Urbanização Luso-brasileira no Século XVIII: uma sinopse baseada na espacialização de informações históricas e configuracionais
Resumo
Esta pesquisa procurou construir uma sinopse do processo de urbanização do atual território brasileiro durante o Século XVIII. São apresentados os resultados de um banco de dados com um inventário de informações históricas e configuracionais dos núcleos urbanos cuja data de fundação é atribuída a esse século. Os dados obtidos foram espacializados em mapas por meio do uso de ferramentas digitais de geoprocessamento. Além da compilação e organização dos dados, foram feitas séries temporais analisando a incidência de certas variáveis, como o uso de traçados geométricos, ao longo do tempo e identificadas polarizações de tipos urbanos em certas partes do território, assim como a vinculação desses tipos a atividades econômicas predominantes em cada assentamento. Os resultados são cotejados com entendimentos correntes na historiografia sobre evolução urbana no Brasil.
Palavras-chave: urbanização brasileira, cidade colonial, forma urbana
Abstract
This research has tried do build a synopsis of the urbanization process implemented throughout the actual Brazilian territory during the XVIIIth century. The output of a database containing an inventory of both historical and configurational informations on the diverse urban settlements arisen in that century. The data obtained were connected with the location of the urban nucleuses using GPS digital tools. Besides gathering and organizing the concerned data, timelines were made to analyze the
incidence of certain variables, such as the adoption of geometrical grids, overtime. The research aimed, as well, to eventually identify the concentration of certain ‘urban types’ in particular parts of the Brazilian territory, and to explore the relation of those ‘types’ with the predominant economic activity of each settlement. The results are discussed having as a background the current understandings presented in the historiography of urban evolution in Brazil.
Keywords: Brazilian urbanization, colonial city, urban form
Apresentação
Esta comunicação apresenta os resultados de um levantamento dos núcleos urbanos implantados – ou consolidados – no atual território brasileiro durante o século XVIII. O levantamento é a parte de uma investigação mais abrangente acerca da configuração urbana dos assentamentos planejados a partir de traçados geométricos regulares. A intenção inicial foi a de construir um quadro sinótico das principais motivações para seu estabelecimento e das características dos atributos físicos desses assentamentos, associados a uma cronologia de sua implantação e desenvolvimento, assim como aos aspectos de localização territorial.
Os resultados serão apresentados por meio de mapas e gráficos e também de textos interpretativos sobre os resultados do levantamento. Na interpretação, os resultados obtidos serão analisados à luz de entendimentos correntes na historiografia sobre evolução urbana no Brasil colonial.
Metodologia
O estudo teve como fonte principal a base de dados sobre cidades brasileiras do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível no banco de dados denominado Cidades@. Nessa plataforma, estão disponíveis uma série de dados geográficos, estatísticos, socioeconômicos, políticos e históricos organizados por estados e seus respectivos municípios. De grande valia foram, particularmente, pequenos textos abordando o histórico das cidades, disponibilizadas juntamente com cada dossiê. Na grande maioria dos casos, não há a identificação dos autores desses textos, constando como fonte tão somente o próprio IBGE. As informações históricas oferecidas são heterogêneas em conteúdo, havendo as mais detalhadas e completas e as mais sucintas e deficientes. Assim, as informações obtidas a partir dessa fonte serão citadas como oriundas do portal Cidades@.
Foi empregada, igualmente, uma base georreferenciada contendo a localização das sedes dos municípios brasileiros, sua codificação e demais informações agregadas em uma planilha eletrônica. A partir dessa base, foram selecionados os municípios com data de fundação entre o ano de 1701 e 1800, cujos dados passaram a compor uma nova planilha específica para o século XVIII. Os dados coletados foram, então, agregados a ela e referenciados, variável por variável, a sua localização em um mapa do território brasileiro por meio de ferramentas computacionais de geoprocessamento.
Quanto aos critérios para o estabelecimento do recorte histórico da pesquisa, partiu-se de um entendimento corrente na literatura de que a urbanização no território brasileiro se intensifica e assume características distintas a partir da descoberta de minérios valiosos no interior da colônia, o que se dá a partir de 1690. Desse período em diante, a política da coroa portuguesa para com sua colônia sul-americana se altera para um contexto em que a fundação de núcleos urbanos é estratégia central para seu sucesso. É particularmente significativo nesse recorte o chamado “período pombalino”, de 1750 a 1777, no qual a atuação política do Marquês de Pombal se faz notar – dentre outros aspectos – por meio da intensiva política de urbanização, sobretudo na bacia amazônica. O recorte temporal se fecha em 1808, quando a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro altera substancialmente o caráter colonial do Brasil. Assim, de maneira a evitar eventuais distorções ou omissões foram considerados no banco de dados, também, os assentamentos fundados na última década do Século XVI e na primeira do Século XIX (considerando a primeira fundação, não necessariamente a data de elevação à condição de vila). Curiosamente, não ocorreram registros de
núcleos inicialmente fundados entre 1775 e 1810.
