A institucionalização do turismo em Florianópolis (SC) e sua inserção no planejamento urbano: décadas de 1960 a 1980
Resumo
Visando entender o turismo como prática e construção social, partimos da perspectiva de que essa atividade possuiu diversos sentidos e desempenhou distintos papeis para a sociedade, nas diferentes épocas. Com isso, pretendemos questionar a naturalização do turismo como apenas uma atividade econômica que se instalou e impactou a sociedade local que, no presente estudo, diz respeito a cidade de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina. Para tanto, delimitamos as décadas de 1960, 1970 e 1980, com base na criação ou mudanças nas legislações ou instituições de planejamento urbano e de fomento ao turismo. Assim, iremos do final da década de 1960, quando o turismo começa a ser encarado como parte do desenvolvimento econômico tanto da cidade quanto do estado, visto daí datarem as primeiras instituições de fomento e as primeiras leis direcionadas à atividade turística em Santa Catarina, até meados da década de 1980, quando da publicação do Plano Diretor dos Balneários, que declara os balneários da Ilha como área especial de interesse turístico, bem como com o direcionamento da urbanização para o norte da Ilha, explicitamente com fins turísticos. Para tanto, realizamos revisão bibliográfica e análise dos planos diretores e turísticos desse período. Dessa forma, nosso intuito é integrar o turismo na história da construção do espaço urbano de Florianópolis e não abordá-lo exclusivamente como uma atividade econômica que estaria a parte da dinâmica urbana dessas décadas.
Palavras-chave: Planejamento urbano, Planos diretores, Turismo, Florianópolis
Abstract
In order to understand tourism as practical and social construction, we start from the perspective that this activity has owned several senses and played distinct roles for society at different times. We intend to question the naturalization of tourism as an economic activity that just settled and impacted the local society, which, in the present study, concerns the city of Florianópolis, the state capital of Santa Catarina. To do so, we delimit the 1960, 1970 and 1980, based on the creation or changes in laws or planning and funding institutions to tourism. So we start from the end of the 1960s, when tourism began to be seen as part of the economic development of both the city and the state, until the 1980s, when the publication of the “Plano Diretor dos Balneários” declaring the coast of the island as a special area of tourist interest, as well as the targeting of urbanization to the north of the island, explicitly for tourism purposes. Thus, we did literature review and analysis of the master plans and tourism plans that period. Thus, our goal is to integrate tourism in the history of the construction of the urban area of Florianópolis and not approach it purely as an economic activity that would be out of the urban dynamics of these decades.
Keywords: Urban planning, Master Plans, Tourism, Florianópolis
Introdução
Partindo da compreensão de que turismo é prática e construção social, iniciamos este texto questionando sua naturalização, seguido de uma breve discussão teórica para fundamentar esta perspectiva e, por fim, buscamos mostrar como o
turismo foi sendo introduzido tanto no espaço urbano quanto no imaginário da cidade de Florianópolis, ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980.
Nesse sentido, consideramos que uma das formas comuns de naturalização do turismo é a ideia de vocação. Na academia, já é lugar comum falar que a “vocação” de um lugar é construída historicamente e que não pode ser tomada como algo natural (KNAFOU, 1991). No entanto, em outros campos discursivos, a exemplo da mídia turística, vemos que esse substantivo ainda persiste e serve para naturalizar e orientar a relação da cidade com a atividade turística. Para Guimarães (2012, p.16),
A canonização dos lugares como turísticos, o discurso da vocação turística e o olhar sobre a paisagem, mediado pela ‘indústria’ do turismo e pelo poder público, são construções historicamente marcadas [...] e são também mutáveis, não podendo absolutamente ser naturalizadas.
Nossa abordagem, portanto, visa conectar o fenômeno turístico às suas relações espaciais e históricas, considerando-o parte dessas relações, com o intuito de integrar o turismo na história da construção do espaço urbano de Florianópolis e não abordá-lo exclusivamente como uma atividade econômica que estaria à parte da dinâmica urbana dessas décadas.
