Resumo

Os bairros-jardins paulistanos, projetados no início do século XX, que constituem a paisagem urbana da cidade de São Paulo, representam a integração entre ambiente preservado e edificações de diversos estilos. Se o paisagismo e traçado de alguns destes bairros foram objeto de atenção protecionista em meados da década de 1980, quando tombados pelos órgãos de preservação1, suas edificações, em razão do desprestígio da arquitetura eclética até então vigente, permaneceram à margem dos inventários arquitetônicos específicos que marcaram os

estudos do patrimônio paulista naquela década. O fato é que atualmente os muitos exemplares de arquitetura residencial erigidos entre a década de 1920 e 1950 que variam do bangalô ao proto modernismo, de grande interesse para estudos historiográficos, permanecem sem um inventário. Sem instrumentos legais de proteção, esses edifícios vêm sendo, pouco a pouco, demolidos ou descaracterizados, destacando-se dentre eles, os projetos de autoria de Oswaldo Bratke, Rino Levi, Eduardo Kneese de Mello e Gregory Warchavchik. Esta comunicação, como resultado parcial de pesquisa em desenvolvimento no programa de Pós Graduação Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Unicamp, apresenta o transcurso histórico desta região da cidade avaliando suas transformações nos últimos anos e identifica os projetos arquitetônicos de bairros-jardins de interesse para a arquitetura paulista no perímetro circunscrito pela área conhecida como “Jardim América”, projetado pela City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, e seus arredores através da análise de documentação arquivística primária.

Palavras-chave: Arquitetura eclética paulistana, bairros-jardins inventário arquitetônico, políticas públicas de preservação

Abstract

The neighborhoods in São Paulo – Brazil which follow the English concept of garden city were first projected in the beginning of twentieth century. They are aggregated in the urban landscape of the city: an integration between preserved ambient and non-established style buildings. It is well-known that these neighborhoods were put on government focus in the middle of the decade of 1980, but their buildings were not listed. In consequence to eclectic architecture in force’s discredit, they remained on the sidelines of specific lands’ inventory which let their mark on municipal patrimonial studies from that time. Nowadays, the samples of residential architecture, which were built between the 20’s and the 50’s, vary from banglow to proto-modernism, well-regarded for historiographical studies, but with no inventory that may provide qualifications of their characteristics and no legal instruments to safeguard themand, little by little, they are being demolished or modified. It is worth highlighting that

1 Em 1986 o Conselho de Patrimônio Histórico Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) tomba quatro bairros da cidade de São Paulo, denominados Jardins e identificados como: Jardim Paulista, Jardim Paulistano, Jardim América e Jardim Europa, por meio do Processo SC 23.372/85 que resultou na Resolução SC 02/86, na qual se propôs a preservação do traçado urbano, dos limites dos lotes e da vegetação.

distinguishes names in Brazilian architecture overview are associated to the garden cities’ architectural scene, such as Oswaldo Bratke, Rino Levi, Eduardo Kneese de Mello and Gregory Warchavchik, in the case of America Garden. This communication exhibit part of Master research’ results, integrated into the program of Pos-Graduation Architecture, Technology and City of the University of Campinas/Unicamp, mainly intending to identify garden city’s architectural projects under the interests of architecture’s history of the perimeter circumscribed by the label “America Garden”, protruded by the City of Sao Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, and its surroundings. Besides emphasis on the analysis of primary archiving documentation to study the architectural projects which are relevant, this research also studies this zone historical course, appraising its late years’ modifications, arguing in consequence the legislation in effect (or the lake of it) when coming to the protection of neighborhoods in historical and cultural interests.

Keywords: Eclectic architecture of Sao Paulo, quarter city, architectural inventory, Public Policies of Preservation

Introdução

O desejo de inovação da década de 1910 na cidade de São Paulo favoreceu a introdução do conceito de bairros-jardins, um modelo de loteamento2 introduzido pela City of São Paulo Improvementes and Freehold Company Limited, empresa inglesa, sediada em Londres e proprietária de áreas significativas do território paulistano. Esta empresa foi responsável pelo loteamento de bairros residenciais nos quais, privilegiando a introdução de áreas verdes e parcelamento do solo em lotes de grandes dimensões, possibilitava a aquisição dos novos lotes através de sistema de financiamento próprio.

