Resumo

O artigo intenta reconstruir a trajetória de um expoente imigrante sírio-libanês1 com ascendência armênia Rizkallah Jorge Tahan (1868-1949), tendo como foco suas intervenções no espaço urbano de São Paulo. Rizkallah desembarcou no porto de Santos em 1895 e, ao contrário da maioria dos imigrantes desta nacionalidade que se tornavam mascates ao chegarem no Brasil, trabalhou com a fundição de cobre, algo que já fazia em sua terra natal. Após três anos na capital paulista inaugurou a Casa da

Boia, casa comercial baseada no comércio de elementos como "a boia sanitária", o que permitiu seu enriquecimento e, consequentemente, endinheirado, a realização de uma série de obras nos centros "velho" e "novo" de São Paulo, as quais se constituem no foco desta pesquisa.

Palavras- Chave: Arquitetura, Imigração, Rizkallah Jorge Tahan, Sírio-libanês e Armênio.

Abstract

Through textual, oral and iconographic sources, this research intends to reconstruct the trajectory of the immigrant of Armenian-Lebanese ancestry Rizkallah Jorge Tahan (1868-1949). The research seeks to compile and analyze his interventions in the urban space of São Paulo. Rizkallah landed at the port of Santos in 1895 and unlike most of the immigrants of his nationality that became peddlers when arrived in Brazil, he choose to work with the copper smelter, which was already his professional activity in his homeland. After three years in the capital, he inaugurated the "Casa da Boia", that was the main place to the commercial activity linked with the sanitation. The artifact "float" was a breakthrough for the paulista society that allowed its rapid proliferation and, consequently, the enrichment of Jorge Rizkallah, enabling it to carry out a series of works in the centers "old" and "new" of the capital, which are the focus of this research.

Keywords: Architecture, Immigration, Rizkllah Jorge Tahan, Syrio-Lebanese and Armenian.

Introdução

RIZKALLAH, SÃO PAULO E O SURTO URBANO

Um dos principais fenômenos que deixou suas marcas nas cidades brasileiras foi a imigração. Ela se faz presente tanto nos diversos sotaques que ouvimos nos diferentes

1 O uso da expressão sírio-libanês se dá pelo fato de que até 1926 quando a República do Líbano foi criada, tanto Síria quanto Líbano estavam em um mesmo território, a grande Síria. Como Rizkallah Jorge veio ao Brasil em 1895, sua origem ainda era “turca”, pois ainda faziam parte do Império Turco- Otomano, depois da separação passaram a ser denominados sírio-libaneses. Segundo Gattaz, a imigração árabe, a rigor, engloba outras nacionalidades, como egípcios, palestinos, sauditas, iraquianos e outros, porém os libaneses respondem por cerca de 70% dos imigrantes árabes, no Brasil

bairros na cidade de São Paulo, quanto nas formas de uso e construção dos edifícios. Para compreender um pouco melhor a contribuição da colônia sírio-libanesa na capital paulista, o estudo da trajetória dos empreendimentos do imigrante Rizkallah Jorge Tahan parece bastante frutífero.

Bem como grande parte dos indivíduos que decidem sair de sua pátria de origem, Rizkallah Jorge também migrou para São Paulo por questões financeiras. Ele almejava que sua vinda ao Brasil propiciasse uma melhora de condições sociais para sua família. Portanto no ano de 1895, este decidiu migrar ao Brasil, e aqui chegando procurou uma profissão que se adequasse as suas habilidades prévias, a fundição de cobre. Com o dinheiro que acumulou após três anos na Capital, Rizkallah não comprou propriedades em sua terra natal, mas sim, adquiriu uma fábrica de cobre, popularmente conhecida como a Casa da Boia situada na Rua Florêncio de Abreu 123, considerado um dos empreendimentos mais antigos e tradicionais no comércio de metais da cidade de São Paulo (PONCIANO, 2007). A venda de "boias" sanitárias, artefatos que estavam com uma demanda alta em um período que as questões sanitárias e higiênicas eram o cerne da preocupação, propiciou seu enriquecimento que foi utilizado na construção de edifícios.

