Resumo

Parte das teorias contemporâneas sobre a forma da cidade foca num debate dual: de um lado, estudos analíticos e históricos demonstram a intensidade do crescimento e expansão territorial da urbanização, sua permanência e irreversibilidade, formando o paradigma da cidade dispersa; do outro, estudos que objetivam frear essa dispersão e prover respostas urbanísticas baseadas no resgate de padrões espaciais da cidade "tradicional", formam o paradigma da cidade compacta. Há um embate entre coesão e dispersão no discurso urbanístico contemporâneo, onde a questão do limite à expansão urbana é aspecto central. Mas esta questão já foi debatida e trabalhada profundamente em outros tempos, particularmente durante a industrialização acelerada dos EUA e do Brasil na virada para o século XX. Então, encontrariam os paradigmas contemporâneos de urbanismo um paralelo na virada do século XX? Isto implicaria em dizer que nem todas as questões que cercam a hiper-urbanização do século XXI são novas? Esta é a discussão que este breve trabalho pretende levantar, desenvolvida em três partes: o contexto econômico e social da industrialização e acelerado crescimento urbano a partir de 1920 no Brasil; os desdobramentos desta expansão urbana populacional e física no debate urbanístico à época, por meio de uma breve revisão dos textos do engenheiro- arquiteto Anhaia Mello; e uma conclusão comparativa com o debate urbanístico contemporâneo.

Palavras-chave: cidade compacta, cidade dispersa, discurso profissional, Anhaia Mello

Abstract

Part of the contemporary theories of urban morphology focus on a dual debate: on one side, analytical and historic studies demonstrate the intensity, permanence and irreversibility of the territorial expansion of the urbanization process, forming the disperse city paradigm; on the other side, studies that aim to refrain this dispersion, providing morphological answers based on rescuing spatial patterns of the “traditional” city, form the compact city paradigm. There is a discussion between cohesion and dispersion in contemporary urban theory. But this issue has already been profoundly debated before, particularly during the late industrialization in USA and Brazil in the

turning of the 20th century. Would the contemporary urban paradigms find a parallel in the begging of the 1900? Would that mean that not all questions that surround the hiper- urbanization of the 21st century are new? That is the discussion of this paper, developed in three parts: the economic and social context of the Brazilian industrialization and accelerated urban growth after 1920; the repercussions of that process in the professional debate of the period, through a brief incursion in Anhaia Mello writings; a

comparative conclusion with the contemporary urban theory debate.

Keywords: compact city, disperse urbanization, professional discourse, Anhaia Mello

Introdução

O século XX foi uma era de intensa urbanização, estendida intensivamente pelo território global. Nunca antes houve tantas cidades nem tantas pessoas vivendo nelas. A intensidade e extensão da urbanização, e os problemas ambientais, sociais e econômicos explicitados no espaço da cidade, indicam a necessidade de se encontrar uma versão

equilibrada de urbanização. Neste debate se localizam dois paradigmas: o da cidade dispersa e o da cidade compacta (ABRAMO,2008,p.26).

O paradigma da cidade dispersa retrata uma realidade que não se restringe ao contexto brasileiro, ou latino americano, mas é global, transnacional: a expansão rápida e ampla das áreas urbanizadas; a dispersão dos tecidos urbanos. Suas principais características são: (1) Descentralização da população, do emprego e dos serviços; (2) Produção de “novas periferias”; (3) Extensão da área urbanizada por vasto território, separadas fisicamente mas fortemente interdependentes, formando um sistema urbano único; (4) Desenvolvimento de novos modos de vida, viabilizados pela maior mobilidade (especialmente a individual), “organizando seu cotidiano em escala metropolitana e inter-metropolitana, envolvendo diversos municípios”; (5) Novas formas de organização urbanística: condomínios e loteamentos fechados, empreendimentos de usos múltiplos isolados, shoppings centers (REIS FILHO, 2007). A dispersão urbana tem sido bastante estudada no exterior e no Brasil, sendo reconhecida por muitos pesquisadores como irreversível e global.

