Resumo

Em 1937, quando foi institucionalizada a conservação do patrimônio no Brasil, o Decreto-lei 25 delineou o tipo de bem que interessava à construção da identidade nacional: aqueles referentes a fatos memoráveis da história, ou dotados de excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. No âmbito do patrimônio de “pedra e cal”, estes critérios direcionaram para conservação de monumentos selecionados, principalmente, a partir da atribuição de um valor artístico, com prioridade para os remanescentes da arquitetura religiosa dos séculos XVI/XVIII. Estes monumentos, tratados de forma isolada através dos tombamentos, foram alvo das ações de conservação do patrimônio durante décadas, até que, no decorrer dos anos de 1980 e 1990, a pressão exercida pelo intenso desenvolvimento urbano no Brasil levou a transitar para a necessária “revitalização” ou “requalificação” dos centros históricos. Neste contexto, ocorreram na cidade de João Pessoa intervenções que ultrapassaram os limites dos monumentos, abrangendo espaços livres públicos contidos em seu centro histórico, delimitado em 1984. Foram alvo de “revitalização” as praças São Francisco e Dom Adauto e, tomando estas como estudo de caso, nosso objetivo é verificar se, de fato, ultrapassávamos no Brasil a valorização do “monumento histórico e artístico” e assumíamos a defesa dos centros históricos. Partimos da premissa de que os monumentos de “pedra e cal” continuavam como protagonistas nas ações de conservação do patrimônio, uma vez que as referidas praças foram priorizadas por terem como ponto focal os conjuntos monásticos dos franciscanos e carmelitas, respectivamente, tombados pelo Iphan desde os anos de 1950.

Palavras-chave: conservação, monumentos, centros históricos, década 1980, praças, João Pessoa

Abstract

When heritage conservation was institutionalized in Brazil back in 1937, the Decree-Law 25 defined the type of goods that were applicable for the construction of a national identity: those related to history memorable facts and those provided with outstanding archaeological, ethnographic, bibliographic or artistic values. As to the “stone and mortar” legacy, the criteria pointed to the conservation of monuments chosen mainly due to their artistic value, with priority given to remaining sixteenth-to-eighteenth-century religious architecture. Treated separately by means of listings, those monuments had been objects of heritage conservation actions for decades up to the eighties and nineties, when pressure exerted by intensive urban planning in Brazil led to the “revival” and “requalification” of historic centres. Within that context there were interventions in the city of |João Pessoa that went beyond the physical limits of monuments, encompassing public open spaces of the historic centre demarcated from 1984. Considering São Francisco and Dom Adauto squares as case studies, as they had undergone that process of “revitalization”, the objective of the present work is to verify if the valorization of the historical and artistic monument in Brazil was transcended and the protection of historic centres was in fact adopted. The essay takes for granted the “stone and mortar” monuments as continuing protagonists in heritage conservation actions since the above cited squares had been prioritized for having monastic premises of Franciscans and Carmelites as focal points, both listed by IPHAN from the fifties.

Keywords: conservation, monuments, historical centres, 1980’s, squares, João Pessoa

Introdução

No decorrer das décadas de 1980 e 1990, a conservação do patrimônio no Brasil transitava entre a predominante prática de tombamento e restauração de monumentos de “pedra e cal” tratados de forma

isolada, e o reconhecimento da necessária conservação dos centros históricos. Perante a meta de “revitalizar” ou “requalificar” áreas urbanas, a intervenção em espaços públicos livres passou a ser um dos meios de promover a manutenção dos centros históricos. Neste contexto, ocorreram na cidade de João Pessoa intervenções nas praças São Francisco e Dom Adauto e, tomando estas como estudo de caso, nosso objetivo é verificar se, de fato, ultrapassávamos, no Brasil, a valorização do “monumento histórico e artístico” e assumíamos a defesa dos centros históricos. Até onde inserimos na prática preservacionista do final do século XX o avanço conceitual vigente nos documentos internacionais e nacionais daquela época? Partimos da premissa de que os monumentos de “pedra e cal” continuavam como protagonistas nas ações de conservação do patrimônio, uma vez que as referidas praças foram priorizadas por terem como ponto focal os conjuntos monásticos dos franciscanos e carmelitas, respectivamente, tombados pelo Iphan desde a década de 1950.

