Resumo

A atividade turística apresenta-se atualmente como meio de preservação das identidades locais, e forma de valorização do lugar. A Vila Ferroviária de Paranapiacaba exemplifica a busca do desenvolvimento e valorização do patrimônio cultural por meio do turismo. A Vila centenária busca desde 1999 mediante a ação da municipalidade de Santo André e a implementação de planos embasados em ferramentas como o "marketing do lugar", recuperar e preservar o conjunto arquitetônico, urbanístico e ambiental, patrimônio tombado nas três instâncias: federal, estadual e municipal. O trabalho analisa criticamente o "Plano Patrimônio" (2003), documento base para conduzir ações significativas com o objetivo de alcançar as finalidades apontadas, bem como analisa a eficácia do Plano como fundamento de política urbana que logra incentivar o desenvolvimento local por meio da recuperação do patrimônio.

Palavras-chave: Vila de Paranapiacaba, política urbana, plano urbanístico

Abstract

Tourist activity presents today as a means of preservation of local identities, and shape recovery Place. The Railway Village Paranapiacaba exemplifies the pursuit of development and enhancement of cultural heritage through tourism. The Centennial Village search since 1999 through the action of the municipality of Santo André and implementation of plans grounded in tools such as "place marketing", recover and preserve the architectural, urban and environmental set, equity tumbled in three levels: federal, state and municipal. The paper critically examines the "Equity Plan" (2003), based document to conduct meaningful actions in order to achieve the purposes identified and analyzed the effectiveness of the Plan as the basis for urban policy that achieves encourage local development through recovery of equity.

Keywords: Village of Paranapiacaba, urban policy, urban plan

Introdução

Localizada no extremo sul do Município de Santo André, no ponto mais alto da Serra do Mar, a Vila Ferroviária de Paranapiacaba conserva significativo patrimônio cultural e acervo tecnológico ligados à presença e papel da ferrovia e ao testemunho de um modelo arquitetônico e urbanístico bastante avançado para a época de implantação. A Vila é um testemunho de importante ambiente, em que bens materiais e imateriais “[...] se referem à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (FUNDARP, 2014), e se estende a “[...] imóveis particulares, trechos urbanos e até ambientes naturais de importância paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros bens móveis” (IPHAN, 2014).

A Vila de Paranapiacaba é patrimônio cultural tombado pelas instâncias federal, estadual e municipal, desde 2003 (PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ, 2014). Seu papel destacado no cenário da preservação e formação de uma identidade cultural se tornou o mote de vários planos levados a cabo desde 1999 pela municipalidade de Santo André, tendo em vista recuperar e preservar o conjunto arquitetônico, urbanístico e ambiental, associando esse processo a um possível desenvolvimento local, ancorado na implantação e potencialização turística.

O "Plano Patrimônio" (Prefeitura Municipal de Santo André, 2003) consiste no documento que gerou ações significativas para alcançar os fins apontados. Esse plano conduziu uma ação fundamentada na ideia de preservação do conjunto arquitetônico total, de forma a garantir a intensificação da visitação turística, ao implantar pequenos comércios em várias casas, comércios que deveriam ser geridos por moradores locais.

A história de implementação do Plano evidencia, entre outros processos, o esvaziamento demográfico da Vila, o que se verifica empiricamente pela presença de casas atualmente abandonadas (Figura 1), pelo decrescimento populacional de aproximadamente 35% no período de dez anos (em 2000 a população da Vila era de 1418 habitantes, enquanto o levantamento censitário de 2010 apontou 921 habitantes) e pela opção dos moradores de buscarem fontes de renda nas cidades vizinhas, conforme apontado no Censo de 2010 (IBGE, 2010), sinalizando que as atividades ali empreendidas não foram suficientes para alavancar um desenvolvimento local sustentável.

