Proyecto, normativa y tiempo: la co-producción público-privado del espacio urbano en el Costanera Center de Santiago de Chile
Resumo
O complexo Costanera Center em Santiago do Chile é um empreendimento de grande porte constituído por um shopping mall, escritórios e hotéis, de grande impacto no espaço e na imagem de uma área urbana. Atualmente em sua fase de finalização, este projeto tem provocado debates relativos à sua forma urbana e à sua contribuição para a cidade. Este trabalho, ao invés de analisar a sua forma final e o impacto causado, traz um enfoque que considera desde o período de seu planejamento até a concretização do edifício atual. Por isso, trata-se de um enfoque histórico do fenômeno presente onde se reconstrói o processo através do qual foi formulado o projeto e da normativa que o regulamentou. Através desse enfoque surgem paralelismos, coincidências e uma combinação de crises econômicas, empresas em dificuldades, mudanças da normativa urbana e concessões aos investimentos a respeito das regulamentações de ocupação e edificabilidade do solo. Isto resultará na forma final do complexo. As relações entre o Estado regulador e os agentes privados investidores são redirecionadas no marco das atuais formas de produção compartilhada entre o público e o privado no espaço urbano. O estudo e o enfoque deste assunto esclarecem essa questão e descrevem os processos e as práticas que dão espaço à ocupação e transformação do espaço da cidade, onde o Estado vai perdendo a capacidade de gerar diretrizes orientadoras partindo das normativas e com isso a possibilidade de influenciar a forma urbana.
Palavras-chave: grandes projetos urbanos, normativa urbana, história, forma urbana, público privado, gestão urbana
Abstract
The Costanera Center complex in Santiago de Chile is a large-scale entrepreneurship composed of a mall, offices and hotels, with great impact in space and image of a significant urban area. Currently nearing completion, has sparked debates about urban form and its contribution to the city. Instead of examining its final form and present impact, this paper analyses the Costanera Center with an approach that investigates the time from when investment is thought until formalize the building. Therefore, it is a historical approach to this present phenomenon, where the process of defining the project and the urban regulations is reconstructed. Here there are parallels and coincidences that are a combination of economic crises, companies in distress, changes in building regulations, and concessions about land regulation for investment. The latter will result in the final form of the complex. The relationship between the regulatory state agents and private investors are redefined in the context of the current ways of public-private joint production of urban space. The focus of this study sheds light on this topic, describe processes and practices that lead to the occupation and transformation of the space of the city, where the state is losing ability to generate guidance to the regulations, and thus, possibilities of control urban form.
Keywords: large urban projects, urban regulations, history, urban form, public- private, urban management
Colocação inicial: o passado do projeto presente
O presente texto analisa uma intervenção em andamento na cidade de Santiago do Chile. O complexo Costanera Center é uma intervenção de grande escala com
710.448 m2, o maior projeto arquitetônico no Chile e um dos maiores empreendimentos imobiliários da América do Sul. Trata-se de um grande centro comercial de seis andares que ocupa uma área urbana de quatro lados sobre o rio Mapocho, anteriormente ocupado pelas instalações da Compañía de las Cervecerías Unidas - CCU-, localizado na cidade de Providencia entre o centro urbano e a área de expansão de alta renda. Sobre o centro comercial existem quatro torres em cada um dos seus vértices, com escritórios, hotéis e centros de convenções. Uma das torres, de autoria de César Pelli, com 300 metros é até o momento, a torre mais alta do hemisfério sul.
Este trabalho faz parte de um estudo ainda maior sobre o efeito da transformação de antigas instalações produtivas reconvertidas para usos urbanos1. Para o caso do estudo específico do Costanera Center, usa-se um tipo de análise que incorpora o enfoque histórico para os fenômenos contemporâneos. Projetos deste porte têm um tempo prolongado de formulação e realização. Desentranhar esse tempo é o objetivo, principalmente no que diz respeito às relações implicadas nesse período entre a gestão do solo, a definição do projeto e a normativa urbana. Com isso surge a possibilidade de uma análise mais complexa e ampla do que os estudos e críticas do
empreendimento desde sua atual emergência.