Com base na criação ou mudanças nas legislações ou instituições de planejamento urbano e de fomento ao turismo, delimitamos o período deste estudo. Assim, iremos do final da década de 1960, quando o turismo começa a ser encarado como parte do desenvolvimento econômico tanto da cidade quanto do estado – visto daí datarem as primeiras instituições de fomento e as primeiras leis direcionadas à atividade turística em Santa Catarina –, até meados da década de 1980, quando da publicação do Plano Diretor dos Balneários, que declara os balneários da Ilha como área especial de interesse turístico, bem como do direcionamento da urbanização para o norte da ilha, explicitamente com fins turísticos.
O turismo como prática e construção social
Em sua tese sobre a história do turismo no Brasil, Valéria Guimarães expõe sua crítica, baseada em Foucault, a respeito da concepção tradicional de História. Segundo a autora, é a partir dessa concepção que se ensina e se reproduz a história do turismo no Brasil, que, por meio de uma cronologia linear, sugere que já havia práticas turísticas na pré-história e “[...] num continuum harmonioso, sem conflitos nem rupturas, [...] evoluiria para as formas de turismo que conhecemos hoje”. De forma crítica, argumenta que, nessa perspectiva tradicional, “[...] pensar a história do turismo significa, necessariamente, traçar uma linha evolutiva das viagens realizadas ao longo dos tempo imemoriais, procurando-se as origens, causas e efeitos” (GUIMARÃES, 2012, p. 8). Contrapondo-se à essa visão, Guimarães (2012, p. 12) explicita que, por meio de uma genealogia, poderíamos “[...] perceber que o conceito de turismo moderno é dotado de historicidade, variando conforme os diferentes fatores que compõem a cultura política de seu contexto”.
Nessa mesma perspectiva escreve Bertoncello (2002), ao questionar a clássica definição da Organização Mundial de Turismo (OMT), para a qual turismo seriam “[...] atividades que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras” (OMT apud MTUR, s/d 1 ). Segundo o autor, essa
1 Disponível em: [www.turismo.gov.br]{.ul}. Acesso em: 03.09.2013.
definição, apesar de clara, limita a possibilidade de avanço conceitual, visto que dá margem a uma compreensão histórica linear, na qual
[...] se reconocen antecedentes del evento ya en los griegos y romanos, pasando por las cruzadas o las peregrinaciones religiosas, hasta la actualidad […]. A modo de ejemplo, cabe preguntarse si las peregrinaciones religiosas y el turismo masivo actual tienen algo en común que vaya más allá de implicar un viaje temporario sin fines laborales, y muy probablemente la respuesta sea negativa. Superar esta situación exige reconocer que es en la articulación del turismo con el contexto social más amplio donde se podrá avanzar en su comprensión (BERTONCELLO, 2002, p. 32).
Para Guimarães (2012), assim como para Rodrigues (2006), o fenômeno turístico só pode ser entendido como próprio da modernidade, o que
[...] pressupõe uma ruptura com a perspectiva de uma história linear do turismo que remonta à Antiguidade Clássica ou mesmo à Pré-história, identificando regularidades nos processos ‘turísticos’ em sociedades distintas no tempo e no espaço, que concebiam o turismo (se é que é possível falar em turismo antes da era moderna) de formas diametralmente diferentes (GUIMARÃES, 2012, p. 16).
Seguindo com as considerações dessa historiadora, ela afirma que ainda são recentes as novas abordagens dos estudos turísticos que o tratam como “[...] uma construção social e, portanto, como um fenômeno científico dotado de historicidade” (GUIMARÃES, 2012, p. 9).
E é com esse mesmo posicionamento crítico frente às pesquisas existentes que se coloca Bertoncello (2002, p. 31), crítica esta que consideramos como um dos pontos de partida para nossa abordagem sobre o tema:
[...] la comprensión del fenómeno turístico y sus relaciones con el territorio exige comprender las características sociales generales en las cuales ellos están inmersos. La falta de esta articulación ha llevado a que muchos de los trabajos sobre el turismo hayan tenido un corte fuertemente voluntarista, analizando al turismo más desde lo que se espera de él o lo que se quiere que sea. En muchos casos, inclusive, el turismo se ha visto desde un lugar de excepcionalidad, lo cual ha impedido su articulación con las dinámicas sociales más amplias en las cuales cobra sentido y puede ser analizado.