Figura 1: Casas abandonadas da Vila de Paranapiacaba. Fotos: Fernanda F. D'Agostini / 2013

Esse fato sinaliza que a Vila de Paranapiacaba reflete nos dias de hoje um tratamento incompleto e superficial do patrimônio como motor do desenvolvimento e promotor de uma relação mais consistente entre cidade e sociedade. A incompletude do processo de desenvolvimento sugere uma prática de transformação urbana pautada, como evidenciado por Hobsbawn (1997), por uma "invenção da tradição" - ênfase na

valorização do passado e da memória pela evidência de alguns de seus símbolos. Verifica-se uma compreensão do patrimônio como imagem ou simulacro urbano, a partir de interpretação da vitalidade urbana nos moldes da "sociedade do espetáculo" (DEBORD, 2007), e da cultura compreendida no âmbito do consumo, privilegiando a aparente preservação e transformação de usos.

A Vila de Paranapiacaba

A SPR (São Paulo Railway) foi responsável pela construção de uma das principais ferrovias da segunda metade do século XIX, ligando o interior de São Paulo ao porto de Santos. Para tanto foi construída a Vila de Paranapiacaba, constituída por três núcleos urbanos: Parte Alta ou Morro, Vila Velha ou Varanda Velha, Vila Martin Smith ou Vila Nova, cujas implantações ocorreram em momentos distintos e de formas diferentes, no período de 1860 a 1946. Nesse tempo, chegou a Paranapiacaba uma moderna infraestrutura urbanística com sofisticação excedendo aquela disponível à época no Brasil, desta forma pioneira na construção de uma cidade empresarial projetada. Neste cenário caracteriza-se a instalação de uma estrutura urbana necessária para exploração mercantil, em que os ingleses exerceram, simultaneamente, influência econômica e cultural, impondo um modo de vida paternalista.

Figura 2: Mapa histórico – formação da Vila de Paranapiacaba. Autor: Fernanda F. D'Agostini

É possível dizer que a implantação e as construções da Vila constituem uma amostra de tecnologia e padrão de urbanização ingleses introduzidos no Brasil. A urbanização se caracteriza por uma ocupação do solo com traçado regular, à diferença da acomodação à topografia das cidades legadas pelo colonizador português, que tampouco seguiam padrões normativos rígidos. A Vila planejada marca a presença inglesa por meio da implantação padronizada das casas de madeira em conjuntos geminados com recuos que possibilitavam jardins, ainda incomuns no início do século em nosso país. A hierarquia social e corporativa dos funcionários da São Paulo

Railway se definia pelas singularidades das construções: o tamanho do lote e da edificação definia a situação hierárquica mencionada (CRUZ, 2007).

Padrões de higiene, saúde e atividades econômicas inovadoras, dentre outros, modificaram o cotidiano das famílias que passaram a residir na Vila, proporcionando às novas gerações educação nas escolas implantadas pelas empresas, que a despeito de seu papel social contribuíam para orientar a formação dos jovens, com o propósito de amoldá-los à cultura empresarial e estimular a adesão a ela. Esse padrão inglês propiciou à sociedade paulista, naquele momento, um hibridismo cultural instigando os mais jovens a extrapolar limites preestabelecidos de conhecimento e perscrutar outros campos desconhecidos, mesmo que sob vigilância patronal.

A SPR desenvolveu um programa com diversas atividades sociais e de lazer integrado por uma infraestrutura urbana adequada, um plano de uso e ocupação do solo, além de condições sanitárias satisfatórias devido à preocupação em construir instalações externas ao corpo principal da casa.

A construção de moradias operárias junto ao espaço produtivo da empresa foi uma prática adotada tanto nos países industrializados europeus como nos países latino- americanos de industrialização tardia, como é o caso do Brasil. Estes assentamentos localizavam-se na maior parte das vezes afastados das áreas urbanas consolidadas, e em muitos casos contavam com alguns equipamentos de uso comunitário e áreas de lazer geridos pelas empresas.