Quando Rizkallah Jorge chegou à capital, o ambiente paulista já havia passado por modificações que visavam sua modernização. Estas ocorriam desde o último quarto do século XIX, procurando tornar, de fato, a capital o centro regional, econômico e comercial de São Paulo. As modificações haviam se dado na difusão de novas fontes de energia, técnicas produtivas, transportes e comunicações e buscavam atrair para a capital os setores enriquecidos, principalmente os ligados ao café que se encontravam dispersos pelo interior. Será principalmente neste momento que muitos fazendeiros irão se estabelecer na capital. Com esta mudança populacional do interior para a capital se verá uma alteração populacional, “o número de habitantes passou de 30mil em 1870 para 50 mil em 1885, iniciando a República com quase 100 mil habitantes e chegando a 1900 com 240 mil” (CAMPOS, 2002).

Para Campos, a administração de Antônio Prado buscou o estabelecimento de uma centralidade na capital, que concentrasse no “núcleo histórico” as funções comercial e de serviços, assim constituiria um elemento de dominação, mostrando, a pujança de São Paulo como a cidade mais produtiva do país. Para atingir este objetivo se instalaram na cidade grandes empreendimentos, negociantes, e outras atrações que não eram encontrados facilmente, na cidade de outrora. Além da inauguração de novos empreendimentos, a partir de 1910 os edifícios públicos da região passaram por uma reformulação e ampliação. A monumentalidade permeou a construção destes novos edifícios e foi um fator para a valorização financeira do centro, isto pode ser facilmente identificado na construção dos palacetes de Rizkallah Jorge, que serviam para locação e passaram por algumas ampliações procurando garantir aluguéis mais elevados.

Na década de 1920 a cidade passou por um novo período de grande urbanização, principalmente em virtude do momento de prosperidade econômica do café. Neste momento surgem projetos de transformação, como o “Plano de Avenidas”, que criaria um anel que facilitaria a circulação radiocêntrica em São Paulo, são propostos o zoneamento que estabelecia padrões de construção por zonas e um novo Código de Posturas, que pautou a maioria das edificações de Rizkallah, uma vez que é nas décadas de 1920 e 1930 que teve uma maior atuação no ramo imobiliário. O Código de Posturas irá regular principalmente as alturas máximas permitidas aos prédios da região central, condições mínimas de ventilação e higiene e implantação no tecido urbano.

A cidade havia se tornado, na visão de muitos, um canteiro de obras. Maria Cecília Naclério Homem relata que “a capital superava os seus próprios recordes e os das demais cidades brasileiras. Em 1920, as estatísticas registraram 1.875 novas construções, que evoluíram para 3.922, em 1930. Construía-se à razão de uma casa por hora” (HOMEM, 1984).

Todas as construções encomendadas por Rizkallah estavam localizadas na região central que era uma das mais valorizadas na cidade de São Paulo. Para melhor compreender os locais que estas edificações estavam inseridas, faz-se necessário conhecer os projetos desenvolvidos e como afetaram os espaços em que os empreendimentos de Rizkallah estavam localizados. Analisemos mais especificamente a Várzea do Carmo e Centro Histórico, Anhangabaú e Paulista.

A INSERÇÃO DE SUAS OBRAS

Anhangabaú

Durante a virada do século a região ainda apresentava traços rurais, as casas eram baixas e continham hortas, uma faixa de plantas dividia a paisagem com a estrutura metálica do Viaduto do Chá, que foi visto como uma das principais obras do período. Apesar disso, por sua posição geográfica próxima à região central, este espaço será desde o final do período monárquico visto como de enorme potencial paisagístico e urbanístico, portanto, alguns projetos serão implantados tais como: o ajardinamento realizado em 1910 que resultou na criação do Parque do Anhangabahú e a abertura da Avenida Anhangabaú, durante os anos 30 com o “Plano de Avenidas” na administração de Prestes Maia.

Todos estes projetos realizados na região bem como sua posição privilegiada em relação ao centro histórico fizeram com que os terrenos passassem a ter uma valorização no mercado imobiliário. Verifica-se que Rizkallah tentou se beneficiar desta valorização, propiciada pelos projetos de melhoramentos, construindo uma série de empreendimentos no Anhangabaú e realizando posteriormente ampliações nos mesmos objetivando aumentar seus lucros com os aluguéis.

Rizkallah encomendou neste local a construção de três palacetes, que foram tombados em 1975, pelo processo de zona Z-8. Estes palacetes existem até os dias de hoje e podem ser vistos na rua Carlos de Souza Nazareth, antes chamada de rua Anhangabahú. Rizkallah também possuía outros edifícios neste mesmo endereço. Os projetos detalhados de suas construções no local permitem com que se compreenda sua inserção no mercado imobiliário do período.