Ainda segundo Bertoncello (2006, p. 333), as perspectivas tradicionais dos estudos de turismo tratam-no como um fenômeno excepcional, como dito anteriormente, descontextualizando-o da ordem social, como se o turismo em nada contribuísse para compreendê-la, tratando o território turístico “[...] como el mero lugar donde esto sucede”, bem como com foco na descrição dos fluxos turísticos entre origem e destino.
No entanto, e partindo de uma perspectiva não tradicional, buscamos analisar o fenômeno turístico considerando-o tanto como parte de processos sociais mais
amplos “[...] en los cuales cobran sentido” quanto a partir de “procesos específicos que conducen a la valorización turística de determinados lugares merced a la transformación de sus rasgos específicos en atractivos turísticos, llevada a cabo por actores sociales concretos e intencionados que intervienen en estos procesos” (BERTONCELLO, 2006, p. 318).
Assim, esta pesquisa direciona-se por esse viés – que considera o turismo como prática e construção social, como um fenômeno dotado de historicidade – juntamente com a perspectiva de Rodrigues (1997, p. 61), para quem o entendimento do turismo passa pela compreensão do território, insistindo na complexidade desse fenômeno que é “[...] expressa pelas relações sociais e pela materialização territorial que engendra no processo de produção do espaço”.
A institucionalização do turismo e sua inserção no planejamento urbano
Com base na criação ou mudanças nas legislações ou instituições de planejamento urbano e de fomento ao turismo, consideramos que é no final da década de 1960 que o turismo começa a ser encarado como parte do desenvolvimento econômico tanto de Florianópolis quanto de Santa Catarina. Fato que acompanha os rumos do turismo em escala global, que, como coloca Rodrigues (2002, p. 12), a partir da década de 1960, “retoma seu ritmo de crescimento com grande vigor, atingindo proporções inimaginadas, tornando-se, nas décadas seguintes, um fenômeno massivo em escala global”.
Vemos que esse é um momento em que os significados do turismo mudam, pois, com a institucionalização dessa atividade nas várias escalas políticas, não são criados somente planos, mas linhas de crédito. No entanto, apesar da Divisão de Turismo, que foi o primeiro organismo oficial de turismo na administração pública federal, datar de 1939, essa prática só veio a merecer uma política nacional na década de 1960 (CRUZ, 2001). 2
Como coloca Barretto et al. (2003), é também nessa época que, no âmbito da atividade turística, são criados órgãos de financiamento em nível federal e de políticas públicas, como o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), a Política Nacional de Turismo, o Fundo de Investimento Setorial (Fiset-Turismo), o Fundo Geral de Turismo (Fungetur), todos em 1966, quando, em Santa Catarina, é lançada a linha de crédito Besc-Turismo (BARRETTO et al., 2003); e ao mesmo tempo em que se inicia um intercâmbio turístico com a Argentina, por meio de agentes de viagens do Rio da Prata (SUGAI, 1994).
A institucionalização do turismo também ocorre em Santa Catarina. Em julho de 1965, é assinada a Lei Nº 3684, pelo governador Celso Ramos, que institui o serviço Estadual de Turismo, sob tutela do Conselho Estadual de Turismo e ainda subordinado à Secretaria de Viação e Obras Públicas. Os efeitos possíveis dessa lei e desse órgão, no entanto, são desconhecidos, visto que sua atuação, se houve, foi imperceptível.
Já em 1968, é assinada a Lei Nº 4.240, que define a Política Estadual de Turismo, cria o Departamento Autônomo de Turismo do Estado de Santa Catarina (DEATUR) e institui o Conselho Estadual de Turismo, revogando também a lei
2 Uma política pública de turismo é, segundo Cruz (2001, p. 40), “[...] um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território”.
anterior, de 1965. Em paralelo ao Deatur, e para fomento dessa atividade, é criado o Besc Empreendimentos e Turismo S/A – parte da estrutura de apoio ao turismo do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) –, também mantido pelo governo do estado. Em 1975, com a extinção do Besc Turismo, foi criada a Empresa de Turismo e Empreendimentos de Santa Catarina (Turesc), no entanto, já na forma de economia mista. Da fusão da Turesc com a Citur/Rodofeira, uma empresa privada sediada em Balneário Camboriú, funda-se a Companhia de Turismo e Empreendimentos de Santa Catarina (Citur), que, a partir de 1987, passa a denominar-se Santa Catarina Turismo S/A (Santur) 3.
