Resumo

O presente artigo analisa, em linhas gerais, a presença ou não de padrões urbanísticos, induzindo graus de uniformidade planimétrica e volumétrica, nas cidades brasileiras entre a Colônia e a Primeira República e mais especificamente Fortaleza. Do material levantado acerca das experiências urbanísticas realizadas no Brasil durante o período imperial, verificam-se paralelos entre as realizações urbanísticas nas cidades capitais do Norte e Nordeste e a permanência de práticas vigente no Império ao longo da Primeira República. No primeiro, estão aquelas cidades planejadas ex-nihilo, substituindo as antigas capitais coloniais, como é o caso de Teresina e Aracaju. No segundo grupo, estão antigos núcleos urbanos que assumiram novos papeis e em função disso se transformaram ao longo do Império e na República, orientados por planos de expansão estatais.

Palavras chaves: Urbanismo Imperial, Fortaleza, Brasil

Abstract

This article analyzes, in general, the presence or absence of urban standards, inducing degrees of planimetric and volumetric uniformity in Brazilian cities between the Cologne and the First Republic and more specifically Fortaleza. The collected material about urban experiences in Brazil during the Imperial period, there are parallels between the urbanistic realizations in the capital cities of the Northeast and North and the permanence of current practices in the Empire throughout the First Republic. In the first, there are the planned cities ex nihilo, replacing the old colonial capital, as Aracaju and Teresina. In the second group, there are old urban cores that have taken on new roles and due to this they turned over during the Empire and the Republic, guided by plans for state expansion.

Keywords: Imperial Urbanism, Fortaleza, Brasil

Introdução

O presente artigo analisa, em linhas gerais, a presença ou não de padrões urbanísticos, induzindo graus de uniformidade planimétrica e volumétrica, nas cidades brasileiras entre a Colônia e a Primeira República e mais especificamente Fortaleza. O objetivo é indagar se a capital do Ceará é genuína ou similar a outras cidades, principalmente do Norte e Nordeste? Em que medida ela segue determinado padrão corrente em outras áreas do Brasil? Havia uma política urbanizadora e urbanística no Brasil - Império? Quais os desdobramentos das políticas urbanas do Império na Primeira República? Ao cotejar Fortaleza com outros casos do mesmo período, foi oportuno analisar a natureza das políticas de controle urbanístico empreendidas pelo Estado no Brasil - Império, seja por meio de planos de expansão para orientar o crescimento das cidades preexistentes, seja projetando cidades novas.

O século XIX e as capitais de Província no Brasil

A vinda da família real para o Brasil em 1808, a Independência do Brasil em 1822, a interrupção do comércio de escravos com a África em 1850, a Abolição da Escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889, são marcos políticos significativos, que vão produzir mudanças na sociedade e no espaço. Em que medida condicionam mudanças espaciais no território e no intraurbano? Em que medida induzem políticas de controle das ações da iniciativa privada?

Em razão das precárias condições sanitárias das cidades brasileiras no início do século XIX, emerge um debate “marcado por forte intercâmbio cultural com a Europa” (SALGADO, 2003). Assim, “as teorias médicas e urbanísticas desenvolvidas especialmente na França serão uma referência para o debate que se instaura no Brasil tendo como principal fundamentação a teoria miasmática. (SALGADO,2003). Esse caráter higienista caracteriza a legislação urbanística difundida no Brasil Imperial, que padroniza a espacialização, tanto das cidades capitais regionais como de outras de porte médio.

Nota-se, com efeito, uma mudança nos elementos que condicionam a forma de apropriação e produção do espaço, substituindo as orientações das Cartas Régias e dos Autos de Fundação do período colonial pelas orientações dos Códigos de Posturas do Império, fundamentadas em “mudanças ocorridas no papel da técnica e dos saberes da engenharia na discussão da questão urbana no período.” (BRESCIANI, 2006:9). Disso resultam algumas indagações sobre o Urbanismo das cidades brasileiras no período imperial: existe uma ruptura entre o padrão urbanístico colonial e o padrão do Império? Se há um novo padrão no período imperial, em que medida difere das propostas e intervenções de embelezamento e melhoramentos urbanos da República? Além disso, no que diz respeito ao jogo das temporalidades, em que medida se observa a permanência de padrões urbanísticos da colônia, no Império e aquele do Império em plena 1a Republica nas capitais do Nordeste?

