A periferização da cidade produzida pelo Estado: o setor sudeste de João Pessoa/Paraíba
Resumo
Este artigo resulta da pesquisa cujo objetivo foi de investigar o histórico de produção e apropriação do setor sudeste da cidade de João Pessoa – PB, que abriga 141.803 habitantes, caracterizados, em sua maioria, pelas classes de média e de baixa renda, que estão distribuídos em uma área de 2.136,30 hectares. O estudo focou no recorte temporal que se deu a partir da década de 1980 – período em que esse setor sofreu uma maior expansão territorial, devido à inserção de conjuntos habitacionais populares, a partir de incentivos do Banco Nacional de Habitacional/BNH –, seguindo até o ano de 2011. Os resultados obtidos colocam a atuação do Estado, a partir das políticas federais, como o principal agente produtor do setor sudeste de João Pessoa. Em um primeiro momento, com a execução do anel rodoviário e a implantação do Campus Universitário e, em seguida, com a atuação do Banco Nacional de Habitação
– BNH – e a produção dos conjuntos habitacionais populares. Atualmente, esse espaço intraurbano concentra 20% da população de João Pessoa, em 10% do território da cidade. Este cenário apresenta-se como um reflexo do modelo de ocupação e apropriação adotado, imposto pelo Estado, e acentua a dinâmica de segregação sócioespacial, consolidando esses espaços, como um setor, que concentra a classe de média e baixa renda.
Palavras-chave: políticas habitacionais, conjuntos habitacionais populares, histórico de produção.
Abstract
This papper results from a research that objectivate to investigate the historical production and apropriation of the southeast sector of the city of João Pessoa - PB - Brazil, gathering 141,803 inhabitants , characterized mostly by the middle and low classes, which are distributed in an area of 2136.30 acres . The study focused on the time frame from the 1980s - the period in which this sector suffered greater territorial expansion , due to the inclusion of public housing , incentives from the National Housing Bank / BNH - following up year 2011 . The results of this research, put the actions of the state as federal policies, as the main land producer agent of the southeastern section of João Pessoa. At outset , with the implementation of the ring road and deployment of the University Campus , and then , with the performance of the National Housing Bank - BNH - and the production of public housing. Currently , this urban space concentrates 20 % of total population of the city , in 10 % of the territory. This scenario presents itself as a reflection of the occupation and appropriation adopted, imposed by the State , and accentuates the dynamic model of spatial segregation , consolidating these spaces as industry , which concentrates the middle class and low income.
Keywords: housing policies, public housing, history of production.
Introdução
As formas apresentadas pelas cidades refletem as organizações sociais, as estruturas políticas e econômicas e o modo de vida dos seus habitantes, sendo a sua morfologia
construída, com maior frequência, a partir de necessidades, vontades e decisões políticoeconômicas (MAIA, 2005). Essa afirmação pode ser complementada por Castex et al (2005) quando apontam que a cidade e a sua inserção no território geográfico – a forma, o desenho de suas vias, a organização do seu tecido, et coetera
- não é independente dos grupos sociais que a produzem, que nela vivem e que a transformam. Em relação à produção da cidade, Panerai (2006) observa que são vários os agentes responsáveis pela sua construção: o Estado, os operários, os empresários, os proprietários imobiliários, os construtores, os comerciantes, os técnicos, os movimentos sociais que lutam por moradia, et coetera.
Em uma análise do histórico das práticas que se refletem na metamorfose do tecido urbano, Maia (2005) afirma que no Século XX, as intervenções urbanas passaram a ocorrer de maneira mais intensa e, por conseguinte, a produzir transformações no uso dos seus territórios, e portanto, na vida cotidiana dos seus habitantes. Esta informação pode ser complementada quando Panerai (2006, p.11) coloca que a urbanização da segunda metade desse século, modificou “radicalmente” a paisagem urbana, através das alterações no volume das edificações, dos modos de implantação, das técnicas utilizadas e das disposições e dimensões dos espaços livres, que começaram a indicar uma ruptura temporal e espacial mais veloz.
Dentro desse contexto, esta pesquisa investigou o histórico de produção e apropriação do espaço intraurbano localizado no setor sudeste de João Pessoa, capital da Paraíba, região nordeste do Brasil, cidade em processo de metropolização, que possui uma malha urbana de 211,474 Km2, onde se distribui uma população de 723.525 habitantes (IBGE, 2010).