O processo datado de 1932 e 1933, pede a substituição de plantas dos projetos já aprovados para a rua Anhangabahú 11. Pelo número de pisos e pelos ornamentos da fachada, este projeto parece ser referente ao atual Palacete Paraíso. No projeto são previstas a construção com estrutura de concreto armado de um porão, térreo, seis andares e de torre de elevador. Cada andar teria doze apartamentos, totalizando um total de 67 em todo o prédio. O térreo teria seis armazéns que serviriam de lojas.

O Palacete guarda traços da arquitetura eclética e possuí elementos que remetem à religiosidade de seu proprietário. “O detalhe mais curioso do Palacete é a decoração do salão de entrada: um nicho com as estátuas de Adão e Eva” e

Figura 1 -** Palacete Paraíso 1928/2012. **Fonte: ACB e Flickr

um vitral colorido formam a cena intitulada “o Primeiro Pecado” (CMP, 14/02/19862), cujas autorias são desconhecidas.

O número 130 da mesma rua também era sua propriedade e dois processos de 1927 e 1928, fazem referência a ele. O primeiro solicita a aprovação de plantas para o aumento de um andar no prédio que já estava em processo de construção3.

O número 862 possuí um processo datado de 1932, solicitando a aprovação para a construção de mais andares e

modificação para possuírem varanda, sendo o responsável por esta solicitação o construtor Plácido DallAcqua. Pelo desenho de sua fachada este edifício é o Palacete São Jorge, o único a possuir sacadas. Este edifício foi um dos primeiros prédios de apartamentos da cidade e constituí grande novidade de residência para a classe média (CMP, 21/02/1986). Ele é composto por seis pavimentos, totalizando cinquenta

apartamentos e dez estabelecimentos comerciais no andar térreo.

Figura 2 -** Planta Palacete Paraíso. **Fonte: AP

No Palacete estão as inscrições “RJ” e “1928”, remetendo a seu proprietário e sua data de construção, respectivamente. A fachada composta por arcos e tijolos aparentes se assemelha bastante aos edifícios americanos, sua configuração espacial segue as posturas da arquitetura clássica, marcada pela tripartição. Na imagem acima estas três divisões podem ser identificadas, sendo estas, o embasamento, a parte inferior do edifício local onde estão as lojas, o corpo, parte central e as cornijas, parte superior divida por um barrado. Dois edifícios, pelo menos, são símbolo desta estética: um se localiza em Chicago, originalmente chamado de Stevens Hotel (atual Hilton Chicago), e ,o outro, está localizado no centro de São Paulo, o conhecido edifício Martinelli.

Todos seus palacetes foram espaços destinados à construção de apartamentos de aluguel para as classes médias da cidade. A difusão destes apartamentos ampliava o processo de coletivização da cidade, processo que não foi visto de maneira homogênea por toda a população, já havia os que associavam este tipo de construção aos cortiços insalubres e temiam as consequências que podiam advir deste tipo de moradia; outros, ainda, consideravam os edifícios como boas soluções para o morar e trabalhar em uma cidade que aumentava sua população progressivamente.

Várzea do Carmo e Centro Histórico

A Várzea do Carmo, local onde se localiza o rio Tamanduateí, era, em fins do século XIX, um espaço bastante problemático para a municipalidade, que sentia a necessidade de urbanizar aquela região. Este local não possuía o modelo sanitário pretendido e, portanto, em 1875 foi realizada sua retificação e saneamento criando na Várzea a “Ilha dos Amores”. O local, antes frequentado por lavadeiras e mestiços, foi substituído por um parque construído a partir do projeto do francês Cuchet.

2 Coluna Memória Paulista escrita por Ernani Silva Bruno, no Jornal Folha de São Paulo.

3Este processo não contêm memoriais que nos possibilite afirmar como sendo um dos Palacetes, porém pelo fato do edifício atual possuir um barrado que separa os quatro primeiros andares do quinto e último andar, provavelmente seja o Palacete Aleppo, que teve um andar acrescido depois de sua construção.