Ao longo dos séculos XIX e XX a moradia operária passou a ser almejada, projetada e construída por higienistas, filantropos, industriais, empresários, engenheiros e arquitetos. Segundo Perrot (apud CRUZ, 2007) baseava-se nas noções de higiene, e nas ideias de racionalidade e economia convertendo a habitação em fundamento para um novo modelo de trabalhador e família proletária. A casa funcionava como instrumento de atração e fixação, contribuindo para incorporar valores tais como a importância de um "habitat higienizado" e disciplinado, que supunha a implantação de serviços e equipamentos - saúde, educação e lazer, associados ao bem-estar, disciplina e saúde.

As Vilas operárias comportavam ainda equipamentos de saneamento, tais como provisão de água potável, eliminação de resíduos e organização de assistência médica, e ainda outros tais como mercados e serviços de transporte público. Havia também equipamentos sociais como escolas e instalações destinadas a atividades recreativas.

A fixação dos trabalhadores na Vila de Paranapiacaba se fazia por meio de um sistema semelhante aos das cidades fabris inglesas; equipava-se o local com toda infraestrutura necessária, para que não houvesse necessidade do trabalhador se deslocar para fora do núcleo evitando contatos externos, pois dessa forma se poderiam evitar greves trabalhistas, tal como ocorriam nos países europeus.

Com mais de um século de existência, a Vila de Paranapiacaba passou por várias transformações, algumas relevantes no final do século XIX com a ampliação da capacidade da malha ferroviária, a duplicação da linha da São Paulo Railway Co., para atender o aumento da demanda de carga. Por sua localização estratégica foi então considerada importante ponto na rota e corredor de circulação para escoamento de quase toda a demanda de exportação e importação de São Paulo, o que proporcionou seu crescimento, em virtude da necessidade de mais funcionários para a operação do

sistema, e também pelo aumento do público flutuante, contribuindo para o desenvolvimento da economia local.

No final da década de 1940 (1946), com o término da concessão e a inexistência de acordo entre os ingleses e o Governo Federal, a ferrovia e todo seu patrimônio passaram a ser controlados pela União. Em 1947 a Vila de Paranapiacaba sofreu um de seus maiores impactos socioeconômicos, devido à inauguração da Rodovia Anchieta, que trouxe nova alternativa de transporte do porto à metrópole, competindo com a ferrovia e deslocando boa parte do transporte de cargas e o eixo de desenvolvimento para o entorno da rodovia, fazendo a economia local decrescer devido ao declínio das operações ao longo do eixo central da ferrovia.

Já em 1957, com a criação da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) por Juscelino Kubistchek para a administração de toda a malha ferroviária do país, ocorreu nova mudança de nível gestor. Mais recentemente, em 1996 o transporte de passageiros é extinto e a ferrovia passa a ser explorada em regime de concessão para transporte de carga pela empresa da iniciativa privada MRS Logística.

Estas mudanças impactaram diretamente a Vila de Paranapiacaba, devido à redução da circulação de carga pelo eixo ferroviário, a consequente redução do número de operários residentes, mitigando as oportunidades de trabalho e diminuindo o público circulante. Foram então ocasionadas transformações do perfil socioeconômico, devido às interferências na economia local e a evasão de várias famílias, pois funcionários foram demitidos pela companhia ferroviária ou partiram em busca de melhores condições de emprego e moradia (MORETTO, 2005).

Em 1987, após um período de abandono e degradação, a Vila de Paranapiacaba teve seu patrimônio cultural e natural reconhecido e tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT e neste mesmo ano foi entregue o Plano de Preservação e Revitalização da Vila Ferroviária de Paranapiacaba realizado pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (EMPLASA). No ano de 2002 foi a Vila tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e em 2003 pelo órgão municipal, o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André - COMDEPHAAPASA.

Após ser comprada pela Prefeitura Municipal de Santo André, em 2002, foi implantado o Programa de Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável de Paranapiacaba, intensificando-se o processo de recuperação desse patrimônio, compreendido e gerido, desde então, como paisagem cultural.