O setor analisado, composto pelos bairros, Castelo Branco, Anatólia, Mangabeira, Jardim São Paulo e Jardim Cidade Universitária, caracteriza-se por abrigar 141.803 habitantes de João Pessoa, caracterizados, em sua maioria, pelas classes de média e de baixa renda, que estão distribuídos em uma área de 2.136,30 hectares (IBGE, 2010). Sua origem se deu a partir de intervenções do Governo Federal, com ênfase para a implantação de conjuntos habitacionais populares.
Embora o processo de produção e apropriação desse setor tenha iniciado na década de 1960, este artigo focou no recorte temporal que se deu na da década de 1980, período em que ele sofreu uma maior expansão territorial, devido à inserção de conjuntos habitacionais populares Bancários, Anatólia e, principalmente Mangabeira – o mais populoso e periférico – seguindo até o ano de 2011 – ano final da pesquisa, que teve duração de dois anos.
Quanto à metodologia, a pesquisa foi estruturada em três fases, (a) coleta de dados referentes à fundamentação teórica e ao levantamento históricoespacial: pesquisa bibliográfica e documental, e de dados de órgão oficiais; (b) sistematização e análise dos dados, com respaldo no estudo de Panerai (2006); e produção de mapas de recortes de tempo-espaço do histórico de produção e apropriação do objeto empírico de análise, e o diagnóstico final.
A Fig. 1 ilustra o objeto empírico de análise desta pesquisa.
LEGENDA:
- Torre
Centro
1
2
4 5 3
6
7
Oceano Atlântico
-
Castelo Branco
-
Bancários
-
Jardim São Paulo
-
Anatólia
-
Jardim Cidade Universitária
Mata do Buraquinho
Rio Jaguaribe
Av. Dom Pedro II
- Mangabeira
N
Figura 1: Ilustração do município de João Pessoa com o objeto empírico de análise destacado.
Fonte: Omitido para avaliação, 2012.
Início do processo de produção do setor sudeste de João Pessoa
O processo de urbanização acelerado de João Pessoa, que se iniciou em princípios do século XX, promoveu a implantação do Parque Sólon de Lucena no bairro do Centro
– território onde a cidade esteve concentrada por aproximadamente 300 anos (SILVEIRA, 2004). Além disso, possibilitou a inserção de territórios contíguos à área central, a exemplo do bairro da Torre, que teve origem em finais da década de 1930, direcionando o tecido urbano de João Pessoa até um limite físico, o Vale do Rio Jaguaribe (COUTINHO, 2004; VIDAL, 2004).
Segundo Silveira (2004, p.190), a Torre representou um dos principais produtos do processo de urbanização de João Pessoa, caracterizando-se como um dos “objetos sociais mais arrojados da época, por ser um espaço projetado [conforme a proposta formulada por Nestor de Figueiredo]”.
Apesar da importância do bairro da Torre no processo de expansão urbana de João Pessoa em direção a sudeste, verificou-se que o início do processo de ocupação e apropriação da área objeto de estudo, ocorreu, efetivamente, no início da década de 1960, com o avanço territorial sobre o Vale do Rio Jaguaribe, através da ampliação do sistema rodoviário, com a implantação de um anel rodoviário, composto pelas BR 101 e BR 230, que passou a interligar o município de Cabedelo – ao norte – à saída sul da cidade. De acordo com Panerai (2006), a superação de um limite físico, delimita o recorte de tempo-espaço que marca o inicio do processo de expansão do tecido urbano analisado.
Esse fato ligou-se a uma série de obras federais que deu continuidade, como mencionou Coutinho (2004), a “mudanças consideráveis [relacionadas ao seu processo de urbanização] no panorama de João Pessoa”. Junto à execução do anel rodoviário, outro acontecimento ganhou importância, a inserção do Campus Universitário em suas proximidades, que se caracterizou como um marco institucional
na expansão urbana da cidade, uma vez que, induziu através da transferência das atividades universitárias que ocorriam no bairro do Centro, o crescimento nessa direção (SCOCUGLIA, 1999).
Ao analisar a inserção do Campus Universitário no tecido urbano de João Pessoa, Pereira (2008) coloca que a sua localização foi fundamental no processo de crescimento da cidade e teve como fator principal, pertencer a Fazenda São Rafael, terras de propriedade do Governo Estadual – fator que reduziu os custos de implantação desse equipamento.