Com isto tenta se alargar a base da análise, incorporando ao caráter do presente outras dimensões de tempo para assim poder encará-los melhor em sua complexidade. O enfoque histórico dos fatos recentes não é um método para remeter o fenômeno presente ao passado, mas serve para tornar inteligível a coerência e a compreensão sincrônica do fenômeno e o seu contexto de surgimento e realização.
O passado esquecido do projeto, a normativa como justificativa
Em um debate organizado em ocasião de uma exposição sobre arquitetura recente contemporânea no Chile2, o arquiteto responsável pelo projeto Yves Besançón afirmou que o Costanera Center
…é uma obra que nós tentamos integrar à cidade da melhor forma possível, segundo a normativa; ou seja, se um cliente pede que se faça um prédio em um tal terreno, deve-se aceitar o que o Estado permite fazer, não posso lhe dizer, olhe, o senhor quer 30 andares mas eu vou fazer um de dois andares porque não quero romper com o skyline do local… O Estado tem um papel bastante grande a desempenhar para que nós desenvolvamos a nossa profissão de uma maneira em que a
1Extensos terrenos de antigas infraestructuras de portos e/ou vías férreas em Rosario e Santa Fe (Argentina) fundaram uma linha de pesquisa que posteriormente vai abordando outros casos, dada a temática comum de grandes peças reconvertidas com grande impacto na estrutura urbana e incidência na forma e imagem das cidades.
2 A exposição foi realizada em 2012 no Centro Cultural GAM de Santiago do Chile, com o título “BlancaMontaña,Arquitetura recenté no Chile”.
guia das cidades esteja devidamente desenvolvida, com suficiente antecipação, claridade e flexibilidade.(BESANÇÓN, 2012).
Na mesa foi aceita essa ideia, em consonância com outra ideia muito difusa no Chile a respeito da falta de planejamento (CERDA; LEON, 2009; COMISIÓN ASESORA, 2013). Chegou-se a sintetizar o debate com a expressão do reconhecido arquiteto Mathias Klotz e crítico do projeto: “o problema não é do arquiteto, nem do cliente, mas sim da norma”.
A sequência de ações de mudanças normativas, como a participação dos diferentes atores nessa determinação da normativa e na gestão da mesma durante os processos do projeto e execução das obras, representa uma fonte de análise importante que coloca a questão nestas conclusões. Porque não é que o projeto se colocou em um marco regulatório preexistente e anterior ao projeto. Assim se justificar pelos seus realizadores e é interpretados pelos críticos. Mas o esta interpretação faz uma análise da situação atual, sem avaliar o processo no tempo ea seqüência de eventos.
Inversamente, esse marco regulatório é resultado de mudanças que surgiram nos momentos em que o projeto era formulado e o solo mudava de propriedade tendo sido adquirido pelo incorporadora. Assim como também esse marco regulatório era adaptado no decorrer do período em que o projeto estava experimentando a sua viabilidade de realização consoante com as possibilidades financeiras do contexto. A análise retrospectiva é chave para poder entender como são gerados os marcos regulatórios nos processos urbanos de construção de cidades e os efeitos que os mesmos produzem na forma urbana.
Cronologia: sequências e coincidências da regulação do solo
O ordenamento da sucessão de ações que levaram ao resultado final do Costanera Center possibilita estabelecer os significados destas ações assim como o papel dos diferentes atores no processo. As determinações que definiram as possibilidades de realização foram no passado um terreno de tensões no qual se apresentaram algumas alternativas em detrimento de outras. Os relatos presentes recuperam essa sequência segundo os interesses, pretendendo, muitas vezes, mostrar as situações passadas como estabelecidas e imutáveis, omitindo a existência de alternativas ou de condicionamentos que orientaram as ações, mas que não podem ser considerados dada a sua implicação. Concluindo, a tendência é relatar a sequência como produto de circunstâncias imutáveis, razão pela qual o seu ordenamento supõe muito mais do que a exatidão das datas das ações.