O reconhecimento do valor cultural dos loteamentos paulistanos embasados no conceito introduzido pela companhia inglesa se deu na década de 1980, quando o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico/CONDEPHAAT efetivou o tombamento de loteametos de áreas centrais da cidade. Neste tombamento priorizou-se o loteamento mais antigo conhecido como “Jardim América” associado a outros três loteamentos vizinhos compostos pelos “Jardim Europa”, “Jardim Paulista” e “Jardim Paulistano”, que integram a área reconhecida no âmbito municipal como Jardins. Tratam-se de áreas deslocadas do centro urbano tradicional e que correspondem ao atual centro expandido da cidade de São Paulo.

Em acordo com as discussões preservacionistas daqueles anos, tal instrumento de preservação privilegiou a paisagem, o desenho urbano do loteamento, os arruamentos, elementos considerados que nos garantiram a permanência dos conjuntos e das escalas. Contudo, em consonância com o desprestígio oficial da “arquitetura eclética” (estilo genericamente atribuído às construções dos bairros-jardins) à época, deixou de fora do tombamento as edificações erigidas entre 1910 e 1950 presentes nos lotes. A não inclusão do patrimônio arquitetural no ato de salvaguarda urbana significou negligência também com a avaliação de projetos de diversos arquitetos que vieram a ter renome na arquitetura paulista, e cujas obras não foram inventariadas e/ou estudadas nas suas especificidades formais e técnicas, não obstante sua potencial importância para a compreensão da própria arquitetura moderna do Estado. A identificação em arquivos públicos de projetos significativos para viabilizar

2 O conceito de “bairro-jardim” foi reproduzido em larga escala por outras companhias loteadoras tanto no município de São Paulo como em outras regiões do Estado de São Paulo, adotados em loteamentos como o “Jardim da Saúde”, de autoria do urbanista Jorge Macedo Vieira e loteado pela Companhia de Terrenos da Saúde, o bairro do Sumaré implantado pela Sociedade Paulista de Terrenos e Construcções Sumaré Ltda ou até mesmo o Bairro de Interlagos, entre outros.

reflexões acerca do desenvolvimento de determinadas linguagens projetuais é um dos desdobramentos que nossa pesquisa de mestrado em desenvolvimento no programa de Pós Graduação Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Unicamp3, considera entre seus principais objetivos de estudo.

Confrontando a ideia pré-concebida de que a arquitetura dos bairros-jardins representa-se exclusivamente por edificações de orientação historicista sem interesse, questionamentos acerca da variabilidade das tipologias e linguagens das edificações neles presentes são detectáveis em estudos de outros pesquisadores. Menciona-se aqui texto do arquiteto Luís Saia, publicado em 1959 no Diário de São Paulo e disponibilizado em obra recente4 na qual relaciona claramente a produção inicial de arquitetos consagrados pela arquitetura moderna nos bairros-jardim, nomes mencionados também no importante estudo realizado pela arquiteta Sílvia Ferreira Santos Wolff 5sobre o “Jardim América:

(...) os arquitetos Alfredo Ernesto Becker, Oswaldo Bratke, Dácio de Morais, Rino Levi, Eduardo Kneese de Mello e Warchavchik projetaram grande número de residências nos bairros que a City havia aberto para a burguesia paulista. [XAVIER, 2003, p. 110]

O Projeto Dos Bairros-Jardim

A Companhia City tornou-se proprietária de extensa área urbana, em torno de 1.091.118 metros quadrados [BACELLI: 1982] para implantar o loteamento que viria a ser denominado Jardim América, área delimitada pelas ruas Estados Unidos (ambos os lados), Groenlândia, Atlântica e Avenida Nove de Julho, na cidade de São Paulo.

Segundo mapeamento disponibilizado pela própria Companhia City, destacado na Figura 1, a empresa foi proprietária de grande parcela da área urbana da cidade de São Paulo até os anos 1940 [Arquivo Companhia City: 1939], sendo que grande parte das áreas estavam bem deslocadas do eixo central, identificadas na Figura 1 e assinaladas como áreas C, D, E, G, H, I, J e K.