Em finais da década de 1960, o Estado identificou um problema relacionado à aquisição de moradias pela população de menor poder aquisitivo, que não atingiu apenas João Pessoa, mas todo o país (SCOCUGLIA, 1999). Pode-se colocar que a superação da barreira do Vale do Rio Jaguaribe, foi conveniente para o Estado, do ponto de vista políticoeconômico, ao considerar o setor sudeste uma alternativa para a produção de assentamentos residenciais destinados a essa parcela da população, concretizados sob a forma de conjuntos habitacionais populares (BONATES, 2009; SCOCUGLIA, 1999).
O interesse por essa área foi motivado por vários fatores, dentre eles, deve ser destacado, que as terras situadas no setor sudeste pertenciam ao Governo Estadual e, naquele momento, localizavam-se na periferia da cidade, que mesmo não tão longínqua ao centro, situavam-se distantes da praia, fato que as tornava desvalorizadas (BONATES, 2009). Outro critério considerado foi apontado por Pereira (2006, p.231), “o modelo de moradia predominante nesses conjuntos – residência unifamiliar isolada ou agrupada duas a duas – demandava a ocupação de grandes glebas, de modo a estimular ainda mais o interesse por esse território”, pois era extenso.
O início dessa atuação se deu com o Conjunto Castelo Branco, que foi implantado em uma parcela da fazenda São Rafael, em três etapas – I, II e III – sendo localizado próximo ao anel rodoviário – BR 230 – e ao Campus Universitário (FRANÇA et al, 2008). Foi o primeiro empreendimento habitacional a ultrapassar o Vale do Rio Jaguaribe, sendo caracterizado por autores, a exemplo de Lavieri e Lavieri (1999), como um dos principais componentes do vetor de direcionamento do crescimento da cidade a sudeste, pois iniciou a ocupação habitacional nessa área, representando 39% das unidades residenciais pertencentes aos conjuntos habitacionais produzidos entre o período de 1968-1974, totalizando 1791 unidades.
Embora a implantação do conjunto Castelo Branco seja de grande relevância para o processo de produção e apropriação do setor sudeste de João Pessoa, esse conjunto ainda se concentrava próximo à área central da cidade, foi durante a década de 1980, que se observou um maior crescimento territorial da área investigada, com ênfase no conjunto Mangabeira.
A Fig. 2 ilustra o tecido urbano de João Pessoa em finais da década de 1970, com o setor sudeste destacado.
Figura 2: Ilustração do município de João Pessoa com o objeto empírico de análise destacado.
Fonte: Omitida para avaliação, 2012.
O Banco Nacional de Habitação e o setor sudeste de João Pessoa durante a década de 1980
O presente item dá continuidade ao processo que constituiu a produção do setor sudeste de João Pessoa. Os protagonistas foram o Estado e as políticas federais de habitação popular, que inseriram nesse setor da cidade, no recorte temporal de uma década – 1980 –, um considerável contingente de unidades habitacionais, que ocupou um extenso território.
Dentro do contexto de expansão da malha urbana de João Pessoa, neste recorte temporal, as terras situadas a sudeste foram as mais visadas, percebendo-se um crescimento mais acelerado, com a estruturação desse território, a partir dos conjuntos Bancários, Anatólia e, principalmente, Mangabeira. De acordo com os conceitos discutidos por Panerai (2006), esses conjuntos habitacionais populares podem ser considerados uma “linha de crescimento”, uma vez que produziram um traçado sobre o qual se alinharam os demais espaços livres e os elementos edificados, ordenando o tecido urbano em suas laterais, ou seja, os crescimentos secundários.
Verificou-se que essa ocupação se deu a partir da construção dos conjuntos habitacionais populares pelo BNH, em parceira com órgãos-gestores, como o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais – INOCOOP – e a Companhia Estadual de Habitação – CEHAP – (ARAÚJO, 2006). Sendo o primeiro, voltado para uma população de melhor renda e atuando em espaços mais bem localizados – próximos da área central –, e o segundo, destinado para a classe de menor renda, focando em locais periféricos (BONATES, 2009; SCOCUGLIA, 1999).