As variáveis, ou temas, que compuseram o banco de dados foram os seguintes:
[Ano do 1º assentamento]{.ul} – refere-se à data em que a povoação obteve a primeira instância de oficialidade, seja em nível civil ou eclesiástico, ainda que em categoria hierarquicamente inferior à de vila;
[Nome do 1º assentamento]{.ul} – refere-se à toponímia original do assentamento, ou àquela sob a qual a localidade alcançou a primeira instância de reconhecimento oficial;
[Categoria do 1º assentamento]{.ul} – designa o status alcançado na primeira instância de reconhecimento oficial. Foram categorizados em: lugar, aldeamento (indígena), povoado, arraial, freguesia e vila;
[UF atual]{.ul} – refere-se à unidade da federação onde se encontra o município segundo a divisão territorial brasileira atual. Inicialmente, tentou-se consignar a província ou capitania da fundação original, porém, tal dado mostrou-se ser de difícil e controversa determinação, de maneira que foi abandonado no decorrer da pesquisa;
[Ano da 1ª elevação]{.ul} – registra a data em que o núcleo urbano alcançou um status superior ao inicial;
[Categoria da 1ª elevação]{.ul} – designa o status alcançado após a primeira elevação. Neste caso, as categorias resumem-se a vila ou cidade;
[Nome da 1ª elevação]{.ul} – refere-se à toponímia adotada quando da primeira elevação de categoria;
[Ano da 2ª elevação]{.ul} – registra a data em que o núcleo urbano alcançou sua segunda elevação de categoria;
[Categoria da 2ª elevação]{.ul} – designa o status alcançado após a segunda elevação. Neste caso, resume-se à categoria de cidade;
[Ex-novo]{.ul} – registra se o assentamento ao qual se refere a “data de fundação” constante na base do IBGE foi implantado em local anteriormente desprovido de ocupação urbana. Em alguns casos, foram computados nessa categoria núcleos que mesmo originários de povoações pregressas foram intencionalmente construídos em local distinto, ainda que próximo do núcleo fundacional;
[Existe planta?]{.ul} – nesse campo foi consignada a existência ou não de plantas, mapas, croquis ou outros registros gráficos coevos da espacialização da configuração urbana do assentamento. Como não poderia deixar de ser, a principal fonte dessa informação é o exaustivo levantamento trazido à luz pelo professor Nestor Goulart dos Reis Filho, Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial (REIS FILHO, 2000);
[Nome atual]{.ul} – refere-se à toponímia atualmente válida para o município;
[Tipo de traçado]{.ul} – essa variável designa o tipo de traçado urbano adotado no núcleo fundacional do assentamento. A informação foi obtida por meio de observação de fotos aéreas do núcleo urbano utilizando-se a ferramenta Google Earth. Trata-se de uma análise preliminar e subjetiva que, naturalmente, poderá sofrer ajustes com base na obtenção de mapas e informações mais acurados. Foram definidos alguns “tipos”
de traçado que foram estabelecidos com base nos modelos propostos em obras basilares da historiografia sobre a evolução urbana no Brasil (HOLANDA, 1936; SMITH, 1954; REIS FILHO, 1968; SANTOS, 1968; DELSON, 1979; MARX, 1991;
TEIXEIRA, 2012) e que serviram para categorizar as cidades setecentistas. São estes:
[Linear]{.ul} – designa as cidades cujo traçado foi se estabelecendo linearmente ao longo dos caminhos e estradas. Não necessariamente se refere a um único vetor de crescimento, podendo ser conformado por várias ruas interligadas. Porém, neste caso, as “ilhas” formadas pelas ruas não configuram quarteirões com lotes confrontantes fundo a fundo. Um caso modelar para esta categoria na amostragem é a cidade de Minas Novas-MG (Fig. 1).
Figura 1 – Minas Novas – MG - Traçado linear, com ruas se configurando paralelamente aos principais caminhos. Fonte: desenho do autor sobre foto aérea Google Earth 2013.