Concomitantemente, inicia-se a elaboração do segundo plano diretor de Florianópolis, que preconizava o sistema viário e o zoneamento da cidade, tal qual ocorreu em tantas outras cidades brasileiras (PEREIRA, 1992; SUGAI, 1994), pois como esclarece Souza (1999, p.118), a concepção daquele momento histórico embasava-se em uma “[...] visão setorialista do urbano, ou seja, as prioridades eram estabelecidas com base nos setores (transporte urbano, saneamento, drenagem etc.), e não nos lugares numa perspectiva de promoção do desenvolvimento da totalidade do território urbano brasileiro”. Em 1970, é encaminhado à Câmara Municipal de Florianópolis o Plano de Desenvolvimento Integrado da Área Metropolitana de Florianópolis, elaborado pelo Escritório Catarinense de Planejamento Integrado (ESPLAN), que só será aprovado em 1976, após sofrer significativas alterações4.
Como explica Deák (1999), entre as décadas de 1960 e 70, os planos urbanísticos e a atividade de planejamento no Brasil viveram uma época de ouro. Momento em que foram elaborados os Planos de Desenvolvimento Integrado (PDI), para praticamente todas as cidades brasileiras.
E é nesse intuito que, em 1971, a BR-101, trecho Santa Catarina, será concluída, ação “fundamental para o incremento e solidificação do turismo que vinha se desenvolvendo em Florianópolis desde a década de 60” (SUGAI, 1994, p. 113). Sendo assim, é dessa época que datam as “primeiras infraestruturas urbano-turísticas” na Ilha, o que gera um aumento no fluxo de “turismo de massa” e também evidencia a influência dessa atividade sobre processos decisivos de urbanização do município (MACHADO, 2000). Em grande parte, essas infraestruturas foram construídas com incentivo do BESC e da Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL)5, por meio do Plano Regional de Turismo, de 1972.
De 1974 data a pavimentação de algumas rodovias estaduais nos balneários ao norte da Ilha, que também são marcos nesse processo, bem como o início dos estudos da Via de Contorno Norte-Ilha (a Beira-mar Norte), que ligaria a região central e
3 (Disponível em: <[http://www.santur.sc.gov.br/institucional/a-santur/a-empresa.html]{.ul}>. Acesso em: 04/12/2012).
4 “Quando a equipe de técnicos da prefeitura de Florianópolis começa a elaborar o plano urbanístico para a cidade, o contexto sócio-econômico e político da cidade, do estado e do país é bem particular. Ele é caracterizado sobretudo pela ditadura militar, que se instalou no país em 1964, e pela ideologia desenvolvimentista e de modernização assumido pelo corpo tecnocrata do governo. No âmbito municipal, Florianópolis conhecia uma grave crise de planejamento de seu espaço, caracterizada por uma defasagem entre seu desenvolvimento urbano e os elementos para seu controle” (PEREIRA, 2000, p.6).
5 A SUDESUL foi instituída a partir do Decreto-Lei Nº 301, de 1967, e extinta pela Medida Provisória
n. 151, de 1990, atuando na coordenação de planos de desenvolvimento nos três estados da Região Sul do Brasil.
continental da cidade aos balneários do norte e leste da Ilha, zonas que já representavam grande interesse turístico na cidade.
Nesse momento, ocorre a criação do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), em maio de 1977, que, desde então, fica responsável pelo planejamento urbano da cidade e pela elaboração de seus planos diretores. Ainda no ano de sua fundação, o IPUF executa um plano para alterar o de 1976, por meio da Lei Nº 1.516/77 – Plano de Estruturação do Espaço do Aglomerado Urbano de Florianópolis –, mudando o zoneamento e classificando os balneários do norte da Ilha como “Zona de Urbanização Prioritária” (ZUP), fato que justificaria a imediata execução da citada Via de Contorno Norte-Ilha, ao invés de outras obras de infraestrutura mais importantes para a cidade naquela época (SUGAI, 1994).