Sendo assim, aferiu-se que a consolidação da linha de implantação desses conjuntos no setor sudeste, definiu um novo patamar na ocupação do espaço intraurbano de João
Pessoa, a formação de novas áreas periféricas. Considerando uma linha retilínea em relação ao bairro do Centro, enquanto o conjunto Castelo Branco foi situado a uma distância aproximada de 3,5 km, os implantados posteriormente foram inseridos em um raio de até 10 km – o conjunto Mangabeira (LAVIERI E LAVIERI, 1999).
Esse fato sofreu influência da aceleração do processo de favelização em João Pessoa, que se deu principalmente no entorno do anel rodoviário e em áreas carentes de infraestrutura e inadequadas para moradia – como os vales de rios, mangues, regiões de topografia acidentada e linhas de transmissão de energia elétrica (BONATES, 2009).
A colocação acima pode ser reforçada pela afirmação de Maia (2007), a qual considera que esse processo foi característico das cidades brasileiras, com ênfase na década de 1980, quando passaram a receber um forte contingente migratório, principalmente em função da concentração fundiária no campo. A autora ainda complementa que ao chegar às cidades, os migrantes não encontravam habitações acessíveis e passavam a ocupar as áreas de domínio público, particularmente as que não estavam sob o comando do mercado imobiliário, produzindo áreas de favelas. E conclui, “nesse momento, ocorreu a periferização da cidade produzida pelo Estado, com a construção dos conjuntos habitacionais populares” (MAIA, 2011, p.01).
Sendo assim, em relação à área referente ao objeto empírico de análise desta pesquisa, pode-se caracterizar a década de 1980, como um período de consolidação dos territórios periféricos, que concentrou a maior parte dessa produção nas etapas referentes ao conjunto Mangabeira. Consolida-se, portanto, uma linha de expansão além do Campus Universitário, resultado principalmente da existência de grandes glebas urbanas “a baixo custo” e do estoque de terras cuja posse pertencia ao Estado. A maioria dos empreendimentos produzidos era de grande porte e atendeu a uma clientela com um poder aquisitivo mais restrito (LAVIERI; LAVIERI, 1999).
Deve-se ressaltar que nem todos os conjuntos produzidos pelo BNH no setor sudeste, durante essa década, resultaram da política de remoção de favelas, alguns foram implementados devido à formação de cooperativas, a exemplo dos conjuntos Bancários e Anatólia, que tiveram como órgão financiador o INOCOOP.
Durante o período de 1964 a 1986, construiu-se no setor sudeste, 56% das unidades de habitação produzidas pelo BNH em toda a malha urbana de João Pessoa. Verificou-se ainda, que durante a década de 1980, esse setor concentrou 76% das unidades executadas por esse órgão, perfazendo um total de 11.220 unidades, em três conjuntos
– Bancários, Anatólia e Mangabeira. Deve-se destacar que o recorte temporal utilizado para o cálculo desses dados seguiu até 1986 – ano da extinção do referido órgão.
Os conjuntos habitacionais Bancários, Anatólia e Mangabeira
Como já mencionado, foi a partir da inserção dos conjuntos Bancários, Anatólia e Mangabeira, que se observou uma demasiada expansão territorial do setor sudeste de João Pessoa. Embora tenham sido implantados no mesmo recorte temporal, distinguiam-se por diversas características: enquanto os dois primeiros voltavam-se para a classe média, situavam-se próximo ao anel rodoviário e ao Campus Universitário e foram financiados pelo INOCOOP, o terceiro voltava-se para a parcela
de menor renda ou oriundas da zona rural, situava-se distante do anel rodoviário e foi financiado pela CEHAP.