Do material levantado nos Anais dos Seminários de História da Cidade e do Urbanismo (1990-2010), nas teses de doutorado e nas dissertações de mestrado acerca das experiências urbanísticas realizadas no Brasil durante o período imperial, verificam-se paralelos entre as realizações urbanísticas nas cidades capitais do Nordeste e Norte e a permanência de práticas vigentes no Império ao longo da Primeira República. Dentro das experiências urbanísticas enfatizam-se dois grupos. No primeiro, estão aquelas cidades planejadas ex-nihilo, substituindo as antigas capitais coloniais, como é o caso de Teresina e Aracaju. No segundo grupo, estão antigos núcleos urbanos que assumiram novos papéis e em função disso se transformam ao longo do Império e na República, orientados por planos de expansão estatais que substituíram o “tipo de cidade-fortaleza pelo tipo cidade-porto” (BONFIM, 2005).

Novas capitais planejadas

Nos casos de Teresina e Aracaju, ambas são cidades projetadas, na transição do Brasil- Colônia para o Brasil Império - como capitais dos Estados do Piauí e Sergipe, respectivamente.

Teresina foi concebida como sede do Governo da Província, por meio da Lei no315, de julho de 1852, com desenho do mestre-de-obras português João Isidoro França, representando com sua regularidade “a racionalização de recursos e a simplificação de procedimentos. Função da topografia e de demandas sociopolíticas, resultou na flexibilidade da trama urbana, na articulação das praças e na informalidade dos loteamentos. (BRAS e SILVA, 2008:43 ) (Figura 1). Em 1858, com a criação da

Companhia de Navegação do Rio Parnaíba, a Cidade tornou-se “um ativo porto fluvial e centro comercial de toda a província do Piauí” (DUARTE, 1996:65).

Aracaju foi fundada em 1855. A sua fundação atendia “aos interesses da classe produtora de açúcar” (BOMFIM, 2005), como também a um interesse político, “pois a nova localização da capital favorecia a um forte controle sobre as diversas regiões da província” (BOMFIM, 2005). Para elaborar o plano da cidade, Ignácio Barbosa convidou o então Capitão d’Engenheiros Sebastião José Basílio Pirro. Assim “obcecado pelo uso de linhas retas, Pirro prendeu-se nas malhas de um traçado em tabuleiro de damas, [...]. Por conta da sua obsessão e por falta de conhecimento do caráter físico do terreno da nova cidade, o engenheiro abusou de aterros (PORTO, 1991:31) (Figura 2).

Em ambos os casos, observam-se planos sem preocupação com o sitio em questão, o que condicionou desvio entre a proposta e o realizado ou pesados investimentos em aterros.

Planos de expansão de antigos núcleos urbanos

Entre as antigas capitais da administração colonial, mereceram planos de expansão Belém e Manaus, as duas cidades mais importantes do ciclo econômico da borracha na segunda metade do século XIX a 1920. “Os melhoramentos urbanos introduzidos, através de um programa de pesados investimentos em infra-estrutura, se fizeram acompanhar, em ambas às cidades, da planificação urbanística da expansão de sua malha viária” (DUARTE, 1996:73). Belém, na primeira metade do século XIX, iniciou os “trabalhos de drenagem do pântano, possibilitando a ampliação da malha urbana, e o arruamento dos bairros de Nazaré e Unarizal” (DUARTE, 2007:56). A grande intervenção urbana, entretanto, se deu no apogeu do comércio da borracha, na administração Antonio Lemos, quando promove, entre 1883-86, “realizações urbanas, remodelando e ampliando significativamente a cidade a partir das diretrizes

(DUARTE, 1996:73) do projeto do engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro. A proposta adotada previa “a ocupação integral da 1a Légua Patrimonial da cidade através de uma sofisticada composição urbanística, articulando a malha ortogonal [...] com o traçado do núcleo urbano preexistente” (DUARTE, 1996: 73) do século XVIII (Figura 3).