Ou seja, não é somente a criação de um novo órgão, mas o direcionamento de seus discursos e ações, no que diz respeito aos rumos das alterações da dinâmica espacial da cidade, que demarcam esse momento. A partir das alterações dos planos, dá-se início a grandes obras de infraestrutura urbana, voltadas à ocupação dos balneários do norte da Ilha. Consideramos que há uma mudança no que diz respeito à condução do planejamento urbano e turístico na cidade, com a criação do IPUF. Segundo Ivo Sostizzo6, esse órgão foi criado, entre outros motivos relativos a ditames federais, devido aos interesses do capital turístico e imobiliário que pretendia investir na cidade sem grandes receios.
Consideramos que essa época é um marco para a consolidação da atividade turística no âmbito do planejamento urbano de Florianópolis, com a criação do Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de Florianópolis, de 1981, e do PD dos Balneários, de 1985 – que declara os balneários da Ilha como área especial de interesse turístico, bem como com o direcionamento da urbanização para o norte da ilha, explicitamente com fins turísticos 7 . Nesse momento, o mercado imobiliário começa a mostrar-se como um dos principais atores da construção do espaço da
cidade.
Portanto, as expectativas com relação a esses planos e ações estavam em vias de realização, tanto é que, no final dos anos 1970, são adquiridos, por Fernando Marcondes de Mattos 8, os primeiros terrenos do que viria a ser o empreendimento Costão do Santinho Resort, atualmente reconhecido como um dos principais resorts de praia do Brasil. E, ao mesmo tempo em que a Via de Contorno Norte-Ilha é
6 Geógrafo e mestre em Planejamento Urbano pela UFRGS, foi técnico do IPUF entre os anos de 1977 e 1996 e professor aposentado de Planejamento Urbano da UFSC. Atualmente, é um dos responsáveis pelo PD Participativo de Florianópolis. Em entrevista à autora, em 16/04/2013.
7 Dos Balneários, no ano de 1985, fazem parte os distritos de Santo Antônio de Lisboa, Ratones, Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus, Ingleses do Rio Vermelho, São João do Rio Vermelho, Lagoa da Conceição, Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul. Fica de fora, apenas, o distrito Sede, que inclui área urbana continental e área urbana insular, divididos em quatro subdistritos. No ano de 1995, a Barra da Lagoa e o Campeche foram desmembrados do distrito da Lagoa da Conceição, criando dois novos distritos. Uma observação, e também uma lembrança, é que o município de Florianópolis possui área total de 436,5 km², sendo que 424,4 km² compõem a Ilha de Santa Catarina e 12,1 km² compõem o continente, de modo que boa parte de seu território localiza-se nos balneários, inclusive na parte continental.
8 Idealizador e proprietário do Costão do Santinho Resort, ex-professor de Economia da UFSC, também exerceu vários cargos públicos, inclusive o de Secretário de Planejamento do Município de Florianópolis, em 1988, e de Secretário de Estado do Planejamento e Fazenda de Santa Catarina, no período de 15 de março de 1991 até 18 de novembro de 1992. (Disponível em:
<[http://www.sef.sc.gov.br/secretarios/fernando-marcondes-de-mattos]{.ul}>. Acesso em 02/02/2013).
concluída, em 1980, inicia-se o projeto de Jurerê Internacional, pela Habitasul Empreendimentos Imobiliários. Esses dois empreendimentos citados, iniciados nessa época, são, atualmente, responsáveis por grande parte das imagens turísticas da cidade e também pelo fluxo de turistas de alto poder aquisitivo.
Essa é uma época em que a atividade turística é parte considerável do planejamento urbano e econômico de Florianópolis, tanto que o PD dos Balneários “é parte integrante de um Plano maior denominado Plano de Desenvolvimento da Área Conurbada do Aglomerado Urbano de Florianópolis constituído pelos Planos Diretores dos Municípios de São José, Biguaçu e Palhoça [...], além dos Planos Diretores das Áreas Central e Continental do Município de Florianópolis” (IPUF, 1984, s/p). A importância desse plano deve-se ao fato de ter sido o primeiro e, até então, o único plano que diz respeito à ocupação e uso das áreas da cidade para fins turísticos. Esse plano surge “[...] em decorrência da expansão urbana ocorrida em Florianópolis, durante a década de setenta e início dos anos oitenta, quando os empreendedores da construção civil vislumbravam, nas praias da Ilha, uma excelente fonte de renda e lucros” (CAMPOS, 2004, p. 181).