Esta constatação da irreversibilidade do fenômeno da urbanização dispersa suscitou questionamentos acerca de qual paradigma urbanístico poderia melhor orientar o crescimento urbano. Outro grupo de pesquisadores passou a argumentar em prol de estratégias de contenção da dispersão urbana, reunidas em torno da ideia de cidade compacta. Pode-se sintetizar as diretrizes urbanísticas do modelo de cidade compacta contemporâneo como: (1) ocupar o solo de forma compacta (maiores densidades populacionais e construtivas) para diminuir as distâncias intramunicipais, diminuir o uso do automóvel e viabilizar o transporte coletivo e os modos não-motorizado; (2) ocupar vazios urbanos para otimizar os deslocamentos por transporte público; (3) limitar áreas de expansão urbana; (4) promover unidades territoriais autônomas em termos de oferta de equipamentos, serviços, empregos e moradia, como forma de diminuir a demanda por transporte e as distâncias a serem percorridas (polinucleamento); (5) fortalecer subcentros e criar novas centralidades para diminuir a convergência de deslocamentos para os centros das cidades(BURGESS; JENKS, 2006).

Alguns dos autores que tratam de coesão e dispersão constroem seu discurso de forma tão dramática, que levam a crer que a problemática urbana contemporânea seria absolutamente ímpar, única e nova na história da urbanização. Estaríamos vivenciando um momento de ruptura no processo de urbanização, onde a cidade se esvai em territórios amorfos e mutantes, impossíveis de serem reconhecidos como parte de uma construção histórica. Seguimos aqui uma linha de investigação diversa, colocada por Margareth Pereira (2008), argumentando que um olhar atento à história do processo de urbanização pode oferecer uma reação crítica à interpretação de que este momento é único e novo, completamente distinto e diverso na história da cidade:

A leitura dos compêndios de “história das cidades” ou de certos textos da “história das ciências sociais e humanas” nos permitem constatar o quanto são recorrentes os processos de mudança de escala, ritmo ou duração nas interações das cidades bem como os processos de regulação nas tecnologias de comunicação e informação, de “ajustes” macro-econômicos ou de investimento nas reformas da imagem das cidades [grifo nosso](PEREIRA, 2008, p.8).

Neste debate, a questão do limite é aspecto central ao trabalho do urbanista contemporâneo. Mas esta já foi debatida e trabalhada profundamente em outros tempos, particularmente durante a industrialização acelerada dos EUA e do Brasil na virada para o século XX. Então, encontrariam os paradigmas contemporâneos de urbanismo um paralelo na virada para o século XX? Isto implicaria em dizer que nem todas as questões que cercam a hiper-urbanização do século XXI são completamente novas? Esta é a discussão que este breve trabalho pretende levantar, desenvolvida em três partes: o contexto econômico e social da industrialização e acelerado crescimento urbano a partir de 1920 no Brasil; os desdobramentos desta expansão urbana populacional e física no debate urbanístico à época, por meio de uma breve revisão dos textos do engenheiro- arquiteto Anhaia Mello, um dos mais ativos e influentes urbanistas de sua época; e uma conclusão comparativa com o debate urbanístico contemporâneo.

Industrialização e crescimento das cidades brasileiras no início do século XX

A questão da industrialização como processo estimulador da migração interna e da urbanização, gerando a cidade industrial aglomerada e densa do início do século XX, é essencial para contextualizar do debate urbanístico levantado por Anhaia Mello a partir dos anos 1920. Naquele momento histórico, a questão de se limitar ou não a expansão urbana foi central aos técnicos, engenheiros e arquitetos que trabalhavam para a institucionalização do urbanismo (LEME; FERNANDES,2005; FELDMAN,2008).

Seguindo a tradição produtiva herdada da colônia, a economia brasileira do século XIX se baseava na exportação de produtos primários para os países centrais, com destaque para o açúcar e o café. Segundo Tavares (1973,p.59), o Brasil, assim como todos os países latino americanos, tinha seu processo econômico "voltado para fora", onde as exportações eram o principal componente da Renda Nacional e o setor exportador era "o centro dinâmico de toda a economia, (...) que deu lugar a um processo de urbanização mais ou menos intenso ao longo do qual iam estabelecendo as chamadas indústrias de bens de consumo interno” (TAVARES,1973,p.30). Neste momento, o processo de urbanização começa a acelerar, como mostra a evolução da população urbana na tabela a seguir.

Tabela 1- População Urbana no Brasil, 1872 – 2005 (em porcentagem). Fonte: SANTOS, 2005..