3 Pesquisa intitulada como “Inventário crítico dos bairros jardins paulistanos na primeira metade do século XX” 4 XAVIER, Alberto (org.) Depoimento de uma geração: arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.pag. 110

5 WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. “Jardim América: O primeiro Bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura”.SãoPaulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

Figura 1: Mapa da Cidade de São Paulo indicando as propriedades da Companhia City no território paulistano na década de 1930. A letra “B” identifica área nas imediações da Rua Avanhandava, área centro da cidade que corresponde ao que se reconhece Centro Novo (para além do Anhangabaú). Fonte: [ARQUIVOS DA COMPANHIA CITY: 1939]

Os loteamentos residenciais correspondentes aos bairros-jardins, antes mesmo do reconhecimento como patrimônio ambiental pelos órgãos públicos, já estavam sujeitos às restrições estabelecidas pela legislação municipal de Uso e Ocupação do Solo, vigente desde 1975 na cidade de São Paulo, assim como às restrições contratuais impostas pelas companhias loteadoras e que estabeleciam parâmetros de ocupação diferenciados.

Dentre os muitos loteamentos implantados pela companhia inglesa, o “Jardim América” foi o primeiro bairro da cidade de São Paulo a ser formulado baseado no conceito de ocupação urbana introduzido pela Companhia City, no qual se identificam os preceitos adotados nas cidades-jardins inglesas. Estão associados ao projeto de Sir Ebenezer Howard para a cidade de Letchworth, assim como às experiências processadas na cidade de Welwyn e no subúrbio- jardim de Hampstead, conforme destacado na Figura 2 [HOWARD, 1996].

Figura 2: O desenho esquemático ilustra a ideia de integração cidade-área urbana com implantação de dois grandes eixos de circulação com destaque para casa e jardins no centro e circundado por serviços e área agricultáveis (pastagens, escolas, fazenda de frutas, etc.)

O projeto cidades-jardins inglês, uma proposta de criação de cidades auto do ponto de vista econômico, auto sustentáveis para a implantação do “Jardim América”, na cidade de São Paulo, adequou-se às características locais tano no plano morfológico como no administrativo. No primeiro caso, implicou em modificações em seu desenho para se conformar a uma área relativamente plana nas proximidades do Rio Pinheiros. No segundo, não existia a possibilidade de autonomia econômica que os orientava originalmente por se tratar de um novo bairro do município de São Paulo que devia estar vinculado À sua estrutura administrativa., com um desenho urbano diferenciado do usualmente praticado à época.

Afastado cerca de 3,7 quilômetros do centro da cidade, no plano espacial o projeto para loteamento do “Jardim América” orientou-se a partir de divisão central em “X” (ver Figura 3), que organiza o parcelamento da área a partir da integração de zonas de áreas verdes com lotes de grandes dimensões adotando soluções orgânicas de implantação em contraposição ao traçado reticulado costumeiramente adotado. Tal traçado era também contemplado com eixos viários diferentes de 90º, curvas e novas figuras geométricas que lhe conferiam quadras com cantos arredondados nos quais, em alguns casos, também se introduziram áreas ajardinadas.

Figura 3: Este documento corresponde ao projeto elaborado pela Company City of Sao Paulo Improvements & Freehold Land Company Ltd – datado de 1923 Fonte: [REALE, 1982, p. 152 a 153]

Os anúncios publicitários à época tentavam ressaltar a idéia de que morar nos novos bairros seria um privilégio tendo como garantia o acesso aos novos serviços públicos à disposição (bonde, iluminação pública, fácil acesso ao Centro, entre outras facilidades), disponibilizados em função da demanda imposta pela Companhia City ao governo municipal.