O conjunto Bancários foi o primeiro assentamento a ser inserido na área estudada, situado logo após o Campus Universitário, cuja finalidade foi de contemplar trabalhadores vinculados às instituições bancárias e aos servidores da UFPB. O projeto desse conjunto foi realizado no ano de 1978, com a denominação de Loteamento Itubiara, tendo seu nome alterado para conjunto Bancários, em 1980, ano da conclusão da sua construção (ORRICO, 2009). Nesse período, a construção coletiva era um artifício utilizado para o barateamento das moradias, como colocado por Silva (2000),
Os preços dos terrenos aumentam a media em que as cidades vão crescendo, obrigando cada vez mais a construção coletiva. João Pessoa se oferece para uma grande expansão, dispondo de áreas que têm sido aproveitadas com outros tipos de construções, conjuntos financiados pelo BNH, IPEP e Caixa Econômica Federal. (SILVA, 2000, p. 06 apud ORRICO, 2009)
Esse conjunto foi construído num espaço adjacente ao Vale do Jaguaribe e a Mata do Buraquinho, ao conjunto Castelo Branco e ao Campus Universitário, sendo localizado nas proximidades do anel rodoviário e, estando naquele momento, a constituir a região mais periférica, quando considerado o eixo no sentido Centro/região sudeste da cidade – contou com 1.500 unidades habitacionais. No ano seguinte, contíguo a ele, houve a entrega de 222 unidades referentes ao Conjunto Anatólia, que se caracterizou por ser o menor território de João Pessoa – aproximadamente 1% da área da cidade.
Ao passo que a classe média tentou solucionar o problema da escassez de recursos através da construção coletiva, segundo Orrico (2009, p.28), “o homem ao sair da zona rural por falta de empregos, passou a compor a malha urbana da capital”, com isso, os resultados desse processo refletiram-se na cidade, criando contrastes cada vez maiores entre os bairros e habitações voltadas para a classe mais abastada e as moradias e favelas em condições subumanas, ou ainda, os conjuntos habitacionais localizados em regiões distantes da área central, desprovidos de infraestrutura básica, como foi o caso do conjunto Mangabeira.
O Conjunto Residencial Tarcísio de Miranda Burity, popularmente conhecido como Mangabeira, teve seu projeto finalizado em 1979, ano que foi iniciada a sua construção, e visava: “resolver os déficits habitacionais de populações de baixa renda e oriundas das favelas” (SILVA, 2006, p.16). De acordo com Araújo (2006), a primeira etapa foi finalizada no ano de 1983, tendo sido construída na área territorial que compreendeu a Fazenda Cuiá, pertencente ao Estado. As outras etapas foram executadas nas terras desmembradas da Fazenda Mangabeira (OLIVEIRA, 2006).
Quanto à localização do Conjunto Mangabeira, Bonates (2005) fez as seguintes considerações,
A localização de Mangabeira é explicada pelo fato de o governo do estado ser proprietário de extensas glebas nessa
área, o que favoreceu ali a implantação das habitações produzidas pela CEHAP e pelo IPEP. Isso não significa, todavia, que as terras foram doadas, seu custo foi repassado aos mutuários, embutido no financiamento, segundo informações obtidas de um técnico da própria CEHAP (BONATES, 2009, p.140).
Dentre os bairros e conjuntos habitacionais que compreendem o objeto empírico de análise desta pesquisa, o Conjunto Mangabeira foi localizado na região mais periférica da cidade, destacando-se pela longa distância que se encontrava da área central e pelo porte do empreendimento, que na mesma década teve continuidade com a inserção de outras etapas – II, III, IV, V e o PROSIND –, totalizando 10.543 unidades de habitação (ORRICO, 2004). De acordo com a CEHAP (2011), o conjunto Mangabeira foi sendo construído em etapas devido à falta de liberação imediata de recursos. As características desse conjunto habitacional popular também foram ressaltadas por Lavieri e Lavieri (1999), “localizado em terras do Estado, veio destoar bastante dos demais, seja pelo seu porte bem mais acima dos restantes, seja por sua localização (LAVIERI; LAVIERI, 1999, p.51)”.
De acordo com Scocuglia (1999), estas características contribuíram para agravar as condições de segregação sócioespacial, que refletiram uma lógica que se distinguia entre a cidade dos conjuntos habitacionais populares e a “cidade modernizada”, intencionalmente diferenciadas, porque não foram resultado de um “crescimento espontâneo”, e sim, planejado pelo poder público e por outros agentes, fato que relaciona-se com a teoria de Hoyt (1939).
Esses aspectos ressaltam que a disposição do espaço intraurbano traduz as relações conflitantes entre o capital e o trabalho, condicionado não somente no sentido material, mas nas relações de poder projetadas territorialmente e nas práticas socioespaciais inscritas no espaço (SOUZA, 2001). O processo de “periferização planejada” da área analisada segue o pensamento de Harvey (1973, p. 212), que relaciona a localização intraurbana com a renda de seus habitantes e, impõe a ela, o comando sobre os recursos sociais. O autor ainda afirma que, “o domínio do espaço sempre foi um aspecto vital da luta de classes”, que em relação ao setor analisado, foi imposto a sua população residente.