Figura 3: Plano de Expansão da cidade de Belém, 1883/86

Fonte: PENTEADO, 1968:160

Em contrapartida, o desenvolvimento econômico de Manaus era bastante restrito até a segunda metade do século XIX, pois, somente “em 1850 a região do atual Estado do Amazonas deixou de ser uma comarca da província do Pará, passando a configurar como província autônoma” (DUARTE, 2007: 57). Durante a Primeira República, no governo de Eduardo Ribeiro, iniciado em 1892, foi implantado um plano de expansão da Cidade. Cristovão Duarte identifica na planta levantada de 1895 uma estrutura viária em grelha “constituída por vias ortogonais orientadas segundo os quatro pontos cardeais, com largura variando entre 20 e 40 metros. As quadras giram, majoritariamente, em torno de 120x120 metros, chegando porem, em alguns casos, atingir o dobro destas medidas” (DUARTE, 1996:74). (Figura 4).

Figura 4: Plano de Expansão da cidade de Manaus, 1895 Fonte: DUARTE, 1996:76

A criação de gado, a extração do sal, o cultivo da cana-de-açúcar e do algodão no século XIX induziram o crescimento e importância da cidade de Natal na lógica da rede urbana do Rio Grande do Norte. Esse momento de impulso da cultura algodoeira exigiu e possibilitou a melhoria da infraestrutura voltada para a produção, transporte, armazenamento, comercialização e exportação do produto. O processo de modernização iniciou-se por volta de 1850 e se consolidou nas primeiras décadas do século XX.

Notam-se, ao longo do século XIX, algumas medidas, tais como aterros na área da Ribeira, um plano de saneamento (1896), envolvendo a remoção do matadouro e a mudança do Lazareto da Piedade, bem como o arrasamento da represa do Baldo. Somente no século XX, houve uma ação urbanística e saneadora no bairro da Ribeira. No âmbito das políticas de higiene e de saneamento no Baldo e na Ribeira, o governador Tavares de Lira contratou o agrimensor italiano Antonio Polidrelli. A implementação do plano de expansão da Cidade Nova foi levado a efeito somente em 1901, conhecido como Plano Polidrelli que visava “garantir a expansão da cidade que

já se encontrava comprimida nos bairros da Ribeira e da Cidade Alta” 1 (Figura 5). Este plano se restringia a um parcelamento e arruamento do solo numa trama em

xadrez, orientando a expansão da cidade no sentido sul.

1 Declaração do governador do Rio Grande do Norte- Alberto Maranhão, em carta ao escritor Câmara Cascudo (1980).

Figura 5: Plano de Expansão da cidade de Natal elaborado pelo agrimensor Antônio Polidrelli, 1901 Fonte: Atlas do Império do Brazil por Candido Mendes de Almeida, 1868

Maceió só se tornou um importante núcleo urbano na virada do século XVIII para o XIX, não só “em função da atividade comercial suscitada pela atividade portuária” (FARIA, 2004:2), como também pela “consolidação da importância econômica da região Sul da Capitania de Pernambuco, propiciaram as condições para uma mudança na geografia política e econômica desta região” (FARIA, 2004:3). Logo após a criação do termo da vila (1817) e da sua autonomia, o capitão-governador Sebastião Francisco de Mello e Póvoas ordenou em 1820 a José da Silva Porto o levantamento de uma planta cadastral para definir “aberturas de ruas e a retificação de outras, a demarcação de praças e largos, assim como a demolição de edificações situadas fora dos alinhamentos traçados” (FARIA, 2004:4). Nas palavras de Geraldo Majela Faria, a intenção desse desenho “não ultrapassava o gesto de simplesmente geometrizar aquilo que espontaneamente ia sendo construído” (FARIA, 2004:4). A transferência da capital de Marechal Deodoro para Maceió somente se efetivou em 1839, advindo do desenvolvimento das exportações de açúcar, tabaco e coco pelo porto natural de Jaraguá. Em 1868, uma planta foi elaborada com a proposta de ampliação do tecido urbano entre o núcleo antigo e o povoado do porto de Jaraguá (Figura 6). Nota-se, entretanto, que esse plano não foi efetivado ao longo do tempo (Figura 7).