Figura 2 – Itacaré – BA - Traçado irregular, edifícios significativos implantados nos pontos altos, ruas sinuosas adaptadas à topografia e aos acidentes geográficos. Fonte: desenho do autor sobre foto aérea Google Earth 2013.
[Irregular]{.ul} – corresponde ao modelo mais frequentemente associado à urbanização de origem portuguesa, caracterizado pela implantação dos edifícios mais significativos nos pontos mais altos do relevo e sistema de ruas sinuosas,
adaptadas ao relevo e aos acidentes geográficos, em uma configuração muitas vezes referida, também, como “orgânica”. A cidade de Itacaré-BA (Fig. 2) apresenta um bom exemplo desse tipo.
[Híbrido]{.ul} – refere-se aos casos onde há um ordenamento geométrico de referência, podendo ser linear ou em malha ortogonal, associado a um traçado mais adaptado ao relevo e demais características do sítio. Em geral, o trecho de maior regularidade corresponde à paróquia de fundação, seu adro e áreas adjacentes, correspondendo, grosso modo, às instruções contidas nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia e sua influência na configuração das cidades coloniais brasileiras, conforme a análise de Murillo Marx (MARX, 1991). O centro histórico de São Luís do Paraitinga-SP (Fig. 3) pode ser apontado como um bom exemplo desse modelo. A partir da Praça da Matriz, absolutamente regular, a malha urbana se adapta à sinuosidade das margens do rio, em um padrão de lotes estreitos e profundos característico da urbanização de origem portuguesa.
Figura 3 – São Luís do Paraitinga – SP - Traçado híbrido, maior regularidade em torno da Igreja Matriz e seu adro. A malha conceitual se adapta à sinuosidade das margens do rio em um padrão de lotes estreitos e profundos, típicos da urbanização de origem portuguesa. Fonte: desenho do autor sobre foto aérea Google Earth 2013.
Figura 4 – Itapetininga – SP - Traçado geométrico/ortogonal. Malha de ruas se cruzando em ângulo reto, conformando quarteirões quadrados ou retangulares. Fonte: desenho do autor sobre foto aérea Google Earth 2013.
[Geométrico/ortogonal]{.ul} – refere-se às cidades implantadas segundo uma malha de ruas ortogonais conformando quarteirões quadrados ou retangulares. Em tais casos é pressuposto um maior controle sobre a forma urbana e uma sujeição dos
elementos naturais do terreno a uma ordem geométrica pré-estabelecida. As cidades com características de traçado regular que passam a ser mais correntes ao longo do Século XVIII e, principalmente, durante o chamado período ‘pombalino’ (1750-1777) são modelares desse tipo urbano, conforme demonstrado por Roberta Marx Delson (DELSON, 1979). O núcleo urbano de Itapetininga-SP demonstra bem esse tipo, conforme Figuras 4 e 5.
Figura 5 – vista aérea de Itapetininga - SP. Autor: Fábio de Barros. Fonte: Google Earth/Panoramio. Data desconhecida.
[Observações sobre o traçado]{.ul} – foram registrados aspectos singulares ou marcantes de cada cidade analisada, muitas vezes estabelecendo relações de similaridade entre elas, ou certas estratégias de localização em relação aos condicionantes naturais do território.
[Objetivos estratégicos]{.ul} – a partir das informações contidas no histórico de cada cidade, buscou-se identificar a motivação principal ou objetivo estratégico que o estabelecimento de determinada povoação procurou atender. A partir das incidências mais comuns, foi definido um conjunto de alternativas: porto, mineração, comércio, defesa, agropecuária e outros. Na categoria ‘outros’, as incidências mais frequentes são de aldeamentos indígenas e pousos para tropas e/ou bandeiras.
Apresentação e análise dos dados
Nesta seção, os dados serão apresentados e discutidos a partir dos mapas produzidos com a espacialização das diversas variáveis constantes do banco de dados.
[Ano do primeiro assentamento]{.ul}
Os núcleos urbanos foram organizados, conforme a data de instalação do primeiro
assentamento, em quatro grupos. O primeiro referente ao primeiro século de colonização (1532 a 1600), o segundo refere-se ao segundo século de colonização (1601 a 1700). Os terceiro e quarto grupos abrangem o Século XVIII (1701 a 1750, e 1751 a 1775). Essa divisão foi estabelecida para abordar separadamente o período ‘pombalino’, reputadamente profícuo no processo de urbanização do território brasileiro.