Ano

1872

1890

1900

1920

1940

1950

1960

1970

1980

Populaçã o urbana (%)

5,9

6,8

9,4

10,7

31,2

4

36,1

6

45,0

8

56,0

0

65,1

0

Apesar deste crescimento, o Brasil permanecia totalmente dependente das condições político-econômicas externas, importava as crises estrangeiras e era muito vulnerável às flutuações dos preços internacionais de seus poucos produtos exportados e da grande demanda por importação. Este modelo frágil entrou em colapso depois da crise de 1929, e foi profundamente revisto na década seguinte (PEREIRA, 1965, p. 85).

O ano de 1930 marca a chegada de Getúlio Vargas, que foi responsável pela política econômica de substituição de importações baseada na proteção do mercado interno, restringindo e controlando as importações como forma de incentivar a diversificação do

parque industrial interno por meio da elevação da taxa de câmbio, e compra de excedente e estoques de produtos agrícolas cujo consumo externo caíra vertiginosamente, com destaque para o café (TAVARES, 1973, p.33). Desta feita, buscava-se incentivar a produção interna de grande parte dos produtos até então importados, o que de fato aconteceu, e com grande velocidade, como mostra a tabela 2.

Tabela 2 - Pessoal Empregado na Indústria - 1907 – 1959. Fonte: IBGE, 2007.

+———–+———————+ | > Período | > Pessoal empregado | +===========+=====================+ | > 1907 | > 151.841 | +———–+———————+ | > 1912 | > 144.520 | +———–+———————+ | > 1920 | > 275.512 | +———–+———————+ | > 1939* | > 851.755 | +———–+———————+ | > 1949* | > 1.346.423 | +———–+———————+ | > 1959* | > 1.799.376 | +———–+———————+

A cidade que mais se industrializou e cresceu, tanto em termos de população quanto em termos territoriais foi São Paulo (CANO, 2011[1988]). De 579.033 habitantes em 1920, passou a 1.326.261 habitantes em 1940, a 2.198.096 em 1950 e 3.781.446 em 1960 (IBGE, 2014), suscitando um intenso debate no campo urbanístico da época.

O controle da expansão urbana no cerne do debate urbanístico no início do século XX – o discurso de Anhaia Mello

O “boom” da população urbana brasileira trouxe outros problemas aos profissionais urbanistas a partir da expansão e adensamento do tecido urbano: como a cidade deve se estruturar para acomodar a nova população recém-urbanizada? Segundo Feldman (2010,

p. 1), o debate e atuação dos urbanistas nesta década concentram-se em três questões principais: a ampliação da concepção de urbanismo, o lugar do urbanista na administração pública, e a questão que interessa particularmente a este trabalho, o controle do crescimento urbano (FELDMAN, 2008, p.49).

Dentre os vários profissionais que trabalharam para o estabelecimento do urbanismo como campo de atuação prática específico, dotado de problemáticas e metodologias particulares, queremos destacar a atuação do engenheiro-arquiteto Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello. Mais que tratar de sua atuação projetual e de planejamento, trataremos aqui da sua produção escrita como discurso que influenciou o pensamento urbanístico da sua época, especialmente focando as soluções urbanísticas por ele definidas como as mais adequadas para responder à aceleração da industrialização e ao exponencial aumento populacional do início do século XX.

Nosso objetivo não é repetir argumentos já consolidados sobre Anhaia Mello (LEME,1999; FELDMAN,1996,2008,2010; TOLEDO,2011), mas sim, a partir de

trabalhos anteriores e da análise de textos e palestras do urbanista, especular sobre possíveis paralelos entre seu discurso urbanístico e o debate contemporâneo, reconhecendo permanências na problemática urbana de limitar o crescimento das cidades.

Anhaia Mello nasceu em São Paulo em 1891 e se formou engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica em 1913, onde lecionou de 1918 até 1948. Foi professor na recém-

criada FAU-USP até 1961, e professor na pós-graduação da Escola Politécnica até 1968. Teve ampla atuação profissional e política, incluindo dois períodos como prefeito de São Paulo, além de intensa atuação em associações profissionais e civis (LEME, 1999,

p. 478-479). Escreveu e palestrou profusamente, deixando valioso material para análise do seu discurso pela contenção da expansão urbana como estratégia fundamental “para proporcionar um melhor ambiente para uma vida melhor” (ANHAIA MELLO, 1929, p.10).