Neste processo de urbanização é possível compreender a intenção de excluir socialmente as parcelas indesejadas da população para outras áreas, que não as do perímetro central (SANTOS, 2000), pois, assim, poderiam como já abordado anteriormente, afirmá-lo como um centro financeiro e cultural, núcleo da urbanização. A modernização de São Paulo gerou também uma discriminação e exclusão das parcelas pobres e percebe-se pelas ações da municipalidade que sua maior preocupação em relação ao espaço urbano se voltava ao embelezamento e não com a construção de espaços que pudessem abrigar as classes trabalhadoras.

As obras de Rizkallah inseridas nestas regiões se encontram divididas em: Florêncio de Abreu, Senador Queiróz, Tiradentes e 25 de Março, que serão tratadas respectivamente abaixo.

Na rua Florêncio de Abreu a construção que talvez seja de maior expressão devido sua ligação com a história de Rizkallah Jorge seja a Casa da Boia, porém, não foi sua única propriedade na região. O imigrante também era dono do edifício número 96 em 1913 irá por meio do arquiteto

Morcetti4 solicitar a substituição de plantas para poder reformar a frente e suspender o telhado do local.

A Casa da Boia, edifício de maior reconhecimento, é a loja de materiais hidráulicos fundada por Rizkallah Jorge em 1898, que se mantêm até os dias atuais em um bom estado de conservação. Sua situação atual não é a mesma da época de sua construção, o andar superior, que durante décadas

serviu como residência foi transformado em administração e parte do forro foi modificado (CMP 19/02/1986).

Figura 3 -** Fachada nº 96. **Fonte: AHMWL

A propósito, convém indicar que a Casa da Boia, antes situada no número 92 da rua, e, hoje, tratada como os números 364 e 370 passará por uma reforma tendo como responsável Plácido Dall'Acqua. Neste projeto estão anotadas as demolições dos telhados e de todas as paredes do piso térreo dos dois prédios até o nível da rua, bem como a remoção dos soalhos que eram de madeira (AMWL/SOP). O memorial anexo à solicitação e ao projeto ainda indica que a estrutura era de concreto armado sobre as vigas existentes dos atuais porões e a fachada era composta por paredes de alvenaria de tijolos e telhado de madeira de lei coberto com telhas nacionais. Dall' Aqua também indicou a construção de um galpão para abrigar os materiais necessários à obra.

O local deste terreno também será fruto de uma discussão com a municipalidade, que possuía a propriedade do número 94. Tanto seu terreno quanto o da prefeitura haviam sido propriedades de Antônio Costa Braga que teve sua propriedade desmembrada em cinco partes após sua morte, tendo quatro ficado com Rizkallah e uma com a prefeitura.

Entretanto, para a Prefeitura, houve um problema com relação aos limites entre estas partes. O fato de não haver clareza na Escritura de Transferência, significava que

4 Durante este período é bastante difícil afirmar que todos os profissionais eram formados. Para tal ver "O cotidiano em construção: os "Práticos Licenciados" em São Paulo (1893-1933)", do autor Lindener Pareto Júnior.

não se podia ter certeza que a dimensão do terreno de sua propriedade se restringia a 4 x 6,50 metros. Apesar desta questão, a Casa da Boia continuou mantendo sua extensão intacta, sendo um dos maiores terrenos da região. Ao analisar as imagens das obras de Rizkallah e seus projetos verifica-se que estes seguiam estilisticamente o ecletismo, postura arquitetônica bastante comum naquele período. Carlos Lemos propõe que devemos entender:

"O ecletismo como sendo toda a somatória de produções arquitetônicas aparecidas a partir do final do primeiro quartel do século passado [XIX], que veio juntar-se ao Neoclássico histórico surgido por sua vez como reação ao Barroco" (LEMOS, 1987).

A Casa da Boia, pois, se insere na segunda categoria de Ecletismo na divisão feita por Carlos Lemos. Esta compreende as construções neoclássicas, que contém, principalmente, pela ornamentação renascentista, portanto, se percebe que os ornamentos que circundam a fachada da Casa da Boia buscam elementos que remetem ao Renascentismo. A grande maioria dos edifícios encomendados pelo imigrante seguirão esta maneira de fazer arquitetura, aproximando-se do gosto corrente entre a clientela de seus prédios de aluguel.