A primeira observação a ser registrada é quanto à necessidade de questionamento do critério para estabelecimento de data de instalação do assentamento utilizada pelo IBGE. Naturalmente, aquele instituto deve se basear na data de elevação oficial à condição de vila. Contudo, esse entendimento parece apresentar distorções da realidade factual. Dois exemplos ilustram isso: o caso de São Vicente-SP, que consta como instalado em 1700, ao passo em que é reconhecido na bibliografia específica como o primeiro núcleo urbano instalado no Brasil (1532); e Recife-PE, notadamente uma das cidades mais importantes das Américas na primeira metade do Século XVII e onde há registro de uma ocupação urbana continuada desde 1561, mas à qual é atribuído o ano de instalação de 1709.
Dentre as 85 cidades integrantes da amostragem, menos da metade (39) tiveram sua instalação inicial no próprio Século XVIII. Ainda assim, é o século com maior incidência no período pesquisado.
A Figura 6 demonstra, no Século XVI, uma predominância total de assentamentos na faixa litorânea leste que vai da Capitania de Itamaracá à de São Vicente. Todos os dez assentamentos instalados nesse período se situam no trecho.
Figura 6 – Núcleos urbanos por ano do primeiro assentamento. Fonte: autor/2013
Figura 7 – Núcleos urbanos por categoria do primeiro assentamento. Fonte: autor/2013
O Século XVII testemunha o avanço territorial pelos sertões do nordeste, sobretudo impulsionado pela expansão dos currais de gado a partir da Bahia e de Pernambuco. Marca, ainda, a consolidação da conquista da costa norte do país, a penetração na bacia amazônica e uma ainda tímida expansão rumo à atual região sul.
Na primeira metade do Século XVIII, fica evidente a importância do advento da economia mineradora. A localização dos núcleos urbanos desse período ilustra o percurso dos aventureiros em busca de minas de pedras e metais preciosos na região das minas gerais, avançando para oeste na direção dos atuais estados de Mato Grosso (Cuiabá, 1719) e Goiás (Goiás, 1727). Essa atividade também é determinante para a fundação de povoações na região mineradora da Bahia (Rio de Contas, 1718; Senhor do Bonfim, 1750).
Por sua vez, na segunda metade do Século XVIII, não se observa uma ênfase na fundação de núcleos urbanos em uma região específica. Por outro lado, percebe-se certa concentração de casos de instalação de aldeamentos indígenas (sete dentre dezenove). O que é coerente com o contexto da expulsão das missões jesuíticas do Brasil por Pombal (1759); quando a coroa portuguesa passa a interferir diretamente na vida das populações nativas, por meio de uma politica de aculturação para a qual a conversão dos aldeamentos em vilas nos moldes portugueses era essencial. Mais adiante, será abordada a relação dos núcleos urbanos desse período com o tipo de traçado.
[Categoria do primeiro assentamento]{.ul}
A distribuição dos núcleos urbanos segundo a categoria do primeiro assentamento não apresenta nenhuma polarização notável, conforme Figura 7. Considerando que foram registradas tanto denominações civis quanto eclesiásticas, não é possível estabelecer uma relação de hierarquia entre as diversas categorias.
Digna de nota é a concentração dos assentamentos que se iniciaram a partir de aldeamentos indígenas quase que exclusivamente na região litorânea e na bacia amazônica, salvo alguns exemplos no sertão nordestino. Também se observa que as cidades que integram o eixo de expansão da economia mineradora se originaram de arraiais.
São raros os casos de assentamentos que já nasceram com o status de “vila”. De 85, somente seis foram fundadas nessa condição: Fortaleza-CE; Pitangui-MG; Bragança- PA; Alcobaça-BA; Guimarães-MA e Lages-SC.
[Ano da primeira elevação]{.ul}
Os dados tabulados para esse quesito foram computados em quatro intervalos cronológicos, conforme Figura 8. A partir de sua observação, é possível notar que grande parte dos núcleos mineradores, então de recente formação, já alcança sua elevação ao status de vila nas primeiras décadas do Século XVIII (1700 a 1738), enfatizando mais ainda a importância que a atividade mineradora rapidamente adquiriu.
O período seguinte (1742 a 1776), no entanto, é o mais profícuo em termos de elevação de categoria (38 de 85). Correspondendo, grosso modo, ao chamado período pombalino. Esse dado é coerente com o papel que a urbanização das populações nativas e a forte marcação da autoridade real nos espaços urbanos mais isolados
representavam para a política portuguesa do período. [Categoria da primeira elevação]{.ul}
Conforme se observa na Fig. 9, a grande maioria dos assentamentos componentes do banco de dados possuía, ou alcançou, ao longo do Século XVIII a condição de Vila. As poucas exceções são de núcleos já erigidos com a condição de Vila e que foram alçados à condição de cidade.