Figura 6: Plano de Expansão da cidade de Maceió, 1868

Fonte: Atlas do Império do Brazil por Candido Mendes de Almeida, 1868

Figura 7: Planta da cidade de Maceió, 1932 Fonte: CAVALCANTE, 1998:73

A cidade de João Pessoa é a terceira cidade fundada no Brasil (1585) e, até meados do século XIX, tinha como principal atividade econômica o açúcar, mais tarde, acompanhada da cultura do algodão. Os anos 1850 foram os mais dinâmicos em termos de ações urbanísticas, realizadas com base nas questões higienistas típicas do Império. A administração do Tenente-Coronel Henrique de Beaurepaire Rohan merece

destaque, pois se trata de um importante engenheiro militar responsável por capitanear um plano de remodelação da cidade. Liderou o levantamento da planta da Cidade elaborada pelo engenheiro Alfredo de Barros Vasconcelos, e promoveu “o levantamento de um plano de abertura das ruas da capital e o nivelamento geral das mesmas para viabilizar seu calçamento,” (ALMEIDA, 2004:54). Contratou dois engenheiros estrangeiros - Bless e Poleman - que realizaram estudos e obras de infraestrutura, saneamento, abertura de ruas, alinhamento de outras, além de promover a demolição de casas e becos com a finalidade de prolongar avenidas e ruas (SILVA, 2008:9). A capital paraibana apresentava no século XIX algumas inovações, “seja em estudos e melhor conhecimento da estrutura urbana, na elaboração de posturas que direcionam a formação da cidade ou intervenções na sua estrutura por meio de ações publicas” (ALMEIDA, 2004:44). Assim, esse período foi o “sinalizador de uma serie de transformações urbanas que se desencadeiam de forma mais enfática no século seguinte” (ALMEIDA, 2004:44).

Nesse panorama, enquadra-se o caso de Fortaleza. Até a metade do século XIX, não passava de um pequeno aglomerado, ao contrário do Recife e de Salvador, que, desde o período colonial, eram importantes centros urbanos, em decorrência da economia da cana-de-açúcar. Fortaleza só se tornou o principal núcleo urbano do Ceará na segunda metade do século XIX, graças ao seu papel na comercialização de produtos de exportação, principalmente o algodão, cuja valorização no mercado internacional elevou-se durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. O engenheiro Adolfo Herbster em 1863 (Figura 8) propôs o plano de expansão para a Cidade, projetando uma área nova equivalente a “umas seis ou sete vezes aquela ocupada pela cidade na ocasião” (CASTRO, 1994:86). A planta levantada em 1931-32, informa que “a cidade ainda não havia conseguido preencher o traçado proposto por Herbster, salvo, pelo menos, de modo descontinuo ao longo das radiais e no trecho da parte leste mais próxima do centro, já no bairro emergente da Aldeota” (CASTRO, 1994:70) (Figura 9).

Figura 8:Plano de Expansão da cidade de Fortaleza, 1863 Fonte: Atlas do Império do Brazil por Candido Mendes de

Almeida, 1868

Figura 9:Planta da cidade de Fortaleza, 1932 Fonte: Planta da cidade de Fortaleza, 1932

Ao que tudo indica, planos de expansão semelhantes, em quadricula, orientaram o crescimento das capitais de porte médio do Norte e Nordeste: Belém, Manaus, Maceió, Natal, João Pessoa e Fortaleza. Observam-se permanências de padrões urbanísticos típicos do Império ao longo de toda a Primeira Republica: plano de expansão com base no traçado ortogonal, código de posturas localizando a implantação do conjunto urbano, zoneamento de funções (matadouros, lazaretos, cemitérios) e melhorias sutis nas áreas portuárias. As novidades urbanísticas típicas da Primeira República chegaram portanto mais tarde nessas capitais.