Desde 1977 a empresa CCU, proprietária dos terrenos onde foi construído o Costanera Center e o conjunto de escritórios corporativos conhecidos como Sanhattan, havia iniciado um processo de renovação. Salienta-se que só em 1976 a empresa volta-se totalmente para a área privada, depois de ter sido administrada – através de uma intervenção - pelo Estado desde 1971. Além disso o Estado havia se apropriado de uma porcentagem das suas ações, mas concordante com as mudanças políticas que resultaram na imposição do regime militar, desde 1974 o Estado começara a desobrigar-se, liquidando as ações remanescentes em 1975 - 34% da companhia- o que fez com que a empresa se voltasse, em 1976, exclusivamente para o âmbito privado. Além disso existiu o processo mencionado.
Esse processo supôs a reformulação das suas instalações, entre as quais se encontram a construção, em 1979, de uma nova planta em Quilicura a 10 km do centro de Santiago a qual inicia seu funcionamento no final de 1980 (SILVA; CAVIERES, 2003). Por esse motivo, deixa de funcionar, em 1981, a planta de Providencia da CCU, e os seus 100.000 m2 de terreno são dispensados do seu uso produtivo originário, sendo parte deste destinado, muito tempo depois, à construção do Costanera Center ocupando uma área de 46.000 m2.
Mas este processo de reorganização operacional e estrutural da empresa CCU supôs também a diversificação de atividades, tal o caso de reconversão de ativos físicos e o negócio imobiliário. Em 1978 a CCU adquire a maioria acionária da Companhia de Rendas La Porteña, empresa de investimentos imobiliários. Também, naquela época, a CCU cria a Imobiliária Providencia Ltda. Com o único objetivo de estudar e gerenciar os terrenos da já ex planta de Providencia. A isso se acrescenta a compra de ações em NeutLatour Forestal Ltda que era a principal empresa construtora de moradias no Chile.
Com isto se evidenciava o claro propósito de intervir no mercado imobiliário e de construção por parte da empresa CCU, contando para isso, os terrenos da antiga planta como bem econômico. O seu interesse não era só operacional, como agente externo ao setor que resolvia uma operação específica, mas também que os ativos imobiliários gerados pela mudança tecnológica fazia parte dos novos objetivos empresariais já que participava ativamente dessa área do mercado.
Embora essa fase possa ser considerada frutífera para a empresa enquanto renovou a sua infraestrutura produtiva e o aparelho comercial de marcas dos seus produtos específicos, o ano de 1983 a encontra em uma grave crise financeira e com um concurso de credores, tendo falido muitas das suas outras unidades de negócios nas quais tinha se diversificado, como por exemplo a unidade imobiliária.
É nesse momento que foram estabelecidas as disposições de normativa urbana sobre os terrenos da ex-planta CCU. Um conjunto de cláusulas normativas se sucedem entre 1980 e 1988, durante os quais, por sua vez, produz-se a troca de propriedade do solo a serem adquiridos pelas incorporadoras. No caso do terreno do Costanera Center, Cencosud, em 1986, a compra foi registrada3 (CONSERVADOR, 1986), ano em que a companhia CCU começa a superar a sua crise financeira, e o Chile inicia um ciclo de crescimento econômico, mantido até 1998, de aproximadamente 10% do PBI (DE MATTOS, 2005, 34). A partir do ano 1986 o preço do solo começa a experimentar
um aumento significativo e incessante do valor no setor.
O quadro normativo
O instrumento normativo que orientará as transformações será a figura da Seccional. Essa figura é um recorte de uma porção de território sobre o qual se estabelecem normativas especiais de uso do solo e edificação, diferentes daquelas vigentes nesse território de implantação. É por isso que a Seccional CCU –tal a denominação específica para este caso- é uma modificação das disposições estabelecidas pelo Plano Intercomunal de Santiago de 1960 como pelas regidas em nível comunal. Mesmo quando a Comuna de Providencia inicia o processo de andamento do seu novo Plano regulador, estas condições da Seccional são incorporadas como vigentes denominando
3 A quantia da compra está registrada em 1219.398.213 pesos chilenos.
a delimitação da Seccional CCU como “Zona Especial ex-CCU” (PRCP art. 4.3.16 Zona Especial Ex-CCU).
