Resumo

O presente trabalho é parte da minha tese de doutorado cujo objeto de pesquisa foi o bonde a burro da Cidade da Parahyba no recorte temporal de 1896, ano de sua implantação, até 1914, quando teve a tração animal substituída pela elétrica. Pesquisas sobre serviços urbanos permitem aprofundar o conhecimento da cidade estudada. No caso da Cidade da Parahyba, podemos citar Araújo (2012) e Melo (2013) que pesquisaram o abastecimento de água da cidade, contribuindo, assim, para a ampliação da historiografia da capital paraibana. O nosso objetivo, neste artigo, é mostrar a história da Cidade da Parahyba pela ótica do serviço de bonde a burro. Na falta de outros serviços importantes como a luz elétrica, implantado só em 1910, ou da água encanada, implantado em 1912, o bonde, naquele momento, se tornou um ícone da modernidade da capital paraibana. A pesquisa sobre o bonde, utilizando-se a iconografia, cartografia, literatura, entrevistas, permitiu acompanhar a história da cidade, da sua sociedade, das atividades urbanas ali desenvolvidas como a comercial, religiosa, de lazer, enfim o seu desenvolvimento urbano e social no período pesquisado.

Palavras-chave: Bonde. Cidade da Parahyba. Século XIX. Modernização. Urbanismo.

Abstract

The present work is part of a doctorate thesis whose study object was the donkey drive street- car in the city of Parahyba from 1896, when it was implanted, to 1914, when the animal traction was substituted by the electric drive. Research on urban services has permitted to deepen the knowledge about the city in question. In the case of Parahyba, Araújo (2012) and Melo (2013) have studied the water provisioning in the city, thus contributing for the increase of historiography about the capital city. The objective of this paper is to show the history of the city of Parahyba in the light of the donkey drive tramway service. In the absence of other important services such as electric light, only established in 1910, and piped water, inaugurated two years later, the trolley car became an icon of modernity in the capital city. The investigation about the tramway making use of iconography, cartography, literature and interviews made it possible to accompany the history of the city, of its society and of the urban activities realized in it, such as commercial, religious, amusing as well as all the social and urban development during the time in question.

Key words: Street car, city of Parahyba, nineteenth century, modernization, urbanism.

INTRODUÇÃO

A historiografia da capital paraibana, após importantes trabalhos escritos na primeira metade do século XX, e reeditados no final daquele século, como os de Medeiros (1994) e Rodrigues (1994), recebeu importante incentivo após a implantação do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPB, em meados da década de 1970 e de Pós-Graduação na primeira década deste século. Dissertações de Mestrado, teses de doutorado e livros como os escritos por Tinem (2006), Moura Filha (2010), e Sousa e Vidal (2010) são exemplos de professores do meio acadêmico da arquitetura e urbanismo da UFPB, que enriqueceram a historiografia da cidade com os seus trabalhos. Pesquisas sobre serviços urbanos permitem

aprofundar o conhecimento da cidade estudada. No caso da Cidade da Parahyba podemos citar as teses de doutorado de Araújo (2012) e Melo (2013) que pesquisaram o abastecimento de água da cidade, contribuindo, assim, com a história da capital paraibana.

O nosso objetivo, neste artigo, é mostrar a historiografia da Cidade da Parahyba pela ótica do serviço de bonde a burro no recorte temporal de 1896 a 1914, período em que ele circulava pelas principais vias da capital paraibana.

O presente trabalho é parte da minha tese de doutorado cujo objeto de pesquisa foi o bonde a burro da Cidade da Parahyba no recorte temporal de 1896, ano de sua implantação, até 1914, quando teve a sua tração animal substituída pela elétrica. Na pesquisa, com a utilização da iconografia, cartografia, literatura e documentos oficiais sobre a Cidade da Parahyba, concluiu-se como, e porque, o bonde foi implantado, contribuindo com a historiografia da cidade.

O BONDE NA CIDADE DA PARAHYBA

A Cidade da Parahyba, em sua origem, foi implantada sobre uma colina e, ao se expandir, ocupou dois planos distintos: um sobre a colina, que foi denominado de Cidade Alta, e o outro próximo do Rio Sanhauá, denominado Cidade Baixa.