Salvador foi a primeira capital do Brasil e a segunda maior cidade do século XIX em número de habitantes, disputando com o Rio de Janeiro a liderança nas exportações do açúcar. A cidade, de “forma geral passou por transformações em sua estrutura socioeconômica e também espacial” (PINHEIRO, 2002:12). Durante todo o século XIX, existiu uma preocupação em alterar a malha urbana colonial (PINHEIRO, 2002:13). A maior intervenção com o objetivo de oferecer melhores condições de circulação e salubridade localizou-se na área onde se concentrava a vida comercial e financeira, ou seja, “na parte de baixo da cidade com o objetivo de ampliar sua área e melhorar seu porto.” Foi, porém, somente entre 1912 e 1916 que a Cidade passou por uma grande reforma urbanística, encabeçada pelo governador José Joaquim Seabra, num momento de franca recuperação econômica. Essa experiência corresponde ao “projeto de modernização do porto (1906-1921) e o de remodelação-ampliação do centro de negócios, na Cidade Baixa, e a abertura da avenida 7 de setembro, na Cidade Alta, durante a primeira gestão do governador J. J. Seabra” (FERNANDES, 1999:172).

Outro exemplo de cidade do Nordeste que merece modernização nos moldes republicanos é Recife, importante entreposto comercial da região, com uma condição portuária “que certamente marcou sua estrutura e fisionomia urbanas” (MOREIRA, 1996:777). As reformas iniciaram-se no Império, na administração do Conde da Boa Vista, em meados do século XIX, implantando-se uma série de obras públicas. A tais iniciativas sucederam a instalação das redes de serviços urbanos (água, saneamento, bondes) todas sob a responsabilidade do setor privado. Ampla reforma urbana, entretanto, ocorreu nas primeiras décadas do século XX, quando foi elaborado e implantado o Projeto de Melhoramento do Porto, em 1908, desenhado por Alfredo Lisboa, associado ao Plano de Saneamento do Recife, elaborado por Saturnino de Britto, entre 1909 e 1915. Assim, por meio do saneamento e do redesenho do bairro do

porto, Recife passou por “transformações significativas que descaracterizaram sua feição colonial” (MOREIRA, 1999: 14), nos moldes do que se viu em Salvador e se verá no Rio de Janeiro, São Paulo e Santos.

Na primeira metade do século XIX, os projetos realizados no Rio de Janeiro destinavam-se a resolver problemas de saneamento por meio do aterro dos pântanos e das lagoas, desmontes de morros e nivelamento do solo. Em 1874, foi criada a Comissão de Melhoramentos da Cidade, instituída pelo Governo Imperial, chefiada pelo engenheiro civil Francisco Pereira Passos. Vários projetos de melhoramentos propostos pela Comissão só foram realizados na gestão do Prefeito Pereira Passos (1902-1906), quando a Cidade “começa a ter um papel fundamental na inserção do Brasil no capitalismo internacional, ao transformar-se de porto exportador de café para centro distribuidor de produtos importados, tornando-se também um mercado consumidor” (PINHEIRO, 2002:124). As obras de saneamento, a política de saúde pública, a melhoria no porto, a abertura da av. Central e outras correlatas, a construção da av. Beira Mar e os novos equipamentos urbanos- teatro, biblioteca, Academia de Belas Artes – foram de um novo caráter, diferentes das propostas do Império, embora delas herdassem os clamores.

Simultaneamente, São Paulo merece transformações afins, capitaneadas pela iniciativa privada e orquestrada pelo poder público. Até meados do século XIX, São Paulonão se distanciou de sua fisionomia colonial” (BRUNO, 1991: 8). Segundo Nestor Goulart Reis, até 1860, a cidade foi “beneficiada com a expansão da produção do açúcar”, sendo substituída entre 1840 e 1860, “pelas lavouras de café” (2004:111).

As reformas urbanas no centro da Cidade no período republicano aconteceram ao longo das administrações municipais do Conselheiro Antonio Prado (1898-1910), do Barão Duprat (1911-1913) e de Washington Luís (1914-1918). Esses planos “buscavam harmonizar os objetivos declarados de interesse publico e as oportunidades de atuação no mercado imobiliário” (REIS, 2004:180).