O contexto nacional

Quando da institucionalização da proteção do patrimônio no Brasil, em 1937, o Decreto-lei 25 especificou o alvo da sua atenção: os bens móveis e imóveis selecionados por estarem vinculados a fatos memoráveis da história nacional, ou devido à atribuição de um excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. Esta ideia foi perseguida e reiterada durante décadas e guiou a prática da conservação do patrimônio brasileiro.

Tal prática foi direcionada, em grande parte, para o tombamento de bens imóveis, tratados de forma isolada, selecionados pelo valor artístico, com prioridade para os remanescentes da arquitetura religiosa dos séculos XVI/XVIII. Com isso foram colocadas em segundo plano, ações no sentido de preservar os conjuntos urbanos, os valores paisagísticos, etc.

Entre as décadas de 1950 e 1960 as mudanças no modelo de desenvolvimento do país – expressas na industrialização, no intenso desenvolvimento urbano, na valorização do solo urbano – revelaram a necessidade de renovação conceitual e de uma revisão das práticas institucionalizadas no Brasil, uma vez que aquelas vigentes não eram apropriadas para enfrentar os problemas que se colocavam, como por exemplo, a proteção das cidades históricas e dos centros históricos das grandes cidades.

Assim, nos anos de 1970 e 1971, os Compromissos de Brasília e Salvador – resultantes do I e II Encontro de Governadores – trouxeram outras perspectivas para proteção do patrimônio no país. O Compromisso de Salvador, buscando ultrapassar o conceito de monumento, propôs a criação de uma “legislação complementar no sentido de proteção mais eficiente dos conjuntos paisagísticos, arquitetônicos e urbanos de valor cultural e de suas ambiências”, adotando, portanto, o que já era determinado pelos documentos internacionais1.

Em paralelo, a estagnação do patrimônio construído estava “consolidando a ideia de que as cidades antigas seriam entraves para as atividades inerentes ao processo de concentração, centralização e reprodução do capital” (MAGALHÃES, 2013, p.6). A saída encontrada era transformar o sítio histórico em bem de consumo, gerando renda e permitindo a junção do caráter econômico ao preservacionista.

Neste sentido, em 1973 foi criado o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste (PCH), cujo objetivo era uma ação integrada que revitalizasse a nível econômico, social e físico o patrimônio histórico, através da criação de infraestrutura adequada ao desenvolvimento de atividades turísticas e do uso de bens culturais como fonte de renda para áreas carentes do Nordeste. O interesse, entretanto, fincava-se ainda sobre o monumento histórico isolado, sendo exigido que cada um dos estados envolvidos no PCH apresentasse um “programa de restauração e preservação para o período de 1976 a 1979,

1 II Encontro de Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico e Natural do Brasil. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=17575&sigla=Institucional&retorno. Acessado em 14/02/2014.

indicando os monumentos a serem restaurados, o cronograma de execução, os roteiros turísticos” (SPHAN/ Pró-Memória, 1980, p.38-39).

No ano de 1979, o PCH foi integrado às políticas de ação da SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que estava sob a direção de Aloísio Magalhães e, segundo avaliou Peregrino (2012, p.84):

(...) desde o estabelecimento do SPHAN até a gestão de Aloísio Magalhães havia uma forte tendência ao tombamento de conjuntos arquitetônicos ligados ao Barroco, que representavam a herança europeia, branca e cristã, enfim, a cultura da elite. Institucionalmente essas escolhas eram justificadas pelo processo acelerado de urbanização que ameaçava tais bens culturais de desaparecimento, no entanto a proteção deles foi prioridade do SPHAN por cerca de 40 anos.

Essa ideia não deixara de ser dominante, pois segundo Sant’Anna (1995, p.156) “inicialmente a ideia era incluir no PCH apenas dez cidades nordestinas, consideradas as mais importantes em termos patrimoniais, denominadas “cidades barrocas”, o que revela uma visão ainda bastante presa ao valor artístico como principal critério de seleção”.

O contexto preservacionista na Paraíba

Considerando as recomendações do Compromisso de Brasília2, quanto à descentralização da conservação do patrimônio no Brasil, o Governo da Paraíba criou em 1971 o IPHAEP: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba. Até então a preservação do patrimônio histórico da Paraíba estava exclusivamente a cargo da Superintendência Regional do IPHAN de Pernambuco e, neste sentido, o IPHAEP vinha desempenhar um importante papel, sendo o órgão responsável pelo primeiro cadastramento e tombamento dos Bens Culturais, Artísticos e Históricos do estado, em 1978.