Assim como para o “Jardim América”, veiculavam propagandas para os bairros vizinhos, tal qual o anúncio da Figura 4 que indica citação do jornal “Estadão”, datado de 11 de novembro de 1928, identificando o Jardim Europa como sendo:

(...) Bairro de Elite, de propriedade de Manoel Garcia da Silva” ressaltando a comparação com o centro da cidade: “Jardim Europa...na mesma altitude da Praça Patriarcha” assim como fazendo especial referência ao tempo de locomoção “...APROVEITE A TARDE DE HOJE...além de fazer um passeio agradável terá o .…de apreciar o grande

desenvolvimento desse belíssimo e agradável bairro. A iluminação pública está sendo ampliada e brevemente será feita a inauguração.6

Figura 4: Anúncio publicitário de venda de lotes no Jardim Europa, São Paulo

Entre as modificações no traçado do novo bairro se observa que não restou nenhum dos jardins internos constantes do desenho original do loteamento do “Jardim América”. Muitas das alterações no desenho original do loteamento foram efetivadas pela própria companhia loteadora, detentora dos direitos de fiscalização e parcelamento da área do loteamento até os anos 1940.

Analisando os mapas disponibilizados por Roney Bacelli do “Jardim América”, apreende-se as modificações ocorridas até 1940, (informações obtidas junto à Companhia City, antes mesmo do tombamento), em relação ao desenho original do loteamento no qual se contemplou uma solução que priorizava a integração entre as residências e os jardins internos de miolos de quadra. [BACELLI, 1982]

Tais jardins internos se constituíam como uma proposta inovadora e eram apresentados aos possíveis interessados como elemento diferenciador do novo loteamento como item que conferia qualidade de vida para os novos proprietários. No entanto, de acordo com Bacelli, os jardins internos deixaram de ser um item essencial e inovador intensamente propagado pelos veículos de divulgação do empreendimento da época (jornais, panfletos, etc), transformando- se numa disputa judicial pela apropriação da área dos jardins internos, ou seja, os proprietários dos lotes circunvizinhos pretendiam a transformação do espaço de uso semi- público em área privativa.

As dificuldades de gestão se apresentaram porque as áreas ajardinadas de miolo de quadras demandavam constantes ações de manutenção. Para amenizar o problema, a Companhia City tentou, inicialmente, formas alternativas de administração de tais áreas: ou a divisão das despesas com os proprietários de lotes lindeiros ou a transmissão de responsabilidade para a prefeitura. Tais tentativas se mostraram infrutíferas e a alternativa adotada pela companhia loteadora resultou na extinção dos jardins internos adotando dois outros modelos:

  1. Desmembramento da área em novos lotes com os surgimento das ruas sem saída, nos moldes “cul de sac”.

6 Anúncio publicitário acerca do Jardim Europa disponível In: [http://www.marketingimob.com/2012/01/top-10-anuncios-]{.ul} [imobiliarios.html]{.ul} <data de acesso em 04/agosto/2013>, e se refere a publicação de “reclame” no jornal Estadão (Jornal do Estado de São Paulo)

  1. Nova divisão da área com oferta e venda dos lotes remanescentes aos proprietários da quadra.

A primeira solução, exemplificada na Figura 4, na qual os jardins internos foram transformados em ruas internas, e a consequente partilha da área remanescente em novos lotes, resultaram quatro novos logradouros que deram origem a novas ruas: Ruas Yucatan, Rua Terra Nova, Rua Guayaquil e Rua Porto Rico.

A segunda solução, na qual a área foi dividida e vendida para os proprietários de lotes da vizinhança imediata, em função do interesse e poder aquisitivo de cada proprietário, gerou uma infinidade de novos formatos de lotes, assim como possibilitou a criação de outros muito menores que o usual para o restante do loteamento, conforme verifica-se na quadra formada pelas Ruas Venezuela, Rua Colômbia, Rua Peru (vide Figura 6).

Essas novas orientações, redesenhos, resultaram na extinção dos jardins internos originais do loteamento do Jardim América.

Figura 5: Exemplo de miolo de quadra com novos lotes e criação de rua tipo “cul de sac”, cujos lotes projetados para as ruas internas eram significativamente menores do restante e que foram comercializados já ao final da atuação da Companhia loteadora na região. Fonte: [SECRETARIA DE FINANÇAS E DESENVOLVIMENTO ECONÕMICO: 2014].