Tal compreensão induziu à abordagem da preservação de porções do território, sítios, cidades ou paisagens, considerando-se sua multidisciplinariedade (PMSA/ ZEIPP, Seção IV art.71, 2003) e pressupondo integração de vários aspectos, definidos por conceitos como patrimônio cultural, natural, imaterial, patrimônio ambiental urbano. Intentava-se relacionar os conceitos de memória e história a outros advindos da geografia, antropologia e urbanismo, ao pressupor a ação integrada do planejamento urbano e gestão territorial a políticas culturais, ambientais, econômicas e sociais.

O conceito de paisagem cultural utilizado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1992 e sistematizado pela Recomendação R (95) do Conselho da Europa em 1995, pressupunha ampliar significativamente a compreensão de

patrimônio na medida em que reunia, articulava e integrava visões e ênfases de diversos campos disciplinares, e por isso exigia complexidade da gestão do patrimônio, requerendo revisão, adaptação e reformulação das políticas de preservação vigentes, tal como se pretendeu desenvolver em Paranapiacaba nesse período.

O Plano Patrimônio

No ano de 2002 a Vila de Paranapiacaba foi vendida pela Rede Ferroviária Federal S.A., por cerca de dois milhões e meio de reais à Prefeitura do Município de Santo André. O município ao assumir a gestão implantou uma série de políticas e projetos públicos para o restabelecimento de um poder central articulador e formação heterogênea do conjunto da população, com o objetivo de preservar a qualidade dos mananciais e do patrimônio histórico, artístico e cultural da Vila de Paranapiacaba.

Porém, os trabalhos de preservação e desenvolvimento da Vila de Paranapiacaba haviam começado em 1999, com a solicitação da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura Municipal de Santo André ao Laboratório de Urbanismo da Metrópole (LUME), pertencente ao Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) a elaboração do "Plano de Desenvolvimento Sustentável da Vila de Paranapiacaba" que visou à caracterização da vila e a definição do potencial físico e natural.

No desenrolar do processo, em 2001 foi criada a Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, que viabilizou a implantação de uma gestão municipal descentralizada com o intuito de articular as políticas de desenvolvimento urbano, econômico e social, focando a preservação do patrimônio, além de promover a participação comunitária.

Para dar andamento à política de desenvolvimento estratégico do município de Santo André, foi apresentado o Plano Patrimônio de Paranapiacaba, como documento prévio necessário para a inclusão da Vila no cenário turístico nacional.

"O Plano Patrimônio de Paranapiacaba formula a estratégia de futuro, a partir da análise dos recursos existentes e propõe estratégica a curto, médio e longo prazo e as ações, considerando a importância do Patrimônio Ferroviário, Arquitetônico, Ambiental, Cultural e Social representados na Vila de Paranapiacaba.” (PMSA, 2001 apud MORETTO, 2005).

O Plano Patrimônio nasceu da necessidade de mudança de alguns paradigmas, apostando em que as ações deveriam ter como alvo o desenvolvimento local, a sustentabilidade e a participação comunitária. É possível sugerir que o Plano insere-se na perspectiva do "marketing do lugar" que, segundo Vargas (1998), envolve a criação de uma imagem ou venda do ambiente para turistas, procurando atingir objetivos políticos sociais e econômicos; porém a utilização dos mecanismos de "marketing do lugar" deveriam somente funcionar como instrumento de apoio para o alcance dos demais objetivos estabelecidos.

Em 2001 o Plano Patrimônio foi estruturado em três etapas: implantação, qualificação e formalização dos empreendimentos e empreendedores. Porém, somente em 2003, foi sistematizado e elaborado um diagnóstico dos atrativos turísticos e potenciais produtos, criada a logomarca turística de Paranapiacaba e diversos programas de incentivo à fixação dos moradores e à inserção da população local ao programa de turismo: o programa Portas Abertas, Fog & Fogão, Bed and Breakfast e o Atelier-Residência. Pode-se dizer, segundo Harvey (1989), que neste momento o poder local desprivilegiou sua posição de gestor teorizada na década de 1960 e assumiu posturas de empreendedor.