A inserção dos conjuntos habitacionais populares no setor sudeste durante a década de 1980 delineou o seu traçado urbano e a sua dimensão territorial, em que se direcionou para esse setor da cidade, um considerável contingente de unidades residenciais, formando, como resultado dessa prática de ocupação, um setor periférico.
A Fig. 3 ilustra a malha urbana de João Pessoa em finais da década de 1980, com o setor sudeste destacado.
Figura 3: Mapa esquemático da malha urbana do setor sudeste de João Pessoa no final década de 1980. Fonte: Omitida para avaliação, 2012.
O setor sudeste de João Pessoa após a atuação do BNH
Com o encerramento das atividades do BNH em 1986, João Pessoa passou novamente a enfrentar o problema da provisão de moradias de cunho popular. A partir de 1990, na tentativa de mitigar esse problema, vários agentes participaram do processo de incremento do parque habitacional da cidade (SCOCUGLIA, 1999). Bonates (2009) os classifica em duas categorias: agentes públicos e agentes privados, e os distingue colocando que os agentes públicos são representados pelas instituições do governo estadual ou municipal, que receberam a concessão de financiamentos da CAIXA – a nível federal – ou financiaram diretamente a produção de moradias para a população de renda mais baixa. Essas instituições são no nível municipal: a Prefeitura Municipal de João Pessoa – PMJP – e no nível estadual: a CEHAP, a FAC e o IPEP. Já os agentes privados são aqueles que receberam a concessão de financiamentos da CAIXA, podendo ser cooperativas de habitação, como a Cooperativa Habitacional do Estado da Paraíba – COHEP – e as empresas do ramo da construção civil.
Quanto à atuação dos agentes públicos, estes preservaram a área de influência mais adotada na década anterior, produzindo conjuntos habitacionais populares localizados na região sudeste da cidade, focando em Mangabeira (CEHAP, 2011; FERNANDES, 2006). De acordo com dados fornecidos pela CEHAP (2011), em relação a esse conjunto habitacional, deve-se mencionar que durante a década de 1990, além das 1.962 unidades habitacionais produzidas no conjunto Mangabeira VII, ano de 1991, foram construídos grupos de moradias relacionados a sindicatos, financiados pela CEHAP, IPEP e FAC, que totalizaram um montante de 7.853 unidades.
Quanto à atuação dos agentes privados no setor sudeste, estes focaram na construção de edificações residenciais nos territórios referentes aos vazios urbanos resultantes da produção dos conjuntos habitacionais populares, Bancários, Anatólia e Mangabeira,
onde foram criados os loteamentos Jardim São Paulo e Jardim Cidade Universitária. Os dados coletados indicam que essa ocupação se deu no momento de valorização dessas terras, devido a sua proximidade com o Campus Universitário, que atraiu para suas adjacências, usuários dos seus serviços, principalmente estudantes (IBGE, 2010; FURTADO, 2006).
O processo de adensamento desses loteamentos tomou intensidade, a partir de meados da década de 1990, quando se percebe o início da verticalização dessa área, reforçando o adensamento habitacional, que focou no modelo de residência multifamiliar, consequência do aumento na procura por esse setor da cidade (BONATES, 2009; FURTADO, 2006; PMJP, 2011). De acordo com Bonates (2009),
os espaços dos Bancários também foram foco dos agentes privados. O “Relatório de evolução dos bairros dos municípios de João Pessoa”, elaborado pela PMJP (2011), destacou a potencialidade da UFPB em atrair a população para o seu entorno.
A prática de ocupação identificada no setor sudeste, faz com que esse território, atualmente, represente 10% da área total do município de João Pessoa, concentrando aproximadamente 20% da população e dos domicílios da cidade, em que, cerca de 10% localizam-se em Mangabeira.
Esse evento enquadra-se nas colocações de Panerai (2006) quando menciona que ao longo do Século XX, constata-se nas cidades, uma inversão entre o centro antigo e sua periferia, onde esta ultima, passa a representar, em superfície e proporção, a maior parcela da população. Sendo assim, a cidade vai sendo redefinida, no contexto da dinâmica do modo capitalista de produção, em uma perspectiva entendida como espaço de produção, consumo e força de trabalho, onde a disputa por localizações influencia a estruturação urbana (VILLAÇA, 1998).