Um dos empreendimentos encomendados por Rizkallah, e que não se referem a suas intenções comerciais é o complexo da Igreja São Jorge e Colégio José Bonifácio, localizado na rua Tiradentes. Rizkallah doou sua propriedade no número 835 da Avenida Tiradentes para a construção de uma Igreja da Comunidade Armênia de São Paulo. Pela doação realizada, o imigrante se tornou o grande benemérito do local, sendo homenageado em diversas partes de sua fachada e interior. Na parte de trás da Igreja se encontra o Colégio da comunidade, também erigido por ação de Jorge para abrigar os jovens levando-os a seguir as tradições culturais da terra natal.

A igreja foi construída entre 1945/1948 e inaugurada em 1949. O projeto tem assinatura do Escritório de Engenharia Mahfuz Ltda, cujo técnico era Michel Elias Mahfuz. A estrutura do prédio era de concreto armado com alvenaria de tijolos comuns, revestida de pedras, com telhas tipo Marselha. A preocupação com acabamento se dá, no piso de tacos, na entrada de granelite, nos ladrilhos hidráulicos dos sanitários, e nos azulejos vitrificados nas cozinhas e sanitários.

O Programa Arquitetônico contêm Presbitério, Batistério, Coro e uma Nave, haja vista que trata-se de uma igreja salão. A área total do conjunto é de mais de 1500m², somando-se o colégio e a Igreja. Estes números dão ideia da dimensão dos terrenos em que eram feitas as obras de Rizkallah Jorge.

Além das construções em outras partes da região central da cidade, Rizkallah também possuiu três edificações na rua 25 de Março, uma das principais zonas de comércio da cidade. Lá foi proprietário de dois armazéns no número 279 e de um edifício no 285, ambas reformas permitem perceber o uso comercial que seria dado aos terrenos, transformando os espaços para podê-los torná-los lojas.

Outro projeto de modificação, na mesma região, se refere à Antiga Casa Duprat, que passou a ser propriedade de Rizkallah. Esta foi demolida para a construção de três sobrados, com os números 84, 84 A e 84 B. O memorial descreve os materiais que seriam utilizados na nova construção, tais como os alicerces de concreto e a alvenaria de tijolos. As funções das instalações a serem construídas também se encontram descritas: iriam possuir residências na parte superior, e armazéns na parte térrea, caracterizando um edifício misto (AP). Os três armazéns e as três habitações seriam independentes, portanto, para se entrar na casa seria necessário subir a escada na lateral das lojas. Como tantos imóveis construídos no período. Os três sobrados possuem o a mesma tipologia, somente com distribuições diferentes. A planta da

habitação contêm espaço destinado a Sala de Jantar, Sala de Visita, Hall, dois dormitórios, Copa, Cozinha, Dispensa, Terraço, dois Banheiros, Lavabo e área descoberta. Um típico programa para as camadas médias da capital.

Paulista

A abertura da Avenida Paulista foi uma das principais iniciativas que marcaram o fim do século XIX. Entregue em 8 de dezembro de 1891, foi idealizada por Joaquim Eugênio de Lima, que se associou a João Augusto Garcia e José Borges Figueiredo. Durante este projeto contaram também com os desenhos do agrimensor Tarquínio Antônio Tarant.

Suas características, até então não muito comuns na cidade, atraíram uma série de compradores. A avenida reta, larga e plana tornou-se uma atração e o local passou a servir de moradia para as elites da capital. Campos Neto destaca que, naquele local, as elites encontrariam sua “garantia da representatividade simbólica tão cara a seus anseios de dominação” (CAMPOS, 2002). Benedito Lima propõe que a elite que vivia na avenida podia ser dividida em uma nobiliarquia composta pelos “barões”, quatrocentões enriquecidos com o café, “conde” industrial italiano, “cavaleiro” comerciante árabe, “rei” fazendeiros do café. Todos estes irão se instalar na Avenida por sua representatividade (TOLEDO, 1987).

A avenida também possuía outras características que a diferenciavam das demais regiões. Ela foi a primeira via asfaltada da cidade de São Paulo, em 1913. O asfalto, apesar de caro era necessário para poder receber o tráfego de carros e se impunha na montagem da rede de transporte rodoviário. Por toda a diferenciação social que representava era um material cobiçado pela elite paulistana.