Na época da implantação do sistema de bonde, ela não seria muito diferente da descrita em 1889 na “Monographia da Cidade da Parahyba do Norte” de Vicente Gomes Jardim1 (1910, 1911). Por isso, tomou-se como referência o conteúdo da monografia por ele escrita. A visualização da cidade tendo por base essa monografia foi estudada por Tinem (2006, pp. 260-274) e Sousa e Vidal2 (2010, pp. 21- 50), que desenharam, espacialmente, a cidade tendo como suporte uma planta da cidade de 1858. (Fig. 01).

Na Figura 1, a seguir, a Cidade da Parahyba é mostrada com divisões em zonas, definidas por Tinem (2006, p. 273)3. As zonas 01 e 04, denominadas de consolidadas, correspondem às áreas de ocupação mais antiga da cidade, com sistemas de ruas em formação desde o século XVI/XVII e com maior número de edifícios construídos em alvenaria (MOURA FILHA, 2010). Segundo dados apresentados por Medeiros Filho (2013), a zona 01, localizada na Cidade Baixa, era composta por 92,7% de casas térreas em alvenaria4, 6,9% de sobrados e apenas 0,6% de casas de palhas. Ainda segundo Medeiros Filho (2013), não havia casas de palhas na zona 04 localizada na Cidade Alta. Predominavam as casas térreas em alvenaria com 87,6% e sobrados com 12,4%. A zona 02, denominada de não consolidada, na Cidade Baixa, tinha a maioria das casas (53,4%) de palha, sendo incorporada à cidade somente no

século XIX, em particular, a partir do governo de

1 Vicente Gomes Jardim era agrimensor da Marinha em 1889 e fez um levantamento topográfico da cidade da Parahyba, escreveu um texto detalhado da cidade, com o nome de todos os logradouros, números de edificações existentes em cada um deles como também o comprimento, largura e relevo de todos eles. Foi publicado inicialmente no mesmo ano do levantamento no jornal Gazeta da Parahyba.

2Em Sete plantas da capital paraibana, 1858-1940, Sousa e Vidal (2010, pp. 47- 48) elaboraram uma planta da cidade a

partir da monografia de Vicente Jardim, que foi utilizada neste trabalho em todas as figuras onde a cidade da Parahyba é mostrada.

3 Nelci Tinem organizou e publicou o livro “Fronteiras, Marcos e Sinais: Leituras das ruas de João Pessoa”. O capítulo que

interpreta a monografia de Jardim, “Para além da dicotomia Cidade Alta/Cidade Baixa” (Tinem, 2006, pp 253-276), foi escrito por ela, Juliano Loureiro de Carvalho e Carla Gisele Martins. O mapa resultante da interpretação foi elaborado por Juliano Loureiro de Carvalho e Carla Gisele Martins em 2003 (TINEM, 2006, p. 273).

4 Embora não definido por Jardim (1911; 1912) nem por Sousa e Vidal (2010), o termo sobrado segundo Corona e Lemos (1989, p. 429) é utilizado para “designar o prédio com mais de um pavimento” em oposição à casa terreira “moradia de um só

pavimento, cuja designação mais usual é térrea” (CORONA; LEMOS, 1989, p. 116). Por sua vez, Jardim, em sua descrição da cidade, refere-se aos sobrados e às casas de alvenaria, associando estas às casas térreas. Também enumera as casas de palha, caracterizadas como uma habitação precária e rústica muito utilizada na região pela população mais pobre, denominada, segundo Corona e Lemos (1989, p. 356), como palhoça: “casa colmada ou coberta de palha”.

Figura 1: Planta da Cidade da Parahyba com zonas de ocupação – 1889 Fonte: Sousa e Vidal (2010, pp. 47-48); Tinem (2006, p. 265) Redesenho: Denise Lemos.

Beaurepaire Rohan com implantação de edifícios públicos, como o teatro, Assembleia Provincial e Quartel de Linha (VIDAL, 2004). As acentuadas diferenças de cotas na topografia da cidade, as zonas 03 e 05 da referida figura, estavam localizadas em áreas de declive que tiveram ocupação tardia, estando, por isso, menos habitadas no século XIX. No caso da zona 03, ela corresponde às antigas cercas conventuais dos beneditinos e dos franciscanos, o que justifica sua ocupação rarefeita. Na zona 05, a presença da antiga Lagoa dos Irerês, sendo uma área pantanosa e pouco salubre, afastava a população e, por isso, verificava-se, também, uma ocupação tardia e rarefeita. As zonas 06 e 07 correspondem às áreas de expansão da cidade, cujos eixos viários principais (a Rua do Tambiá e a Rua das Trincheiras) já compareciam na cartografia do período holandês, como caminhos que levavam para fora da cidade. A partir do século XIX, vão se consolidar os dois bairros, Tambiá e Trincheiras, direcionados pelas referidas ruas e com predominância de uso residencial pela burguesia urbana.