Figura 8 – Núcleos urbanos por ano da primeira elevação. Fonte: autor/2013
[Ano da segunda elevação]{.ul}
Figura 9 – Núcleos urbanos por categoria da primeira elevação. Fonte: autor/2013
Esse conjunto de núcleos urbanos alcançará a representação política plena ao longo do Século XIX, sendo alçadas ao status de cidade. Percebe-se que a independência brasileira da coroa portuguesa intensifica esse processo, pois das 85 integrantes, 57 são elevadas no período imperial (1922-1889).
[Fundação ex-novo]{.ul}
As informações obtidas na base de dados históricos do IBGE sobre os municípios permitiram inferir que quinze dentre os 85 teriam sido implantados voluntariamente em local anteriormente desprovido de ocupação urbana. Seja em região anteriormente inexplorada, seja próximo a povoado pré-existente, porém em localização marcadamente distinta da anterior (Fig. 10).
Ao se analisar esse grupo de assentamentos fundados ex-novo em conjunto com os dados relativos ao tipo de traçado, percebe-se que sua grande maioria apresenta configuração geométrica-ortogonal (10) ou híbrida (3). Somente dois deles apresentam configuração irregular: Sousa-PB e Tefé-AM.
Por outro lado, não se constata nos dados obtidos uma ênfase tão expressiva na fundação de novos assentamentos ex-novo no período Pombalino. Dentre as quinze incidências, nove foram instaladas nesse período.
[Existência de ‘plantas históricas’]{.ul}
Este item servirá principalmente para o desenvolvimento de novas etapas da pesquisa, quando se pretende analisar comparativamente a configuração atual dos núcleos urbanos setecentistas com aquela contida nos diversos desenhos e plantas que definem seu traçado, localização dos principais edifícios, etc..
A Figura 11 representa os núcleos para os quais foram encontrados registros gráficos históricos sobre sua concepção. Uma parcela relativamente pequena (20%) conta com plantas históricas, sendo 17 dentre os 85. Tais núcleos não apresentam uma polarização geográfica notável, sendo distribuídos em quase todo o território.
Figura 10 – Núcleos urbanos fundados ex-novo. Fonte: autor/2013
[Tipo de traçado]{.ul}
Figura 11 – Núcleos urbanos que possuem ‘plantas históricas’ conhecidas. Fonte: autor/2013
Na Figura 12, os tipos de traçado foram espacializados por meio de cores. Dois tons de verde designam os traçados com características geometrizantes, o mais escuro para os traçados geométricos rigorosamente ortogonais; e o mais claro para os casos em que a grelha apresenta variações, sobretudo resultado de adaptações às particularidades do sítio, aos quais se chamou “híbrido”. Os traçados não regulares, do ponto de vista geométrico, foram graficados na cor laranja – para os de configuração mais linear – e vermelho, para os de malha irregular.
A maior incidência é de núcleos com traçado irregular (38), correspondendo a 44,7% da amostra, seguidos pelos de traçado geométrico-ortogonal e hibrido com 19 de cada caso, correspondendo a 22,35% do total.
Na análise do mapa à luz da historiografia da evolução urbana no Brasil, pareceu ser relevante avaliar a correlação do tipo de traçado com duas outras variáveis do banco de dados: ano da primeira instalação e objetivos estratégicos. No caso da cronologia de instalação, tal análise será útil para corroborar ou não a percepção de que ao longo do Século XVIII a Coroa Portuguesa passou a privilegiar a adoção de modelos urbanísticos de geometria mais regular e a tomar mais medidas visando ao cumprimento mais rigoroso dessa prefiguração no processo de ereção do assentamento. A correlação do tipo de traçado com os objetivos estratégicos será interessante para aferir mais especificamente a existência de predominância de um tipo para as cidades mineradoras. Posto que, frequentemente, tais cidades são associadas a uma formação paulatina ao longo dos caminhos que levavam às bocas de mina, resultando em figuras de geometria irregular ou linear.
Os dados relativos à primeira correlação estão graficados junto com a Figura 12. Mantivemos os mesmos intervalos cronológicos estabelecidos na Figura 6. Dele se depreende que, de fato, há um aumento no número de núcleos urbanos que apresentam alguma regularidade geométrica (traçado geométrico/ortogonal ou híbrido) já a partir do Século XVII. Neste século, os traçados desse tipo equivalem
(10) ao somatório dos núcleos com traçados irregulares e lineares.