Figura 6: Exemplo de quadra do “Jardim América” resultante de redesenho de divisão fundiária, com extinção do jardim interno. Fonte: [SECRETARIA DE FINANÇAS E DESENVOLVIMENTO ECONÕMICO: 2014]

Ainda considerando a expectativa de manutenção de características especiais para os lotes planejados de acordo com um desenho urbano que destacava e privilegiava as áreas verdes e os amplos lotes os novos proprietários estavam sujeitos à imposição de restrições contratuais, que por vezes chegaram a ser mais restritivas que as estabelecidas pela legislação de zoneamento em vigor à época.

Entre as restrições contratuais elencadas pela Companhia City constam, entre outras: Orientação para que o uso seja exclusivo para residência, não podendo ser comércio ou venda de mercadorias de qualquer natureza, sendo apenas residência unifamiliar [.…] sendo que os recuos serão: 8 metros do alinhamento da rua; 8 metros do limite de fundo, e os recuos laterais serão: 4 metros se a casa for térrea, 6 metros se for dois andares e 8 metros se for

térreo mais dois andares superiores.7

O QUE CONSERVAR?

Como destacado anteriormente, a arquitetura implantada no Jardim América não foi preservada. O caminho e razão de sua inclusão no tombamento do CONDEPHAAT é complexo. Contudo a argumentação do Professor Carlos Cerqueira Lemos, então Conselheiro do órgão de preservação do Estado de São Paulo nos anos 1980, destacada por Bacelli em seu estudo, possibilita, reflexões importantes sobre as valorações vigentes do patrimônio edificado à época.

(...)A área constitui um patrimônio ambiental urbano; sua função residencial é secundária, e mesmo a arquitetura local é irrelevante constituída por uma miscelânea de gostos e soluções arquitetônicas representantes de um estágio cultural [...]. O que se deve conservar a todo

7 Estas informações constam de contrato padrão formulado pela Companhia City e cedido pela Assessoria da empresa e se refere às informações de comercialização do imóvel localizado à Rua Guatemala, no 3 (corresponde ao lote 5 Quadra 25, do mapeamento original do Jardim América). Fonte: [ARQUIVO DA COMPANHIA CITY: sem data]

custo é o verde, o verdadeiro patrimônio; a escala e a taxa de ocupação dos lotes. [BACELLI, 1982]

Passados quase trinta anos de tal manifestação, nós nos perguntamos se ainda são válidos os argumentos que identificam arquitetura dos bairros jardins como irrelevante.

O tombamento ambiental é uma realidade e foi de vital importância para a cidade desde os anos 1980, no entanto, a efetivação da legislação de preservação para a área de estudo não impede que novos elementos possam ser identificados e também preservados, agora pautados em outros fatores que se baseiem no valor cultural da produção arquitetônica lá existente.

Então, havendo nos bairros-jardins novos elementos culturais passíveis de serem preservados, podemos entender que a investigação do patrimônio arquitetônico produzido na área de estudo, através de um inventário, transforma-se numa necessidade visando o reconhecimento dos estilos arquitetônicos recorrentes no Jardim América e vizinhança imediata correlacionando a produção arquitetônica inicial e a sobrevivência dos exemplares edificados de forma a identificar a pré-existência e avaliar a permanência dos estilos no decorrer do período.

Focando no interesse de identificação de estilos arquitetônicos, já foi possível destacar que, entre os estilos encontrados, foi marcante a presença de construções no estilo neocolonial (brasileiro e missões), seguida de projetos no estilo normando e já sendo perceptível o aparecimento das experiências preliminares do estilo moderno.

Nas figuras de 7 a 10 é possível visualizar alguns exemplares arquitetônicos localizados no Jardim América por meio em documentos que permitem compará-los em dois momentos distintos. As figuras 7 e 8 correspondem a imagens de uma edificação localizada na Avenida Brasil esquina com Avenida Nove de Julho. As figuras 9 e 10 registram-se imagens de edificação na Rua Groenlândia. A figura 9, é patente a obstrução visual provocada pela massa arbórea existente nos limites do lote e na figura 10 observa-se a mesma casa nos anos 1930.