Usando-se uma escala gráfica na planta da Cidade da Parahyba gerada a partir de Jardim (1910, 1911), percebe-se que, no final do século XIX, a capital paraibana se inscrevia em uma circunferência de raio de 800 metros de comprimento aproximadamente. Mesmo em condições diferenciadas – como topografia, clima, traçado das ruas, por exemplo – o que

chama atenção era a distância média do seu centro físico para as bordas ser bem inferior ao descrito por Chudacoff (1977) nas cidades americanas pré-modernas (Fig. 02).

Figura 2: Dimensões da Cidade da Parahyba – 1889

Desenho dos detalhes: Igor Dantas

Chudacoff (1977, pp.91-95), ao falar sobre os usuários a cidade pré-moderna, chamada pelos historiadores americanos de ‘cidade do andarilho’, destaca:

Os principais usuários das ruas não eram rodas ou cascos, mas pés humanos. Na cidade americana pré-moderna, a vasta maioria das pessoas ia a pé para seus destinos e era essa forma de locomoção que determinava o tamanho e a forma da cidade. [...] Até a década de 1850, as áreas habitadas, até mesmo das maiores cidades, como Nova York, Boston e Filadélfia, só em raros casos se estendiam até três quilômetros do centro da cidade, a distância média que uma pessoa pode caminhar por meia hora. Por isso mesmo, os historiadores batizaram essa antiga configuração de cidade de andarilhos em virtude de seu tamanho e principal forma de transporte (CHUDACOFF, 1977, p. 92).

O bom exemplo do sistema de bonde da cidade do Rio de Janeiro, que provocou mudanças significativas na estrutura daquela cidade e de sua sociedade, serviu de modelo para diversas cidades brasileira, principalmente as capitais. Vários intelectuais escreveram sobre essas

mudanças. Olavo Bilac5, numa crônica de 1903, chamou o bonde de operário da democracia por estender seu “aranhol de trilhos metálicos” por todas as zonas da urbs, passando em todas as ruas urbanas e suburbanas, povoando os bairros afastados, criando bairros novos. Na sua crônica, Bilac (2004, p. 40) fala do papel do bonde na sociedade, como criador de relações de amizade, de amor, de negócios, combinações políticas, financeiras e até formação de empresas e bancos que surgiram numa viagem de bonde. Enfim, Olavo Bilac, ao escrever sobre o dia a dia das classes sociais se misturando em um espaço neutro e ambulante, mostrou quão democrático era esse transporte sobre trilhos e sua importância na formação da sociedade carioca, servindo de exemplo para todas as cidades brasileiras.

No mesmo sentido de exaltação deste sistema de transportes, Rui Barbosa, como usuário e defensor do sistema de bondes, escreveu:

[...] o bonde foi, até certo ponto, a salvação da cidade. Foi o grande instrumento do seu progresso material. Foi ele que dilatou a zona urbana, que arejou a cidade, desaglomerando a população, que tornou possível a moradia fora da região central [...]. O bonde foi – é preciso dizê-lo – uma instituição providencial. Se não existisse, era preciso

inventá-lo (BARBOSA, 1898)6.

Para Nascimento (1996, p. 44), o bonde era associado à ideia de cidade maravilhosa, organizada e asseada. Ao vê-lo passar, o habitante da cidade podia admirar-se com o desenvolvimento tecnológico que sua cidade alcançara e, quando nele andava, era participante e testemunha desse progresso.

O exemplo do Rio de Janeiro fez com que quase todas as capitais brasileiras implantassem o bonde a tração animal na segunda metade do século XIX, parte delas ainda no regime imperial. O Imperador D. Pedro II, que teve um bonde exclusivo, assinou uma Lei estabelecendo que, quando um carril de ferro circulasse num só município, a linha seria considerada de tramway, isto é, de bonde, cabendo exclusivamente à municipalidade local o direito de legislar a respeito. Quando atendesse a dois ou mais municípios, tendo em cada um deles, pelo menos, três quilômetros de linha permanente, passaria a ser considerada uma ferrovia, cabendo ao Governo da Província (Estado da Federação) legislar a respeito. Quando uma linha de bonde por entroncamento fosse ligada a uma via férrea, seria, do mesmo modo, considerada uma estrada de ferro estadual. A República referendou a Lei Imperial, ao decretar a Lei n° 30 de 13 de junho de 1892 nos mesmos termos (VANA, 2010).