A Seccional é criada em 1980. Com modificações em 1985, 1986 e 1988 (MINISTËRIO DAVIVENDA, 1985, 1986, 1988)4 na sua delimitação estabelece um limite perimetral livre de edificação para o desenvolvimento de obras viárias de alargamento do seu contorno. Isso garante o fluxo com uma estrada, que dá acesso, mas o interior da seccional permanece bastante indefinido na sua estruturação e sem condicionamentos de forma. Apenas duas rotas que cruzam através, produzindo grandes parcelas de até 200 metros em um de seus lados. De fato, as sucessivas modificações posteriores foram eliminando conexões de serviço obrigatórias,
possibilitando a configuração de grandes parcelas fechadas.
Também iniciaram a ser removidas as restrições de edificabilidade, onde a liberdade para fomentar a construção de alta densidade, era total. O fator de posse do solo resultou 1. O coeficiente de construtibilidade (IA, Índice de Aproveitamento) e a altura livre, só regulamentada a partir das rasantes traçadas desde as vias de comunicação com um ângulo de 60º e 70º. Condições, sem dúvida alguma, excepcionais, que principalmente o Costanera Center utilizou ao máximo, com um fator de posse do solo de 0,91 e uma altura de até 300 m. em uma das suas torres, e sem nenhuma rua de serviço que penetre o terreno e dê contato em continuidade com a rede do espaço público.
Foi precisamente em 1988 quando a última modificação com amplas margens de liberdade para o terreno, nesse ano Cencosud apresente o seu projeto do Costanera Center, e imediatamente começa com a escavação do solo, a cavidade permanecerá como tal até 2006. Tanto o promotor Cencosud como o estúdio de arquitetura que interveio –Alemparte Barreda y Asociados arquitectos5-, reconhecem o caráter preventivo que tiveram esses passos, para resguardar direitos excepcionais de um
projeto cuja concretização não estava segura. Mas o objetivo corporativo era o de assegurar um local e as condições privilegiadas perante as empresas da concorrência, assim como perante a incerteza de obter e/ou conservar estas prerrogativas no novo cenário político surgido pelo plesbicito desse mesmo ano (1988) e que pôs fim ao regime militar.
A Gran Torre Costanera de 300 m. não era considerada nesse projeto de 1988, sendo reduzido a pelo menos a metade da sua altura original. Mas em 2003, na procura de um conteúdo que outorgue valor ao complexo e ao aumento das expectativas econômicas, o estúdio de arquitetura propõe uma grande torre. Ao analisar a forma como as regras não impediram essa idéia, uma situação difícil de serem repetidas em um lugar com tais características, é que ele começa rapidamente6. Os direitos protegidos no tempo, no tempo do debate público cancelado, têm essas oportunidades
de desenvolvimento.
Em consequência, coincide a fase de saneamento financeiro da empresa proprietária originária dos terrenos com o oferecimento no mercado desses terrenos. Entre o
4 Com portarias se estabebeleciam disposições por cima de qualquer normativa ou instrumento de regulamentação urbanística de outros níveis do Estado, impondo-se as regulamentações do municipio que houver ou se legislar no futuro.
5 Alemparte, Barreda y Asociados arquitectos é um estúdio de arquitetura de origem e sediado no Chile. Yves Besançón, que faz parte do mesmo, foi o encarregado do estudo para o Costanera Center.
6 Esta versão do processo de definição do projeto surge conjuntamente as entrevistas ao Cencosud como ao estúdio de arquitetura mas em momento algum aparece na mídia ou tampouco em meios especializados.
concurso de credores da CCU em 1983 e a venda dos seus terrenos à Cencosud para a construção do Costanera Center em 1986 com a posterior formalização de um projeto em 1988. Reformulou-se a normativa urbanística a respeito das condições de construção do terreno e superaram-se as tentativas falhas de oferecê-los no mercado tal como o tinha impulsionado a CCU a partir de 1980.