E isso ocorre por diversos fatores, mas resumidamente pode-se dizer que se deve, em parte, aos interesses de uma parcela da elite local e do mercado imobiliário, como vem sendo ressaltado pelas pesquisas de Sugai (1994; 2002), Ouriques (1998), Rizzo (1993), Barretto et al. (2003), entre outros. Inclusive, a respeito da discussão do papel das políticas públicas na definição do espaço turístico, Barretto et al. (2003, p.
34) afirmam que “pelas características do Estado em Santa Catarina, privatizado e a serviço dos interesses particulares de um ou outro dos grupos dominantes, em vez de falar em políticas públicas deveria se falar em ‘políticas privadas’ de Estado”, e complementam que os “interesses privados orientam a definição do espaço urbano destinado a fins turísticos”.
Um exemplo disso ocorreu no início da década de 1980, época da elaboração do primeiro Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de Florianópolis (1981) e do PD dos Balneários (1985), pelo IPUF, quando “já havia empreendimentos turísticos nos balneários, porém, durante o processo de aprovação desses planos, com receio de que novos planos normatizadores surgissem, aumentou- se o ritmo de instalação de empreendimentos” (SANTOS, 1993, p. 194). Ainda assim, a força normatizadora desses planos pode ser questionada, a exemplo do que coloca Santos sobre o Plano de Desenvolvimento Turístico de 1981, de que ele
Preocupou-se mais em levantar dados, identificando problemas de ordem geral, do que em estabelecer detalhes sobre a forma de execução e fiscalização das propostas por ele formuladas, tarefa, na época, delegada a Secretaria Municipal de Turismo (SETUR), que nunca se estruturou adequadamente para o seu desempenho (Ibid., p. 195).
A autora ainda complementa que, devido à falta de dinamismo do planejamento turístico praticado pelo estado, o Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de Florianópolis, de 1981, não só se tornou desatualizado, como desconhecido, tanto à iniciativa privada quanto às secretárias estadual e municipal de turismo, o que leva a questionar tanto a legalidade quanto o motivo da elaboração desse plano. Pois, apesar desse desconhecimento, no ano seguinte, em 1982, é elaborado, a pedido da Coordenadoria de Planejamento Setorial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) – órgão que substituiu a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) enquanto coordenador
da política urbana brasileira –, um documento a partir da experiência obtida na elaboração do plano de 1981.
Assim, pode-se inferir que não faltaram planos turísticos ou estudos sobre esses planos, mas que, até então, não havia nenhuma ação conjunta, ou melhor, uma única legislação, que regesse a ocupação dessas áreas da cidade. Além disso, a demora na aprovação dos planos acaba abrindo brechas para, ou talvez tornando mesmo necessário, o tal “jeitinho brasileiro”, traço político que, como coloca Yázigi (1996, p. 95), “se situa na antípoda do que se poderia esperar de um plano”.
E como expõe Déak (1999, p. 14), isso é parte de um contexto maior, pois, já em meados da década de 1970
[...] começou a se generalizar um crescente sentimento de frustração quanto aos planos: vistosos em sua concepção, pouco deles era efetivamente ‘implantado’ e o crivo entre ‘teoria’ e ‘prática’ de planejamento (urbano) tornava-se tão gritante já que [sic.] não podia ser ignorado. Virou lugar- comum os planos ‘ficarem na prateleira’ [...].
Considerações finais
Esse período – entre as décadas de 1960 e 1980 – foi marcado pela instituição da atividade turística na cidade, tanto no que diz respeito à legislação e à criação de infraestrutura quanto na consolidação da chamada “vocação turística” de Florianópolis, que assumiu papel de destaque passando a ser encarada como destino, o que possibilitou a criação de imagens da cidade e uma abertura ao city marketing. A ideia de que a cidade seria turística por natureza, como parte de uma estratégia política, começou a ser sentida em Florianópolis, visto que a institucionalização da atividade não passou somente pelo viés normativo presente nos planos e leis, mas também pelas instâncias do imaginário.
No entanto, acreditamos que nosso intento de buscar compreender como a atividade turística foi se espacializando na cidade por meio dos planos e projetos urbanos contribui para desnaturalizar o turismo e não mais trata-lo como um agente excepcional e externo, mas como algo que fez parte do processo de urbanização da cidade e de sua construção social.
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