Na década de 1980 quando a política preservacionista do Brasil ampliou o acervo de cidades e centros históricos tombados, consagrando as “áreas urbanas como principais objetos patrimoniais e centro do discurso preservacionista” (SANT’ANNA, 1995, p.224), o IPHAEP adotou a mesma linha e, em 1982 efetuou o tombamento do Centro Histórico de João Pessoa.

Em 1987, foi criada a Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa (CPDCH), cuja função era implantar ali um Projeto de Revitalização (PRCH) que passou a integrar o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural da Íbero-América, mantido pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI).

Como metas iniciais deste Projeto de Revitalização foram “priorizadas ações que visavam o resgate emergencial de monumentos que se achavam há vários anos abandonados” (CPDCHJP, 2002, p. 29). Na mesma época, o “planejamento municipal limitava-se apenas aos aspectos urbanísticos não se preocupando com os aspectos da preservação do patrimônio histórico” (CPDCHJP, 2002, p.7)3. Da mesma forma, tanto IPHAN quanto IPHAEP não dispunham de mecanismos para revitalização do Centro Histórico, havendo ações apenas de tombamento e restauração de monumentos, mas sem a elaboração de um plano que regesse

as intervenções.

2 I Encontro de Governadores de Estado, Secretários Estaduais da Área Cultural, Prefeitos de Municípios Interessados e Presidentes e Representantes de Instituições Culturais. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo. Acessado em 14/02/2014.

3 CPDCH (Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa). Centro Histórico de João Pessoa Monumento Nacional. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil Espanha. Outubro, 2002.

Um relatório emitido pela equipe responsável por este Projeto de Revitalização, em 09 de abril de 1987, registrou que o Centro Histórico de João Pessoa “não tinha merecido uma atenção maior, em forma de uma proposta que o contemplasse como um todo. [...] Mereciam destaque até então apenas a produção colonial de grandes monumentos isolados quase sempre ligados ao poder da Igreja e do Estado”4. A confirmação disso está na execução de projetos pontuais na cidade de João Pessoa, desde o ano de 1982, sendo exemplo a restauração do conjunto arquitetônico dos franciscanos. No entanto, tais obras ocorridas nos monumentos

preconizavam as intervenções propostas para o entorno, como relata o documento a seguir referido:

O projeto de revitalização das Praças Dom Adauto, São Francisco e Anthenor Navarro, [tinha como objetivo] recuperá-las como espaços de recreação e lazer da comunidade, além de valorizar os prédios de valor Histórico e conjuntos homogêneos que compõem seu entorno (conjunto Franciscano, conjunto Carmelita, casarão de azulejos, Igreja de São Pedro Gonçalves, casario do início do século na Praça Anthenor Navarro). 5

Nota-se como era recorrente a ideia de que intervir nas praças São Francisco e Dom Adauto constituía uma ação coadjuvante à restauração da Igreja de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora do Carmo:

Com a execução de obras nos conjuntos Franciscanos e Carmelitas, é oportuno incorporar o agenciamento das áreas circundantes (praças) como prioritário para a integral revitalização do núcleo “Cidade Alta”. Nesse sentido, foram contemplados com projetos especiais de reurbanização as Praças Dom Adauto e São Francisco, recuperando essas áreas livres, valorizando os monumentos existentes no seu entorno e eliminando elementos contaminantes dos mesmos. 6

Diante das intervenções realizadas e dos relatos da época, percebemos que a ênfase estava sobre os monumentos edificados, apreciados como marcos do patrimônio local que concediam à cidade o “status” de histórica, transformando o seu centro em área de interesse turístico e econômico. Neste momento, os memoriais descritivos e justificativos dos projetos classificavam tais intervenções como “revitalização”, talvez por julgar necessário dar “nova vida” aos lugares que eram considerados “mortos”.