Tendo em vista o entendimento do patrimônio cultural de maneira a enfatizar sua multi e interdisciplinaridade, é possível analisar de maneira crítica as intervenções que acompanharam a execução do Plano Patrimônio. Várias delas, de natureza pontual, foram caracterizadas como ações de preservação e restauro em toda a Vila, a exemplo da Casa Fox (Figura 2) que pertenceu aos dois mais importantes engenheiros da época. Estes edifícios fazem parte do conjunto de casas selecionadas em lei como imóveis representativos de cada tipologia arquitetônica e designados como "Exemplares de Tipologias Residenciais". O objetivo foi destacar o valor documental e cognitivo do projeto ou construção original, sem que fossem modificados, permitindo assim que nos demais imóveis de uso residencial e comercial fossem realizadas intervenções sem descaracterização conforme normas do tombamento.

Estes edifícios foram também destinados à visitação pública e, por isso, passaram a abrigar espaços expositivos que compõem o roteiro do "Circuito Museológico". Com base na concepção de "Museu a Céu Aberto", a história da Vila passou então a ser exposta na casa de tipologia C, conhecida como "Castelinho" (Figura 2).

O patrimônio natural foi exposto junto ao Centro de Visitantes do Parque, em um exemplar de Casa de Engenheiro. O patrimônio humano foi então apresentado na Casa da Memória, um exemplar da casa Tipo A (para famílias pequenas de operários). O patrimônio arquitetônico e urbanístico que fundamentou a ação se encontra documentado no CDARQ - Centro de Documentação de Arquitetura e Urbanismo, em um conjunto de casas Tipo E (para operários menos graduados) (Figura 2).

Figura 3: Casa Fox – CEDARQ – Casa do Engenheiro (Castelinho). Fotos: Fernanda F. D'Agostini/ 2013

A política patrimonial se concentrou em conjugar a preservação a um pretenso desenvolvimento local apoiado na prioridade à perspectiva turística, o que implicou em implementar e conduzir a nova gestão e, portanto, adotar a perspectiva integrada do desenvolvimento e preservação à luz desse objetivo turístico.

Paranapiacaba é exemplo das dinâmicas e manifestações dialéticas da história. A Vila

Ferroviária de Paranapiacaba, juntamente com seu entorno registram o descompasso e a ruptura entre presente e passado. Constitui-se em um símbolo de modernidade que hoje transforma seus espaços na tentativa de sobreviver, como é exemplificado pelas pequenas casas originais dos operários ferroviários que funcionam hoje como restaurantes para atender a demanda turística, caminho escolhido pela atual administração do Município de Santo André para promover o desenvolvimento socioeconômico da Vila.

De 2005 a 2008, em continuidade ao Plano Patrimônio foi desenvolvida a segunda etapa com a criação do Programa de Qualificação dos Serviços Turísticos e a Certificação 5º Patamar, oferecendo aos empreendedores e moradores um conjunto de cursos abordando os temas de educação ambiental, educação patrimonial e educação para o turismo e empreendedorismo.

Com a preocupação de preservar o patrimônio, em dezembro de 2007 a Prefeitura Municipal de Santo André, aprovou a Lei Municipal no. 9.018, instituindo a ZEIPP - Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba que articula diretrizes de preservação do patrimônio cultural ao desenvolvimento urbano, econômico e social.

A ZEIPP setorizou a Vila de Paranapiacaba em quatro núcleos de planejamento: Parte Alta, Parte Baixa, Ferrovia e Rabique e estabeleceu um zoneamento criando áreas de prioridade residencial e áreas em que a atividade comercial e turística seriam prioritárias, com o intuito de diminuir conflitos de vizinhança. Também fixou o estoque habitacional dos imóveis públicos da Parte Baixa em cinquenta por cento. Além disso, foram criados novos parâmetros urbanísticos para ocupação dos lotes, taxa de permeabilidade, níveis de incomodidade por emissão sonora e diretrizes de incentivo para a preservação das edificações.