Esta pesquisa se inicia com o texto Problemas de Urbanismo: Mais uma Contribuição para o Calçamento, publicado na revista Polytechnica em março de 1927, quando Anhaia Mello já indicava preocupação com a velocidade e a dimensão da expansão das áreas urbanas em São Paulo, dado o grande crescimento populacional. Ainda que neste texto a argumentação fosse em prol do estabelecimento de uma taxa de contribuição por melhorias cobrada dos particulares cujas propriedades fossem valorizadas pelo novo calçamento, Anhaia Mello já criticava veementemente a urbanização expansiva de baixa densidade:

A continuar um desenvolvimento animado de tanta força centrífuga e de tão fraca densidade de edificações, não está longe o dia em que todas as zonas do município estarão cortadas de ruas, cujo calçamento teremos que fazer (ANHAIA MELLO, 1927, p.359).

É preciso, pois, Sr. Presidente [falando ao presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo], pôr-se um freio a essa extensão desmesurada da cidade (ANHAIA MELLO, 1927, p.360).

Na palestra O Governo das Cidades, realizada no Instituto de Engenharia em 13 de dezembro de 1928, continuava a desenvolver sua argumentação sobre o crescimento urbano e os problemas da cidade moderna, onde podemos identificar o reconhecimento, já naquele momento, da necessidade de compatibilizar as novas tecnologias de transporte – especialmente o automóvel – com as demandas do espaço público: “o congestionamento, o automóvel, o arranha-céu, o transito rapido, crearam novas condições sociaes e economicas” (ANHAIA MELLO, 1929, p.6). Para ele, a cidade moderna se colocava entre a estabilidade, fixides da concentração industrial e a mobilidade interna e extensão proporcionadas pelo novos meios de transporte, e era papel do planejamento urbano conciliar estas duas características.

Até o final da década de 1920, Anhaia Mello ainda não problematizava a questão da limitação do crescimento urbano como temática central de suas palestras e escritos, que passam a ter lugar de destaque apenas na década seguinte, de 1930. Mas é importante reconhecer que, desde o início de sua carreira docente, Anhaia Mello estava completamente antenado ao debate urbanístico europeu, e particularmente ao norte- americano, sempre citando autores e publicações bastante recentes e auxiliando a difundir entusiasticamente as práticas urbanísticas daquele país, desde a organização do governo, até seus modelos de legislação urbana, de constituição e formação de repartições públicas de urbanismo, às metodologias e técnicas de planejamento (FELDMAN, 1996). Esta proximidade e admiração de Anhaia Mello para com a escola de City Planning estadunidense foi determinante na incorporação da temática da contenção urbana ao seu discurso, pois esta estava no centro do debate urbanístico norte-americano desde o final do século XIX (HALL, 2002).

Em 1930, Anhaia Mello concentra seus estudos e palestras sob o tema da gestão e controle governamental dos serviços de utilidade pública. Muito influenciado por diversos autores norte-americanos e por uma fortíssima visão de bem-estar coletivo, Anhaia Mello publica A Economica da Terra, em 1932. Neste texto, Mello argumenta pelo maior controle governamental das dinâmicas do mercado imobiliário (Anhaia Mello, 1932, p.419), mas trata, ainda, das altas densidades urbanas e do crescimento populacional nas cidades como problema urbanístico, e levanta uma questão importante para o crescimento urbano, que é a de “quando tornar a terra urbana?”, argumentando pela proteção das terras rurais e pelo controle da urbanização:

O prejuiso não é só dos que promovem estas subdivisões (over- subdivisions) [novos loteamentos em áreas antes rurais] em excesso, mas dos incautos que compram lotes e que devido á ausencia absoluta de qualquer serviço de utilidade publica, não podem construir e desesperam, deixando caducar as prestações ou revendendo a qualquer preço (ANHAIA MELLO, 1932, p.421)

Para Mello, os objetivos do organismo público regulador da cidade devem ser: (1) segregar usos utilizando técnicas de zoneamento; (2) proporcionar usos em diversidade e quantidade adequadas a cada zona; (3) reduzir congestionamento das habitações, dos centros comerciais e do trânsito e dos transportes; (4) reduzir os custos da expansão urbana, impedindo o excesso de loteamentos e o desperdício de terras rurais e urbanas. Percebe-se que Anhaia Mello é crítico da hiperdensidade, mas também das baixíssimas densidade suburbanas.