Notas conclusivas

Observou-se que as cidades brasileiras do período imperial necessitaram de controle sobre as condições higiênicas e sanitárias, principalmente em função dos surtos epidêmicos de febre amarela e de Cholera morbus, a partir de meados do século XIX. Para isso o Poder Público atuou mediante a codificação de uma legislação edilícia, definida no Império, que orientava intervenções na cidade. O primeiro Código de Posturas foi introduzido com o Regimento das Câmaras Municipais (1828), regulamentando um vasto elenco de temas, referentes ao alinhamento, limpeza, iluminação, “desempachamento” das ruas, estabelecimento de cemitérios, matadouros, o alinhamento de ruas, caminhos e edificação, entre outros. Na segunda metade do século XIX, “embora as ações da municipalidade não se diferenciassem, de modo geral daquelas indicadas na primeira Constituição brasileira e nas leis subsequentes que a regulamentaram [...] aos poucos é ampliado o alcance espacial e temporal das deliberações da Câmara” (BRESCIANI, 2006:9). Várias dessas recomendações de

alcance espacial foram mantidas ao longo da segunda metade do século XIX até fins da 1a Republica. São exemplos deste tipo de intervenção as propostas de expansão nas cidades capitais do Nordeste (como Fortaleza, Maceió, João Pessoa e Natal) e do Norte (Belém e Manaus). Fortaleza, (com o Plano de expansão de Adolfo Herbster em 1863), Maceió (em 1868), Belém, (na administração de Lemos, entre 1883-86, elaborado pelo engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro), e Manaus, com uma expansão implantada

logo após a República, no ano de 1892. Esses planos de expansão somados aos projetos de criação “ex-novo” de capitais (Teresina e Aracaju) utilizaram o traçado em xadrez como padrão planimétrico. Nesse aspecto, pode-se afirmar que o grau de controle nas capitais do Norte e Nordeste aqui estudadas, à exceção de Salvador e Recife, segue um padrão de intervenção urbana por meio de um plano de expansão ortogonal da malha. No caso de Belém, a composição urbanística mantinha uma articulação entre a “malha ortogonal projetada com traçado do núcleo urbano preexistente” (DUARTE, 1996:73). Fortaleza não era exceção nesse sentido, pois a “malha ortogonal expandindo-se, eliminou as várias radiais [antigos caminhos de penetração] [...], as que permaneceram passaram a iniciar-se em pontos relativamente distantes da parte central da cidade, algumas delas sem interligação direta com a cintura de avenidas” (CASTRO, 1994:68). As diretrizes contidas na expansão física programada previa uma grande ampliação urbana, quase duplicando ou triplicando a área preexistente. Cidades como Fortaleza e Belém se destacam no contexto regional pelo fato de seus planos serem efetivados, ao contrário de Maceió, cujo plano não vingou.

Observam-se continuidades no padrão urbanístico da Colônia para padrões que se seguiram à Independência, ao menos no que diz respeito à regularidade dos traçados já presente nas “preocupações iluministas, que haviam sido introduzidas por iniciativa do governo português, com o objetivo de transmitir uma imagem de ordem e de disciplina” (REIS FILHO, 2004:113). As políticas do Império incluem novas práticas urbanísticas, como códigos de posturas e obras de saneamento (drenagem de áreas pantanosas e zoneamento de funções). Entre essas realizações, observou-se que tais padrões diferem dos impostos na Primeira Republica, no que tange o aparelhamento da infraestrutura nacional, como a reforma e ampliação dos portos (Recife, Salvador, Rio de Janeiro), ao que se associam modernos sistemas ferroviários, a modernização dos centros urbanos tradicionais (Rio de Janeiro, Recife, São Paulo) por meio de grandes cirurgias urbanísticas e obras de saneamento (água, luz, esgoto) (LEME, 1999:22-25). Observa-se a permanência de práticas urbanísticas do Império ao longo de toda a Primeira República em Fortaleza e demais capitais do Norte e Nordeste de porte médio.

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