A partir da apreensão da dinâmica intraurbana do setor sudeste de João Pessoa, tornou-se evidente a estratificação do solo ocorrida na malha urbana da cidade. Pereira (2006) coloca este fato da seguinte forma, “enquanto a área ocupada pela pequena burguesia avançou para o mar, a classe proletária localizou-se, de modo preferencial, nas terras da zona sul, região periférica” (PEREIRA, 2008).
De acordo com Casttels (1939, apud CORRÊA, 1989), a distribuição das residências no espaço produz uma diferenciação social que promove uma estratificação do uso e ocupação do solo e, quando a distância social produz uma forte expressão espacial, ocorre a segregação urbana. A Fig. 4 ilustra o objeto empírico de análise em finais da década de 2000.
Figura 4: Mapa esquemático da malha urbana do setor sudeste de João Pessoa em finais da década de 2000. Fonte: Omitido para avaliação, 2012.
Considerações Finais
A partir do exposto, pode-se considerar a atuação do Estado, a partir das políticas federais, como o principal agente produtor do setor sudeste de João Pessoa. Em um primeiro momento, com a execução do anel rodoviário e a implantação do Campus Universitário e, em seguida, com a atuação do Banco Nacional de Habitação – BNH.
Identificou-se, a princípio, a formação de um território contíguo ao Centro, o bairro da Torre, que expandiu a malha urbana da cidade até um limite físico, o Vale do Rio Jaguaribe. Durante duas décadas e meia, finais de 1930 até 1963, esse elemento geográfico atuou como barreira para o crescimento do tecido urbano de João Pessoa em direção a sudeste, sendo superado efetivamente com a execução do anel rodoviário – BR 101 e BR 230. A superação do Vale do Rio Jaguaribe teve continuidade com a construção do Campus Universitário, aferindo-se que a instalação desse equipamento, funcionou com um polo de indução para início da ocupação habitacional nessa área, a partir da inserção dos conjuntos habitacionais populares, iniciada com o conjunto Castelo Branco, sob o financiamento do BNH, em finais da década de 1960.
A partir da década de 1980 verificou-se que a construção dos conjuntos habitacionais populares, Bancários, Anatólia e Mangabeira, financiados pelo BNH, acentuou a expansão do setor sudeste de João Pessoa, onde se locou um contingente de unidades habitacionais, o maior da cidade nessa época, originando espaços distantes no núcleo central.
Durante a análise do período pós-BNH percebeu-se os reflexos da prática de ocupação ocorrida nesse setor: um considerável adensamento habitacional e por consequência populacional, quando comparados às demais áreas da cidade, e a atuação dos agentes
privados, juntamente com a especulação imobiliária. Todo esse cenário também acentuou a dinâmica de segregação sócioespacial, consolidando esses espaços, como um setor, que concentra as classes de média e de baixa renda.
A lógica de que, quanto menor a renda da população residente, mais distante encontra-se localizada do Centro, foi identificada na área analisada. Essa configuração pode ser mais bem notada com os bairros constituídos após o anel rodoviário, onde, Bancários, Jardim São Paulo, Anatólia e Jardim Cidade Universitária direcionam-se para a classe média e Magabeira para a classe de menor renda.
Infere-se que o fato do Estado ter sido detentor de terras nesse setor da cidade, durante recorte temporal analisado, foi determinante para a forma como ocorreu a sua prática de produção e apropriação. Esse fator enquadra-se na colocação de Castells (1978), de que, o espaço não está organizado ao acaso, os processos sociais exprimem a sua estruturação.
Essa prática evidencia uma questão: enquanto João Pessoa ficou concentrada durante aproximadamente trezentos anos em seu núcleo original, esse setor da cidade que, atualmente corresponde a cerca de 20% em população e domicílios e 10% em área, foi estruturado em apenas três décadas, o que ressalta Panerai (2006, p.11) quando coloca que a urbanização da segunda metade do Século XX modificou “radicalmente” a paisagem das cidades.
Deve-se mencionar que em 04 de setembro de 1998, através do projeto de Lei nº 1574, tendo como autor Luciano Cartaxo Pires de Sá, os conjuntos habitacionais de João Pessoa deixaram de ser denominados conjuntos para se chamarem bairros (ORRICO, 2004).
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