Esta combinação de crise econômica, empresas em dificuldades, mudanças regulatórias, e concessões aos investimentos, vai se repetir de alguma forma em 2009. A obra em andamento desde 2006 não havia regularizado o estudo do impacto ambiental. Embora o estudo do impacto ambiental tenha sido aprovado em 2001, as modificações no projeto em 2003 tornaram necessário um novo estudo dado o aumento da altura de uma torre com um novo desenho de Pelli que supunha um aumento de 181.699 m2 –34% do projeto original-. De fato, em 2007, havia sido apresentada uma nova declaração do impacto ambiental perante a autoridade correspondente, mas, no começo de 2009, esta ainda não havia sido emitida, e esta ausência acaba sendo denunciada por uma associação civil e o mesmo Ministério perante a Auditoria Geral (FUNDACIÓN DEFENDAMOS, 2009).
Em janeiro de 2009 a obra é suspendida pela empresa promotora por questões financeiras, argumentando que perante a crise global de 2008, a relação entre a dívida e as utilidades do empreendimento havia sido alterada. Em setembro de 2009, a Comissão Regional do Meio Ambiente da Região Metropolitana de Santiago “Qualifica como ambientalmente favorável” o projeto "Modificação do Projeto Costanera Center" (COMISIÓN REGIONAL, 2009). Em dezembro desse ano as obras são reiniciadas com a qualificação ambiental regularizada.
A adequabilidade do sítio
Pouco tempo depois, com a propriedade do solo, o projeto definido e a escavação realizada do Costanera Center em Santiago, Horst Paulmann - proprietário maioritário e auditor Cencosud, transfere-se para a Argentina onde se estabelece por aproximadamente dez anos (ANDRADE; CERDA, 2011), constituindo uma importante fase para as suas empresas em consonância com a etapa política de desregulamentação da economia e da reforma do Estado na Argentina. Embora com a economia consolidada, mas com a incerteza do novo sistema político no Chile, Cencosud confirma o comportamento móvel de capitais e empreendimentos comerciais para contextos onde recua a participação e regulação estatal nas atividades econômicas. Em 1988, a Cencosud inaugura o Unicenter em Martínez (Buenos Aires) o qual se torna, a partir desse momento, o Centro Comercial mais importante da Argentina. Nessa época o Costanera Center era apenas um projeto arquivado na empresa sem nenhuma certeza em relação a sua execução.
O mesmo vai ser retomado em 2001, modificado em 2003, reiniciado desde a escavação em 2006, com a sua inauguração parcial em 2012. Durante esse período de 25 anos o projeto na sua matriz básica não sofreu alterações. O seu esquema primário e elementar de ocupação do solo e quatro torres nas suas esquinas não foi modificado. Apenas mudou a altura das torres, simplesmente através do acréscimo de andares e a Gran Torre Costanera foi modificada sutilmente em algumas das linhas com a contribuição de Pelli.
Contrariamente a este caráter imutável do projeto, a área urbana de implantação mudou essencialmente, acumulando-se um conjunto de transformações que
revalorizaram o terreno e as potencialidades do empreendimento. A certeza da presença de fluxos com novas conexões viárias, a dotação da rede de Metrô (PARROCHIA, 1980), a caracterização funcional terciária de escritórios e hotéis com os seus serviços conexos, o alçamento de valores imobiliários e a maior categorização social da residência, todos como fazendo parte de um processo de expansão da cidade que nesta direção se fez com características próprias das divisões atuais de segregação urbana. Estas características se impuseram sobre outras que tentaram outro projeto da etapa anterior à ditadura.
A Comuna de Las Condes possuía uma grande extensão de terra pública próxima à área do CCU, dada uma expropriação de 150 hectares realizada previamente ao governo da Unidad Popular de Salvador Allende. Diversos projetos, como a sua consideração em diferentes planos, supunham um conceito de cidade que crescia com base na ação do Estado planejador, que tinha chegado à expropriação do solo, um Estado gerenciador e produtor da cidade que entendia o espaço urbano e a sua expansão como projeto cívico e político. O governo da Unidad Popular chegará a construir blocos de moradias sociais nessa extensão pública, alguns dos quais ainda existem cercados pelos novos prédios corporativos, o parque Araucano e o centro comercial Parque Araujo, localizados nestes terrenos públicos que haviam sido vendidos pelo governo militar posterior.