Datado de 1988, o projeto de revitalização da Praça Dom Adauto “foi desenvolvido com o objetivo de recuperar a unidade do conjunto de singular valor histórico arquitetônico onde a proposta visa realçar os monumentos religiosos dos Carmelitas e as edificações do século XIX”. De acordo com levantamento que integra tal projeto, esta praça se encontrava organizada em “3 módulos planos e retangulares sendo o módulo central de maior extensão”. A cobertura vegetal existente era composta de 15 árvores de grande porte que formavam uma “barreira verde”, impedindo “a visualização do conjunto arquitetônico da Ordem dos

4 Documento S/N, elaborado pela Equipe do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, em 09 de abril de 1987, que traz 18 pontos de abordagem, interesse e atuação referentes ao dito projeto. Está disponível na Biblioteca do IPHAN/PB. Consultado em novembro de 2013.

5 Documento de 01 de junho de 1988, fruto da I Reunião de Avaliação Interna das Atividades do GAPLAN/ IDEME/ Projeto Nordeste, que foi elaborado pela Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa – CPDCHJP. Está disponível na Biblioteca do IPHAN/PB. Consultado em novembro de 2013. O GAPLAN – Gabinete de Planejamento, era responsável pelo planejamento do uso do solo, trabalhando juntamente com o IDEME - Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual, que fornecia informações para o planejamento do município e do estado da Paraíba, e com o Projeto Nordeste que propunha o desenvolvimento desta região.

6 Idem.

Carmelitas".7

Um problema a ser enfrentado era a circulação de automóveis, priorizados na organização dos espaços urbanos. Como resultado, a Praça Dom Adauto encontrava-se “descaracterizada existindo espaços desarticulados por vias de tráfego secundário e invasão do comércio de lavagem de carros, impedindo a utilização dessa área como área de lazer e preservação ambiental” (CDCHJP, 1988). Perante este quadro, o IPHAEP, em parecer datado de 05 de setembro de 1988, solicitou a “execução de um calçadão em torno da Ordem Terceira do Carmo” e a retirada da circulação do automóvel em toda a área da praça, justificando que estas medidas visavam “proteger a igreja do tráfego, uma vez que se apresentam rachaduras em sua parede,

comprometendo desta forma a estrutura do monumento” 8 (Figuras 1 a 4).

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Figura 1; 2; 3; 4: Planta esquemática da Praça Dom Adauto e vistas da Praça Dom Adauto em 1967 (2) e 1988 (3 e 4).

Fontes: Arquivo Eclesial da Paraíba (1); Projeto de Revitalização da Praça Dom Adauto (2; 3; 4).

Em oposição aos três canteiros que constituíam a Praça Dom Adauto, o projeto propôs a criação de três “ambientes” distintos, embora com um piso contínuo e uniforme.9 Desta forma seriam “valorizadas” as potencialidades de cada setor da praça. O primeiro ambiente (A) deveria ser convidativo a diversos usos, em especial a convivência, apresentando arborização e mobiliário adequados para tal. Vale ressaltar que à frente do Palácio do Bispo - antigo convento do Carmo cuja fachada fora reformada em linguagem neoclássica - propôs-se a inserção de um renque de palmeiras que pudesse amenizar o impacto daquela edificação sobre

7 O Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa que faz referência a Praça Dom Adauto foi elaborado em 1988. Está disponível na sede da Comissão Permanente do Centro Histórico. Consultado em novembro de 2013.

8 Parecer emitido pelo IPHAEP e endereçado ao Escritório de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, em 05 de setembro de

  1. Está disponível na Biblioteca do IPHAN/ PB. Consultado em outubro de 2013.

9 Projeto de Revitalização da Praça Dom Adauto, 1988. Disponível na Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. Consultado em outubro de 2013.

os monumentos remanescentes do período colonial. Na execução do projeto, as palmeiras foram substituídas por árvores de copa alta e rala que cumprem a mesma função.

O segundo ambiente (B) deveria ser “um espaço aberto para contemplação, sem interferências visuais”. Ou seja, para contemplação dos monumentos: Igreja do Carmo, Igreja de Santa Teresa de Jesus e a Casa de Oração dos Terceiros, sendo removida a vegetação que reduzia a visualização dos mesmos. Ao contrário, no terceiro ambiente (C), foi indicada a implantação de espécies vegetais de copa mais densa visando minimizar ao máximo as “interferências visuais” causadas pelas edificações de “2ª ordem” ali presentes10 (Figura 5).

N

A B C

Figura 5: Projeto proposto para revitalização da Praça Dom Adauto,

  1. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, editado pelas autoras.