Na primeira metade do Século XVIII, ainda que o número de casos desses traçados pouco se altere (11), sua participação proporcional é reduzida em função do maior número de fundações com traçados irregulares (18) e lineares (4). Nesse período, é marcante o surgimento de núcleos mineradores. Sua vinculação a traçados predominantemente irregulares será discutida na próxima seção.
Para a segunda metade do Século XVIII – correspondendo, grosso modo, ao período pombalino – os dados, de fato, corroboram as análises de que o planejamento urbano de núcleos que apresentavam os atributos de regularidade e ordem eram fatores relevantes para o êxito da política de colonização e exploração do território brasileiro (DELSON, 1979). A amostragem aponta que 72,72% dos núcleos urbanos instalados nesse período possuem um traçado geométrico/ortogonal ou híbrido.
[Objetivos estratégicos]{.ul}
Os dados relativos aos objetivos estratégicos que determinaram a fundação do assentamento estão espacializados e sintetizados em gráficos na Figura 13. Os núcleos urbanos apoiados em uma economia de base agropecuária respondem pela maior parte dos casos (36%). A distribuição espacial desses casos não aponta para uma polarização territorial. Destaca-se apenas a ausência de fundações desse tipo na região das minas gerais.
Os núcleos voltados à mineração são a segunda maior incidência (20%) e sua localização se restringe às zonas mineradoras de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Goiás.
É digna de nota, ainda, a existência de cidades portuárias mesmo em regiões do interior (Barra-BA, 1680; Jacobina-BA, 1697), demonstrando a importância do modo de transporte aquaviário para as estratégias portuguesas de domínio de um território tão vasto.
Ao se analisar a correlação entre os objetivos estratégicos e os tipos de traçado,
conforme demonstra gráfico anexado à Figura 13, percebe-se uma vinculação marcante das cidades mineradoras com os tipos de traçado mais irregulares (lineares e irregulares), pois 82% dos casos se enquadram nessa categoria. Assim, é possível ratificar o entendimento corrente de que as cidades mineradoras, no mais das vezes, apresentam configurações que não se atrelam a traçados com geometria regular. Ainda, que tais cidades se distanciem de um crescimento ‘aleatório’ ou ‘orgânico’, posto que sua configuração derivasse de uma sensível e ponderada composição que incorpora os elementos do sítio natural (BASTOS, 2011).
Figura 12 – Núcleos urbanos por tipo de traçado. Fonte: autor/2013
Figura 13 – Núcleos urbanos por objetivo estratégico e correlações com traçado. Fonte: autor/2013
Considerações finais
A realização desta pesquisa demonstrou a necessidade de aperfeiçoamento nas bases de dados existentes sobre as cidades brasileiras. Ainda que seja uma poderosa ferramenta de pesquisa, a plataforma Cidades@ do IBGE poderia se beneficiar de uma maior integração com as pesquisas desenvolvidas no meio acadêmico. Estas, por sua vez, necessitam de instâncias encarregadas de produzir sínteses transversais agrupando os resultados dos estudos de caso produzidos isoladamente, de forma a possibilitar um entendimento mais compreensivo das características do processo de urbanização a cada século.
Os resultados obtidos demonstraram e corroboraram certos entendimentos já consolidados na historiografia sobre evolução urbana no Brasil.
No caso particular das cidades com traçado geométrico regular, a pesquisa sugere que sua importância já começa a se demonstrar no Século XVII, com núcleos urbanos em número tal que equivalem àqueles de traçado não geométrico.
Porém, para muito além da abordagem que polariza a problemática da forma da cidade colonial luso-brasileira entre traçado regular x traçado irregular, os dados
parecem sugerir a existência de um tipo específico de traçado construído a partir da emergência de núcleos urbanos mineradores e que têm atributos e lógicas próprias de apropriação do espaço que não se resumem àqueles associados às características da cidade medieval portuguesa. Não se trata aqui da superação de um modelo urbano por outro que lhe seria qualitativamente superior. As informações demonstram que diversos modelos persistiam sendo aplicados concomitantemente, sugerindo que para a definição da forma urbana dos assentamentos coloniais concorriam fatores que não se resumem aos interesses da Coroa Portuguesa, mas que eram, em diferentes medidas, condicionados por aspectos econômicos, sociais e ambientais específicos do território onde se instalavam.
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