A interferência do bonde na urbanização das cidades brasileiras é encontrada em estudos de Weid (2004) e comentada por Pinheiro (2011) sobre como as companhias de bonde influenciaram na expansão da cidade do Rio de Janeiro por força da associação delas com empresas imobiliárias e de urbanismo. Weid (2004, p. 30), escreveu:

Como pode ser notado, o bonde foi um elemento fundamental no desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro. Pode-se entender a expansão do centro, a formação de novos bairros, a setorização social, através da evolução das linhas de carris. Com seu aspecto característico, seu espaço democrático e sua tradição, o bonde foi por muitas décadas como que um símbolo da cidade litorânea, um espaço onde tudo podia acontecer. Durante esse tempo, era o transporte coletivo por excelência, permitindo a qualquer pessoa ir, de qualquer ponto da cidade, aonde bem entendesse. As linhas de bonde

5 Embora escrita em 1903, a crônica recebeu o nome de “O Bonde”, e sua primeira publicação foi em 1904 no livro “Crítica e Fantasia” pela Livraria Clássica Editoras. Uma nova publicação é hoje encontrada no livro – BILAC, Olavo. Júlio Verne, o bonde, o burro e outros escritos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004, pp. 31-43.

6 O texto é encontrado em “Obras completas de Rui Barbosa”, p. 210-214 e 223 -227, tendo sido originalmente publicado na “A Imprensa”, com o título “Viação Urbana”, nos dias sexta-feira, 21, e sábado, 22 de outubro de 1898. Disponível em:

<www.casaruibarbosa.gov.br>. Acesso em: 29 ago. 2012.

interligadas cobriam absolutamente toda a zona urbana do Rio e seus subúrbios mais próximos (WEID, 2004, p. 30).

Na Paraíba, o poder público, em meados da década de 1880, já propunha à Assembleia Provincial (MENSAGEM, Dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira, 1886, p. 54) um sistema de carris urbanos, por achar que a capital não se desenvolvia por causa da falta de um meio de transporte. Para ele, a população escolhia residir em pequenos espaços, próximos das principais vias de circulação, como a Rua Duque de Caxias, para evitar longas caminhadas, caso fosse residir nos belíssimos arrabaldes das Trincheiras e do Tambiá. A maioria dos comerciantes residia no Varadouro, onde tinha o comércio para não fazer grandes viagens urbanas a pé, descendo e subindo ladeiras.

Uma linha de carris urbanos, com tração animal que, percorresse as principaes ruas da capital, certamente transformaria as condições da vida da cidade. Poderia a linha partir do largo da capitania e subir pela rua Conde d’Eu e do Barão do Triumpho, atravessando o largo fronteiro ao Thesouro, e d’ahi alcançar a cidade alta, ou directamente pela ladeira do Rosario, ou fazendo volta por traz do Palácio da Presidencia para attingir á rua Duque de Caxias e tomar depois a direção da igreja da Mãe dos homens, no Tambiá. A empreza pode iniciar-se modestamente e augmentar o material á proporção dos lucros realizados. Objectam alguns que a receita não dará para a despeza; essa objecção banal foi levantada tambem por occasião de surgir a opulenta linha de Carris de Botafogo, no Rio de Janeiro. Diversas pessoas me tém assegurado, de resto, que não duvidarão emprehender o serviço, si lhes forem asseguradas boas vantagens. Convem que habiliteis a Presidencia a fazer a concessão com prazo longo e os favores compatíveis (MENSAGEM, 1886, p. 55).

A figura 03 mostra como ficaria a citada linha.

Figura 3: Proposta de implantação de bonde a burro – 1886

Fonte: (MENSAGEM, 1886, p. 55).

Desenho da linha e Edição: Igor Dantas.

