ao redor desta praça central, tal como em Maringá.

Figura 7. Centro cívico de Sinop, 2012. Fonte: SINOP

Retomando a geografia imaginativa, lembremos que a representação de lugares admirados e sua adoção como modelo de urbanismo envolve a objetividade do aprendizado racional mas também a subjetividade e a imaginação seletiva. Há que se considerar, ainda, que momento do projeto de Ivaiporã vigorava o que se chamou de urbanismo academicista, com a pertinente noção de “cidade bela”; quando Sinop foi planejada, no período pós-Brasília, uma série de transformações havia afetado o campo profissional do urbanismo, no qual então vigoravam a postura racionalista e a noção de “cidade funcional” (cf. PINHEIRO, 2010 e 2009). Se no primeiro caso ainda primavam no projeto urbano as questões estéticas, no segundo prevaleceram as decisões técnicas, com ênfase no sistema viário e no tráfego. Com isso, as distintas gerações dos dois profissionais envolvidos, os contextos diferentes e as distâncias geográficas e temporais não deixaram de afetar a formulação de modelos (imaginários) a partir da forma urbana de Maringá (REGO, 2014).

Conclusão

Este trabalhou aproximou o projeto de três cidades novas planejadas em dois estados brasileiros em décadas diferentes. Sinop e Ivaiporã são formalmente muito distintas; Maringá e Ivaiporã exibem semelhanças formais, enquanto Sinop e Maringá quase nada tem em comum. Contudo, o projetista de Sinop reconheceu ter em Maringá um modelo urbanístico; o projetista Ivaiporã não deixou depoimento semelhante, mas como este trabalho registrou, a experiência de Maringá marcou sua trajetória profissional.

Desse modo, este trabalho explorou o conceito de geografia imaginativa para mostrar como um modelo urbanístico é uma representação condicionada historicamente, permeada de realidade mas também de idealizações, imprecisões e esquecimentos.

Assim, em um certo momento viu-se Maringá como uma cidade de ruas curvas e de traçado artístico; em outro momento, viu-se nesta mesma Maringá uma cidade de vias largas, rotatórias, muito verde e um centro cívico admirável. Se não, como explicar o surgimento de uma forma urbana tão incomum como Ivaiporã? E como refutar o depoimento do projetista de Sinop?

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