Figura 7: foto do acervo pessoal/julho/2013 Figura 8: A mesma casa em 1928 [REALE, 1982, p. 171]

Figura 9: foto do acervo pessoal/julho/2013. Figura 10: a mesma casa – Fonte: [LEMOS: 1994]

Na cidade como São Paulo já foram identificadas uma grande quantidade bens de interesse de preservação, contabilizados, no momento, em torno de três mil imóveis, constando entre eles vilas, edifícios, residências, obras de arte assim como os bens imateriais, no entanto, não estão contemplados neste escopo possíveis bens de interesse que porventura possam existir nos bairros-jardins, áreas cujo tombamento é reconhecidamente ambiental, ou seja, todos os bairros que receberam a chancela de tombados e que o foram por questões que visavam à preservação dos três itens destacados na resolução de tombamento, quais sejam:

  1. O atual traçado urbano representado pelos logradouros públicos contidos entre os alinhamentos dos lotes particulares;

  2. A vegetação, especialmente a arbórea, que passa a ser considerada como bem aderente;

  3. As atuais linhas demarcatórias dos lotes, pois são também históricas essas divisões, sendo o baixo adensamento populacional delas decorrente tão importante quanto o traçado urbano.

Conclusões

O primeiro reconhecimento do valor ambiental-urbano dos bairros jardins através do tombamento foi formulado nos anos 1980, com estabelecimento de critérios que permitiriam a manutenção dos elementos tombados, quais sejam gabarito, vegetação, limites dos lotes e arruamentos, entre outros.

Outro fator importante para a manutenção das características desse ambiente urbano tombado pode ser atribuído às restrições contratuais impostas pelas companhias loteadoras que, conforme apontado por Meirelles, 1993, podem ser de dois tipos: convencionais ou legais.

Todas essas ações garantiram a manutenção parcial do ambiente urbano, no entanto, não garantiram a sobrevivência dos padrões de ocupação, do uso residencial, dos elementos de fechamentos dos lotes nem tampouco do patrimônio edificado.

Por outro lado, nos bairros jardins paulistanos implantados nas primeiras décadas do século XX podem ser encontrados edifícios representativos de vários estilos arquitetônicos e a pesquisa ora em curso pretende o reconhecimento da arquitetura edificada nos “jardins” através da avaliação da produção de alguns arquitetos que ali atuaram e da consulta a razoável material documental em bairros similares nos quais os mesmos atuaram.

Assim, reconhecido o valor ambiental dos bairros jardins, é de fundamental importância a verificação do patrimônio edificado que possa auxiliar na elaboração de políticas públicas que propiciem a preservação do patrimônio cultural edificado nos bairros-jardins, seja por meio de

um inventário sistemático utilizado como instrumento de preservação seja com a identificação documental detalhada da arquitetura produzida nos bairros-jardins nos diversos estilos e períodos de produção arquitetônica na capital paulista.

Como resultado da pesquisa em andamento espera-se introduzir as arquiteturas encontradas no escopo da história da arquitetura paulistana atavés da avaliação dos documentos primários e assim, propiciar a disponibilização de documentação inédita e dispersas e auxiliar no reconhecimento da arquitetura enontrada nas áreas de estudo suscitando dúvidas nos órgãos de preservação quanto à veracidade da afirmação de que a arquitetura implantada nos bairros jardins não têm relevância.

Referências

AMARAL, Aracy (coord.). Arquitetura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. São Paulo: Memorial; Fondo de Cultura Económica, 1994

BACELLI, Roney. Jardim América: História dos Bairros de São Paulo. São Paulo: Gráfica Municipal, 1982. Volume 20.

HOWARD, Ebenezer. Cidades-Jardins de amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996.

LEMOS, Carlos A.C. El estilo que nunca existió. In: AMARAL, Aracy. (coord.). Arquitetura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. São Paulo: Memorial; Fondo de Cultura Económica, 1994, p.147 a 164

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1993.

REALE, Ebe. Brás, Pinheiro, Jardins: três bairros, três mundos. São Paulo: Pioneira : Editora da Universidade de São Paulo, 1982.

WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. Jardim América: O primeiro Bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

XAVIER, Alberto (org.). Depoimento de uma geração: arquitetura moerna brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003