Notadamente, ainda que a proposta de intervenção tenha sido intitulada “Projeto de Revitalização da Praça Dom Adauto”, o ponto focal de sua concepção foi valorizar os monumentos e “camuflar” elementos arquitetônicos existentes em seu entorno, mas considerados de “2ª ordem”.

Como resultado dessa intervenção, observamos a unificação dos pisos que transformou a Praça Dom Adauto em um amplo “calçadão” onde o pedestre pode usufruir de um passeio com áreas de cobertura vegetal e algum sombreamento, possibilitando também a percepção do lugar com seu entorno edificado onde são valorizados os monumentos tombados (Figuras 6 a 10).

10 Idem.

Figura 6; 7; 8; 9; 10: Praça Dom Adauto após a execução do projeto. Fonte: Anne Camila Cesar Silva, 2013.

Quanto à Praça de São Francisco, que antecede o adro da igreja e convento da ordem franciscana, estava distribuída em função da circulação de carros que se fazia entre a Rua Vigário Sarlen e a Ladeira de São Francisco, restando apenas um pequeno canteiro e o cruzeiro em torno do qual circulavam os carros (Figuras 11 a 13).

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Figura 11; 12; 13: Praça São Francisco em 1981e planta baixa da disposição da praça em 1988. Fontes: IPHAN/PE (11; 12); Projeto de Revitalização da Praça Dom Adauto (13), Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, editado pelas autoras.

No projeto para esta praça também teve evidência a preocupação de coibir a má utilização do espaço público e de isolar o monumento da circulação de veículos, favorecendo o pedestre ao criar um pavimento contínuo que integraria o mesmo a uma “sequência de visitação turística”, assim definida na época:

A análise das características e da distribuição das praças do Centro Histórico de João Pessoa revelou que estes logradouros estão dispostos de tal forma que constituem sequencias de espaços passiveis de serem estruturados como percursos, são elas: a

sequência formada pelas praças Dom Adauto, São Francisco e Dom Ulrico e pelos trechos de ruas que as interligam. Deve ser a primeira a entrar em obras, em vista dos trabalhos de recuperação em andamento nos conjuntos carmelita, franciscano e beneditino.11

Mas o ponto principal era valorizar o monumento, trabalhando seu entorno edificado de modo a direcionar a atenção do observador para a igreja e convento dos franciscanos. Assim, na análise desenvolvida quando da concepção da proposta de revitalização desta praça foi observado que “Suas fachadas laterais foram comprometidas por duas massas de edificações de grande porte”. À margem leste há um prédio neoclássico com dois pavimentos, considerado melhor integrado ao contexto e, na margem oposta, uma construção mais recente que “além de possuir maior altura, é de péssima qualidade arquitetônica”. Os demais prédios voltados para a praça “são térreos e não causam maiores transtornos” 12 (Figuras 14 e 15).

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Figura 14; 15: Praça São Francisco em 1981, com a indicação da edificação neoclássica (1) e da construção mais recente (2). Fonte: IPHAN/PE.

Como resultado destas análises, observamos a proposta apresentada em 1988, como parte do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. Buscando minimizar os impactos visuais do entorno sobre a praça e o monumento, foram mantidas as espécies arbóreas no lado leste, à frente da edificação recente que representava uma interferência, de modo a “camuflar” sua presença com a vegetação de copa densa. Na margem leste, diante da edificação considerada “de boa qualidade arquitetônica”, foi proposto um renque de palmeiras imperiais que não escondia tal edificação e também direcionava o olhar do observador para a Igreja de Santo Antônio. Assim a praça foi redefinida, centrando a atenção sobre o monumento, valorizando-

o e consequentemente preservando-o13.

O projeto primava por favorecer o pedestre e suprimir a circulação dos automóveis. Para tanto foi abolida a rua que cruzava a Praça São Francisco e proposto um piso em desenho radial cujo centro estava marcado pelo Cruzeiro, restaurado em 1971, destacando-o no layout da praça14. No entanto, esta proposta não foi concretizada, sendo executado um piso único em pedra, que atendeu ao objetivo de dar continuidade ao ambiente e o distanciamento adequado para o resguardo do monumento, permitindo sua contemplação .

11 Publicação “João Pessoa, o reconhecimento de uma antiga cidade”, São Paulo, agosto de 1988. Disponível na Biblioteca do IPHAN/PB. Consultado em outubro de 2013.