Esta anterior perspectiva é a que se modifica em 1973 com o novo regime de exceção política da ditadura, onde opera um claro rompimento ideológico e relevamento discursivo do Estado como produtor da cidade. O Estado só atuará como facilitador de projetos lucrativos, e nesse contexto, o mall irá se converter no único espaço de conotação comunitária. Em todo o terreno da CCU, não existe um espaço aberto de uso de proporções, sendo o interior do mall do Costanera Center o único espaço de interação social, com todas as limitações que isto supõe.
Assim apresentadas as formas de produção da cidade, elementos do projeto como a configuração do solo, as sua características de propriedade, normativa e viabilidade não são prévios ao projeto e à sua execução mas, ao contrário, esses elementos são dispostos pelos atores promotores no mesmo momento em que formula e gerencia o projeto. Simultaneamente avança um projeto previamente prefigurado, enquanto são anulados outros planos urbanos, asseguram-se margens de negociação e/ou sociedade com os poderes políticos e adequam-se as normativas.
Para a possibilidade e viabilidade do Costanera Center era necessário um processo de configuração crescente do local, que supõe a propriedade do solo, o traçado de rodovias que garantam o fluxo, as predisposições legislativas e os entes reguladores, a caracterização dos usos funcionais e grupos sociais da área - uma delimitação de classe do local
- Todos esses elementos que se avaliam, processam e predispõem antecipadamente na hora da tomada de decisões incidindo no projeto presente e que por esta simultaneidade no passado, instala-se de tal forma e naturalidade que hoje dificulta a regulação nas suas formas e efeitos.
Co-produção do espaço urbano, co-produção da legalidade?
O Costanera Center na sua escala e impacto é um empreendimento que compromete largos e importantes elementos da trama social. Na sua interação com o contexto de produção supõe os variados componentes da dinâmica social. Por esse motivo a análise não pode ser explicada apenas a partir da particularidade do projeto específico.
Inversamente, seus episódios fazem parte das condições, possibilidades e determinações gerais da forma de produção da cidade.
Versus a relevância do Estado como ator protagonista na produção da cidade, agora, o espaço urbano fica estabelecido na co-produção público-privada. A concorrência do capital privado adquire maior participação, quando não resulta imprescindível, para intervenções a partir de certas escalas.
Nesse contexto de coprodução público privada, a normativa que regula as formas urbanas dos empreendimentos não é prévia ao projeto, não é preexistente e não é definida em uma solidão neutra desde os órgãos públicos e com capacidade de estabelecer as diretrizes mais importantes. Ao contrário, o marco regulatório é reavaliado em consonância com as propostas dos atores promotores no mesmo momento em que se formula o projeto.
A iniciativa, que foi concebida pelos promotores, uma vez garantidas as condições legais de realização e é com as condições legais de realização e a adaptação das regras ou formas de negociação e/ou a sociedade com as autoridades públicas, que o projeto progride. Ressaltamos, a normativa é condicionada e modelada pelo projeto e não vice-versa.
A legalidade urbana produzida desta forma constitui uma componente chave para uma “naturalização” da cidade dos grandes atores econômicos. A análise crítica do empreendimento precisa reorientar o entendimento do seu projeto: torna-se necessário removê-lo da sua materialização presente e levá-lo ao surgimento das ações anteriores quando o projeto foi concebido. Isso elimina a sua naturalidade, para entendê-lo em um campo de tensões históricas.
Embora seja inerente que uma co-produção supõe a negociação de partes, o peso que está adquirindo a parte privada com capacidades cada vez mais crescentes nessa negociação, coloca a questão a respeito da possibilidade do poder público de estabelecer condições nas intervenções e com isso incidir na definição da forma urbana. Isto coloca novos desafios como por exemplo a necessidade de repensar instrumentos públicos de atuação que reequilibrem o jogo de forças nessa negociação.
Por isto é de grande importância a experiência das intervenções realizadas, dando profundidade às análises das mesmas através de um enfoque que fuja do estudo limitado do fenômeno no seu tempo e no espaço, para inseri-lo no contexto ampliado das condições de produção da forma urbana. O trabalho apresentado, através da análise do empreendimento Costanera Center, traz assim uma abordagem histórica orientada orientada por esse enfoque.
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