Dez anos depois, o governo do Presidente Álvaro Machado vislumbrou a possibilidade de um empreendimento que unisse os recursos públicos com os privados dos produtores de algodão. Afinal de contas, para ele, como chefe político de uma oligarquia que esteve no poder paraibano por mais de 20 anos (CARNEIRO, 2009, p.107-144), implantar um serviço urbano que representasse a modernidade na capital do estado, decerto, resultaria em dividendos eleitorais inestimáveis. Afinal, entre os principais serviços modernos, como o transporte urbano, luz elétrica e água encanada, o bonde anunciava, pelos seus itinerários, que a cidade se expandia e que as necessidades da população em se locomover eram atendidas. Era um serviço urbano “visível”. Representava sinal de mudanças, de modernidade.

Viajar, ou passear, por um quarto de hora ou por meia hora ao lado de um desconhecido, sem dirigir-lhe a palavra, ou então trocar conversa formalmente sobre a política ou os costumes, com alguém que não se sabe exatamente quem é, era o sinal de novos tempos que o bonde poderia proporcionar. [...] O bonde era associado à idéia de cidade maravilhosa, organizada e asseada. Ao vê-lo passar, o habitante citadino podia admirar-se com o desenvolvimento tecnológico que sua cidade alcançara, e quando nele andava, era participante e testemunha desse progresso (NASCIMENTO, 1996, p. 11 e 41).

Diferente da maioria das outras capitais brasileiras, na Cidade da Parahyba, só existiu uma companhia de ferro-carril para explorar o serviço de bonde a tração animal. Não havia, pois, concorrência. Essa companhia foi também diferenciada no seu nascedouro, ao juntar verbas públicas com recursos privados oriundos da produção de algodão. Segundo Rodriguez (1994,

p. 179), com investimento das companhias de algodão Aron Cahn & Cia e Cahn Frères & Cia e a participação do poder público, tendo o Estado como principal acionista, em uma reunião na Associação Comercial no dia 19 de abril de 1895, foi criada a Companhia Ferro-Carril Parahybana.

Em Mensagem lida para a Assembleia Legislativa, em 15 de fevereiro de 1896, o Presidente do Estado da Parahyba, Major Dr. Álvaro Lopes Machado, escreveu: “[...] contribue o Estado como o maior accionista da Empreza Ferro-Carril da Parahyba [...]” (MENSAGEM, 1896, p. 13)7 e falou da satisfação do governo na parceria com a iniciativa privada para implantação do bonde na capital paraibana. E não havendo outros serviços urbanos, como energia elétrica e saneamento d’água, o bonde foi implantado e se tornou um ícone da modernidade da Cidade da Parahyba no final do século XIX em três linhas: Linha Comércio, Linha Tambiá e Linha Trincheiras.

O percurso do bonde partindo do Largo da Gameleira ligou o setor comercial da cidade, localizado na área consolidada da Cidade Baixa, com a área consolidada da Cidade Alta, onde residia a elite citadina, tendo sido descrito por Rodriguez (1994) como sendo:

Partindo da Praça Álvaro Machado, a linha passava pela Praça Pedro II (atual 15 de Novembro), subia a Visconde de Inhaúma, curvando à direita pela Rua do Comércio (posteriormente Maciel Pinheiro); subia a curva, à esquerda, pela Estrada do Carro (depois da guerra civil de Canudos denominada de Rua Barão do Triunfo), passando em curva, à direita, pela frente do antigo Quartel do 27º Batalhão de Linha, no Largo Cel. Bento da Gama, (na atualidade, Praça Pedro Américo), e daí curvando, à esquerda, subia a Rua do Fogo (Avenida Guedes Pereira dos nossos dias), para tornar a fortemente íngreme Ladeira do Rosário (RODRIGUEZ – 1994, p. 181).

O percurso descrito para a Linha Comércio por Rodriguez (1994, p. 181), com cerca de 1.200 metros de comprimento, tornou-se o eixo principal do sistema de bonde. A Companhia Ferro- Carril Parahybana implantou mais duas linhas: a) a Linha Tambiá, que, semelhante à Linha Comércio, fazia o mesmo percurso até a Igreja do Rosário e ali, dobrando à esquerda, seguindo pela Rua Duque de Caxias por mais 550 metros, após passar pela Rua São Francisco, ia até o Campo do Conselheiro Henriques, onde terminavam os trilhos em frente ao Convento e à Igreja do Carmo; b) a Linha Trincheiras, que seguia o mesmo traçado da Linha Comércio e Tambiá até a frente da Igreja do Rosário, onde curvava a direita e percorria mais 600 metros, seguindo pela Rua Duque de Caxias, passando na lateral do Campo do Comendador Felizardo, como também na frente do Liceu, da Igreja do Colégio e do Palácio do Governo, antes de seguir pela Rua Trincheiras até a Igreja do Bom Jesus dos Martírios onde terminava a linha (ver Fig. 05).