Esta lei preocupou-se, ainda, em determinar a elaboração e implantação de planos e projetos específicos, tais como: o Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável, Plano de Melhoria do Saneamento Ambiental, Projeto de Energia Elétrica e Iluminação Pública e Programa de Prevenção e Combate a Incêndio.

Em atendimento a ZEIPP, em 2007, o Plano Patrimônio foi revisado com base em suas diretrizes, gerando o Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável - PDTUR, que reavalia os atrativos e segmentos turísticos a serem priorizados na Vila de Paranapiacaba, assim como propôs um plano de infraestrutura turística, articulado às diretrizes urbanas de preservação estabelecidas em lei, um plano de comunicação e um plano operacional (FIGUEIREDO, 2011).

Considerações finais

As políticas de desenvolvimento social e econômico enfocaram ações de qualificação profissional para os moradores da Vila, o desenvolvimento de pequenos empreendimentos e a organização da comunidade em associações, cooperativas ou grupos informais. Enquanto a gestão de patrimônio organizou e regulamentou o uso e ocupação dos imóveis, que foi possível com a aprovação da ZEIPP.

Observa-se que o Plano Patrimônio vem ao encontro das formas de abordagem da cultura e da identidade patrimonial que priorizam a cultura de consumo, tal como

descritos por Featherstone (1995). O turismo é uma estratégia de desenvolvimento local, no entanto, a precariedade de acesso à Vila de Paranapiacaba pautada pelo abandono da ferrovia, a exígua atenção do Plano Patrimônio à infraestrutura que garantiria não somente a exploração de atividades comerciais na Vila, mas a inconsciência relativa à mobilidade para moradores e visitantes, integrando-os a Região Metropolitana de São Paulo e em especial, ao ABC paulista, revela excessiva ênfase na relação entre patrimônio material e imaterial e pouca visão estrutural do Plano. As ações implementadas não foram suficientes para desenvolver a Vila, sequer conferir a seus moradores oportunidades de integração à vida metropolitana. Pautaram-se eminentemente na indústria do consumo, construindo mais um cenário do que um ambiente integrado à cidade contemporânea, hipervalorizando a produção de bens simbólicos, e da imagem, em detrimento de verdadeiras condições de desenvolvimento e transformação efetiva do território. Por outro lado, o acompanhamento das transformações sociais da Vila e a participação de sua comunidade na concepção e gestão do Plano urgem maior efetividade.

A preocupação excessiva com a imagem e consumo fez do Plano Patrimônio uma proposta aquém das necessidades em relação à mobilidade dos moradores e turistas devido a pouca oferta de transporte público, com a apropriação da linha férrea pela MRS Logística e o transporte de passageiros extinto, criou-se uma maior dificuldade de acesso à Vila, um dos principais eixos propulsores do turismo.

Por fim, com o potencial turístico identificado, tornam-se necessárias novas formas de gestão urbana com o objetivo de melhorar a qualidade de vida urbana da população residente. Para tanto o obtenção e manutenção de um desenvolvimento sustentável, baseado na atividade turística e ecoturística somente poderá ser resultado da ação conjunta entre o setor público, o setor privado e a comunidade local (VARGAS, 1998).

A cultura política eminente, no entanto, ao longo dos anos mostrou-se incompatível com esse processo, o Plano Patrimônio sofreu diversas interrupções e mesmo alterações de acordo com os interesses motivadores governamentais do momento, tendo como reflexo direto na população o não enriquecimento desejado proveniente do turismo e o isolamento por falta de investimentos e ações na infraestrutura local. A preservação e manutenção do patrimônio mostraram-se frágeis quando observado o atual estado das casas centenárias de madeira e galpões ferroviários da Vila de Paranapiacaba.

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