A problemática da limitação da área urbana ganha mais espaço nos textos de Anhaia Mello a partir de 1940. Chama a atenção o texto A Cidade, Base Material de Relações Sociais. Sociologia Urbana, Ecologia Humana e o Plano de Londres, de março de 1945, onde ele apresenta uma leitura da organização socioespacial urbana a partir da teoria da Escola de Chicago, utilizando Ernest Watson Burgess (1886-1966) e Roderick Duncan McKenzie (1885-1940) (ANHAIA MELLO, 1945). A resposta para a problemática social levantada na “metrópole mononucleada” são as ideias de cidade polinucleada e de unidade de vizinhança (ANHAIA MELLO, 1945, p.273).

Neste texto, Mello discorre sobre a perda da identidade comunitária na metrópole moderna, causada, segundo ele, pela avassaladora escala da área urbana, da grande população que perde seus vínculos de proximidade, pois “as condições artificiais das metrópoles privaram o cidadão dos canais naturais de expressão do seu interêsse e da sua devoção”, sendo necessário “uma transfusão de sangue cívico, para que renasçam as energias coletivas latentes; é preciso renovar a confiança na vitalidade da “neighborhood” como unidade social, política e moral (ANHAIA MELLO, 1945, p.273).

Na década de 1950, Anhaia Mello reforça seu discurso a favor do planejamento regional e da contenção do crescimento urbano como premissa de qualidade de vida. Na palestra O Urbanismo... êsse desconhecido, de novembro de 1951, Mello começa a aprofundar o questionamento acerca da incapacidade da oferta de equipamentos sociais e de infraestrutura de transporte acompanharem o crescimento populacional na cidade de São Paulo. Para ele, o planejamento regional integrado, proposto por Patrick Geddes e Lewis Mumford é a única solução viável para este problema, explicitando vigorosamente a necessidade de contenção do crescimento urbano:

Será preciso substituir de qualquer forma a “volonté d’acélération” pela “volonté de freinage”; substituir a mentalidade paleolítica pela neotécnica. A excelência das cidades não se mede pelo número de habitantes mas pelo standard de vida da totalidade desses habitantes.

É preciso, um exemplo apenas, limitar o crescimento urbano em extensão e altura, reduzindo drasticamente os gabaritos absurdos que os códigos permitem (ANHAIA MELLO, 1952, p.19)

Em 1954, Anhaia Mello escreve Hipertrofia das Cidades – Fator de Aniquilamento da Família: uma Tese em Sociologia Urbana, onde a temática do controle do crescimento toma o lugar central do seu debate. Nela, atenta para o desequilíbrio demográfico entre cidade e campo, especialmente nas metrópoles, e o potencial dano que este desajuste pode causar à “família brasileira, de tão belas tradições” (ANHAIA MELLO, 1954, p.4). Ele enaltece a pequena escala social do campo, sua homogeneidade de valores e a força do sistema de costumes e tradições, contrapondo-a à grande escala heterogênea, de anonimato e de “grandes distâncias sociais” da cidade. O aumento populacional ocasionado pela revolução industrial tem efeitos nefastos, criando “uma atmosfera de impermanência, de superficialidade, de externalidade, de irritação, de hostilidade generalizada” (ANHAIA MELLO, 1954, p.8), demonstrando especial preocupação com as condições das populações pobres. O desenvolvimento tecnológico no transporte, que aumenta a velocidade dos homens, os distancia da “autêntica harmonia [que] presidia a todas as relações de coisas e pessoas” (ANHAIA MELLO, 1954, p.9).

O regionalismo de Geddes é apresentado, novamente, como a solução para a degradação dos seis estágios do desenvolvimento urbano: eopolis (aldeia), polis (associação de aldeias), metropolis (cidade-destaque na região), megalopolis (início do declínio pela continuidade do crescimento), tiranopolis (fim da consciência cívica e conseqüente êxodo), até a necropolis, que é o fim da cidade como fato humano (ANHAIA MELLO, 1954, p.11-12). O controle da expansão urbana comparece explicitamente no discurso.