A Figura 4 abaixo mostra a Cidade da Parahyba com as três linhas de bonde, que cortavam áreas consolidadas da cidade baixa, conhecida como a área de maior concentração do comércio e serviços. E as linhas Tambiá e Trincheiras, por sua vez, após atravessarem as vias de comércio e serviço, atendiam à área consolidada da Cidade Alta, ocupada pelas residências

7 Na Mensagem de 15/02/1896 à Assembleia Legislativa do Presidente do Estado da Parahyba, Major Dr. Álvaro Lopes Machado, publicada na Imprensa Official da Parahyba, o Mapa ‘C’ – “Demonstração da dívida do Thesouro do Estado da Parahyba até 31 de Dezembro de 1895, com discriminação do movimento á partir do 1° de Julho de 1894”, já consta o valor de 15.000$000 para a Companhia Ferro-Carril. Fonte: Center for ResearchLibraries, Global Resources Network. Disponível em:

<<http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba>>. Acesso em: 24 nov. 2010.

da classe mais abastada, seguindo com destino aos dois novos bairros em formação, o do Tambiá e o das Trincheiras, que davam o nome às respectivas linhas.

Figura 4: Traçado das três linhas do bonde a burro – 1896

Fonte: Rodrigues (1994, p. 181).

Desenho das linhas: Igor Dantas.

Com as informações colhidas na literatura e iconografia disponíveis sobre a Cidade da Parahyba, foi possível confirmar os traçados das linhas do bonde a burro, representadas na Figura 4. Aplicando zoom em fotografias digitalizadas dos acervos pesquisados, foi possível identificar os trilhos, ou mesmo o próprio bonde a burro, nas vias por onde ele trafegava. A Figura 5 é a edição desse trabalho.

Figura 58: Visão geral das três linhas do bonde registradas em fotografias

Fonte: Acervo Fotográfico (RODRIGUEZ, 1994; MOURA, 2006; STUCKERT FILHO,2003, 2007)

Desenho das linhas e edição: Igor Costa

O percurso dessas três linhas implantadas não foi mudado ao longo dos 18 anos de funcionamento do sistema a tração animal, apenas recebeu algumas ampliações nesse período.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

8 Esta Figura 5 encontra-se editada e ampliada, no formato A2, no apêndice da Tese de Medeiros Filho (2013), prancha 02.

Medeiros Filho (2013), em sua tese defende que “... e o bonde a burro foi implantado: um ícone de modernidade da Cidade da Parahyba no final do século XIX”, por o bonde representar a modernidade, em uma cidade de poucas modernidades. O ‘ícone’, portanto, se deu pela não implantação dos outros importantes serviços urbanos como a iluminação pública com uso da eletricidade, abastecimento de água tratada e encanada e o esgotamento sanitário (MEDEIROS FILHO, 2013, p.141).

O bonde a tração animal, não era necessário naquele momento, às dimensões da cidade não demandavam.+ tal serviço (ver Fig. 03), foi uma escolha do poder público, em detrimento de outras demandas mais importantes.

Embora o bonde fosse desnecessário num primeiro momento, ao ser implantado, atendeu a população citadina de maior poder aquisitivo, que trafegava por ruas que interligavam os terminais modais de transporte da época, como o Porto do Capim e a Estação Ferroviária Conde D’Eu com as áreas de comércio e serviços, além de passar por praças e áreas de lazer, como o Largo da Gameleira, Praça de D. Pedro II, Campo do Conselheiro Diogo e Campo do Comendador Felizardo, interligando com as áreas residenciais consolidadas da Cidade Alta ou em formação, como os bairros de Tambiá ou de Trincheiras. Para quem não residia nesses novos bairros, o bonde, que durante a semana era o meio de transporte usado principalmente para atividades de compras e trabalho, aos domingos, a população “transparecia o desenvolvimento do prazer pelos passeios aos pitorescos finais dos arrabaldes de Trincheiras e Tambiá” (RODRIGUEZ, 1994, p.18).

Encerramos aqui esta contribuição à historiografia da Cidade da Parahyba através de um serviço de transporte que marcou uma época e teve sua importância no desenvolvimento da capital paraibana.

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