12 Idem.

13 Projeto de Revitalização da Praça Dom Adauto, 1988. Disponível na Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. Consultado em outubro de 2013.

14 Idem.

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Legenda

Calçadão Rua Vigário Sarlen

Proposta de piso radial ao entorno do Cruzeiro Renque de Palmeiras lateral leste

Árvores de copa densa que permaneceram a lateral oeste

Figura 16; 17: Planta/ Proposta do Projeto de Revitalização da Praça São Francisco em 1988. Fonte: CDPCH.

Figura 18; 19: Praça São Francisco, 2013. Fonte: Anne Camila Cesar Silva, 2013.

Os projetos destas duas praças: Dom Adauto e São Francisco, foram marcantes na trajetória das intervenções patrimoniais ocorridas em João Pessoa, tendo em vista que ocorreu não somente uma mudança estrutural do espaço público, mas abriu espaço para introdução de um novo direcionamento na conservação do seu centro histórico. Mesmo assim, questionamos: se estas praças não apresentassem em seu perímetro dois monumentos de interesse nacional receberiam na década de 1980 alguma obra de “revitalização”?

Vemos que em todo o Brasil estava em foco a conservação dos centros históricos, como noticiava, por exemplo, a Revista Projeto, periódico de relevância nacional que certamente refletia o que estava em voga ao final da década de 1980. Alimentando as discussões da época, há notícias sobre diversos eventos cujo enfoque era a preservação do patrimônio: o I Seminário Brasileiro para preservação e revitalização de Centros Históricos, promovido pelo ICOMOS15, o Arq-América 9016 e o II Arquimemória17.

15 Realizado em Itaipava/RJ, significou um passo importante na discussão e sistematização de critérios visando uma política de preservação e revitalização. Teve como produção a Carta de Petrópolis. (Revista Projeto nº 127; novembro/ 1989; p. 150)

No mesmo periódico havia referência à restauração de monumentos, do período colonial ou não, a exemplo do Teatro Municipal de São Paulo. Também era considerável o número de reportagens sobre a “revitalização” de núcleos históricos, como Olinda/ PE (Revista Projeto, nº 99, Maio de 1987; p. 91) e São Luís do Maranhão (Revista Projeto, nº 118, Janeiro-Fevereiro de 1989; p. 132-136).

No entanto, não localizamos notícias sobre projetos de intervenção em espaços livres públicos, que fossem então valorizados como ambientes de importância histórica, arquitetônica e social. Isso reforça nossa hipótese de que as praças Dom Adauto e São Francisco, aqui analisadas, também não foram selecionadas para intervenção por seus valores intrínsecos para a história e memória da cidade de João Pessoa. Suas requalificações estavam subjugadas aos monumentos ali presentes, os verdadeiros protagonistas e pontos focais das intervenções realizadas nesses espaços públicos considerados “dignos” de conservação devido à presença de monumentos que serviriam para impulsionar o turismo.

Referências bibliográficas

MAGALHÃES, S. R. O Programa de Cidades Históricas: a descentralização de uma Política Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural. In: Encontro Internacional ARQUIMEMÓRIA 4: sobre preservação do patrimônio edificado. Salvador – Bahia, 14-17 de maio de 2013.

PEREGRINO, M. SPHAN/ Pró-Memória: abertura política e novos rumos para a preservação do patrimônio nacional. Revista Confluências Culturais, 2012. Disponível em: http://periodicos.univille.br/index.php/RCC/article/view/357. Acesso em 12 de dezembro de 2013.

SANT’ANNA, M. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de áreas urbanas no Brasil (1937 – 1990). Salvador, 1995. (Dissertação de Mestrado do Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia).

SPHAN/ Pró-Memória. Proteção e Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1980.

16 Realizado em março de 1989, em Salvador/BA. Pretendia analisar em “profundidade as condições atuais em que se encontra o patrimônio” bem como a “qualidade de vida no continente americano” (Revista Projeto, nº 127, novembro/ 1989, p. 34).

17 II Encontro Nacional de Preservação de Bens Culturais (Arquimemória II), realizado de 26 a 30 de agosto de 1987, em Belo Horizonte/ MG. “Representou passo importante no esforço para consolidação de uma consciência política em tono da necessidade de medidas mais eficazes para a preservação de bens culturais do país” (Revista Projeto, nº 104, Outubro/ 1987, p.42).