A cidade cresce, mas o homem é sempre o mesmo. No desenvolvimento para supercidades o ambiente não gera super- homens, mas sub-homens (ANHAIA MELLO, 1954, p.12).

A polinucleação e a unidade de vizinhança, agora devidamente limitada em população de 10 a 15 mil habitantes, são incorporadas como estratégias de planejamento muito bem definidas para combater o crescimento urbano (ANHAIA MELLO, 1954, p.17).

Nos anos seguintes, Anhaia Mello elabora sua tese da limitação do crescimento: “(...) estruturas urbanas polinucleares (...), com população limitada (entre 30 e 80 mil) e

150.000 para as Capitais regionais”( ANHAIA MELLO, 1961, p.106)

A tese da limitação do crescimento é incontestável. Desagrada a muita gente, porque põe termo a muita exploração imobiliária, a muita fortuna fácil – mas sociedade é uma organisação sob uma autoridade (ANHAIA MELLO, 1954, p.14)

Conclusões

Com esta brevíssima incursão nas palestras e textos de Anhaia Mello, é notável a semelhança entre a problemática daquele momento e a atual, pois a questão do limite do

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crescimento urbano, da expansão da cidade em termos territoriais e populacionais era e permanece central. No início do século XXI, percebemos um forte retorno às discussões sobre a intensificação da extensão da cidade e seus impactos econômicos, sociais, ambientais. A dispersão urbana é reconhecida pelos estudiosos como fato, mas não é aceita como “solução” de urbanização por aqueles que defendem o paradigma da cidade compacta, que argumentam explicitamente pela contenção e reorganização da expansão urbana.

Destacamos cinco temas recorrentes no discurso de Anhaia Mello: as questões sanitária, ambiental, tecnológica, social e conceitual. Parte destes temas é retomada pela teoria da cidade compacta contemporânea. O primeiro tema, a questão sanitária, tinha cunho higienista no discurso de Anhaia Mello, preocupado com o problema da higiene nas condições muito densas de habitação. Esta questão foi superada no discurso da cidade compacta dadas as novas técnicas construtivas e as novas tecnologias de saneamento e aeração, que permitiram aos urbanistas contemporâneos argumentar por densidades urbanas (novamente) mais altas. Mas as outras quatro questões reverberam significativamente o século passado.

A questão ambiental, agora travestida pelo impreciso termo “sustentabilidade”, se transformou na panacéia do discurso urbano contemporâneo. A teoria da cidade compacta argumenta pela contenção da expansão urbana para proteger as florestas remanescentes, mas também as terras rurais destinadas à produção de alimentos. Da mesma forma que Anhaia Mello, há quase um século atrás. Sobre a questão tecnológica no transporte, Mello já criticava os congestionamentos e o uso intensivo do automóvel. A teoria da cidade compacta contemporânea faz o mesmo, mas envolta numa aura de novidade, sob o rótulo da “mobilidade sustentável”, sem reconhecer os antecedentes deste debate. A questão social é abordada por Anhaia Mello em vários momentos, focando na dissolução das relações sociais na grande metrópole e na necessidade de resgatar o sentido de comunidade pela constituição das unidades de vizinhança. A teoria da cidade compacta também se preocupa com este “declínio social”, inclusive propondo a mesma solução, aliada ao uso misto (DUANY & PLATER-ZYBERK, 1994; DUANY, 2000). Por fim, a questão conceitual do que é cidade, e de como a dispersão leva(rá) ao fim desta – a necropolis, é revisitada por diversos autores, como conseqüência da questão social.

Neste brevíssimo artigo, tratamos de paralelismos entre o discurso atual e aquele de apenas um urbanista, Anhaia Mello, mas poderíamos ampliar bastante este escopo para revelar outras pretensas coincidências. Na verdade, coincidências não há. Entendemos que o debate contemporâneo sobre projeto e planejamento urbanos carece, por vezes, de reconhecer claramente a retomada de debates históricos, a revisitação de teorias anteriores, e a (re)construção de um arcabouço de propostas urbanísticas do início do século XX (e de muito antes) para “combater” os desafios da cidade do século XXI.

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