Nas imagens gravadas em 1928 no filme produzido por Rizkallah Jorge, este aspecto do tráfego é bastante evidente como um diferencial da Avenida. Sua família posa em uma tomada voltada para a rua asfaltada no momento em que passa um ônibus, pode-se ainda identificar alguns carros que estão estacionados nas imediações. O filme ainda preserva imagens de sua residência que foi demolida para dar lugar ao edífcio Jorge Rizkallah Jorge, nome que presta homenagem a um dos filhos de Rizkallah. O edifício se localiza no atual número 1149, na esquina da Avenida

Paulista com a Rua Bela Cintra. Além do filme, os processos da Série Obras Particulares (SOP)5, preservam informações a respeito dos projetos do local.

O primeiro processo tratando deste endereço é datado de 1919. Ele contêm os documentos do Ateliers Americano de Architectura requerendo em, Março, a reforma e o aumento de um prédio, além de autorização para serviços de consertos, limpeza para a conservação e higiene. Posteriormente, em setembro, é feita uma nova solicitação esperando a licença para a modificação no plano inicial, que havia sido aprovado em 4 de julho. Para tal são enviadas novas plantas e um novo memorial.

As modificações sofridas no projeto se devem ao fato de uma ampliação de um andar na parte superior para a construção de um sobrado. O projeto previa que para esta modificação seriam necessárias mudanças na estrutura do edifício, visando reforçar as paredes com vigas de concreto armado.

5Rizkallah Jorge foi o responsável pela encomenda de uma série de empreendimentos na capital, alguns destes possuem seus projetos arquivados na Série Obras Particulares (SOP) depositada no Arquivo Histórico Municipal Washington Luís (AHMWL). Os projetos contidos no AHMWL cobrem os anos de 1870 a 1921, os posteriores a esta data estão alocados no Arquivo do Piqueri (AP). Estes documentos são fonte de uma série de informações a respeito das obras particulares.

No ano de 1920, foi realizado um novo requerimento, este solicitou a licença para chanfrar a guia de passeio na fachada da residência de Rizkallah para a entrada de automóvel, pois, como dito anteriormente, o carro se tornava bastante comum na cidade durante está década. O requerimento foi aprovado e executado após três meses. O terreno passou por uma grande modificação em maio de 1922. O construtor arquiteto Alberto Borelli, requereu a autorização para a construção de três casas, no terreno que englobava a Avenida Paulista, Rua Bella Cintra e Alameda Santos. Foram solicitadas, também, as guias de pagamento de emolumentos da licença e do

arruamento.

Estas três novas casas serviram de moradia para seus três filhos, e, mais uma vez,

Rizkallah Jorge se afirmou como o esteio de um núcleo familiar, trazendo seus filhos para morar ao entorno de sua residência. As casas foram construídas de concreto armado e alvenaria de tijolos. Percebe-se que os projetos estavam em sintonia com o novo cenário da construção,

que trazia “outros

conhecimentos, outras técnicas, outros materiais que

Figura 4 - Corte Lateral da Residência dos filhos de Rizkallah Jorge. Fonte: AHMWL

romperam aquela acomodação baseada na tradição cultural dos velhos tempos. Surgiu o tijolo. Apareceu a alvenaria argamassada contrapondo-se à terra socada” (LEMOS, 1987).

O autor destes projetos Alberto Borelli, foi responsável pela construção de mais duas obras do SOP (PARETO JUNIOR, 2001) e parece ter atuado em outros estados brasileiros. A este respeito, Nivaldo Vieira de Andrade Júnior coloca que:

“Dentre os arquitetos, engenheiros e construtores italianos que atuaram, ainda que temporariamente em Salvador entre as décadas de 1910 e 1920, podemos destacar (...); Alberto Borelli, que chegou a Salvador procedente de São Paulo, em 1912 e que foi autor do projeto do Gabinete de Leitura Português inaugurado em 1918” (ANDRADE JUNIOR, 2007).

Estilisticamente, a residência de Rizkallah, bem como as casas de seus filhos, são exemplares da grande quantidade de palacetes que compunham a Avenida Paulista. Este tipo de habitação era realizada pensando no programa de necessidades da burguesia e será o primeiro espaço residencial de luxo que ocupou a cidade. Os palacetes foram mais uma forma de representar a posição social dos indivíduos, expressando solidez financeira. O termo segundo Maria Cecília Naclério designou, em São Paulo, sempre a casa mais ampla, o sobrado de dois pavimentos em oposição às casas térreas (HOMEM, 1996).

O aspecto de maior relevância ligado à propriedade de Rizkallah Jorge na Avenida Paulista diz respeito a uma tese consolidada no ramo da arquitetura, de que as residências situadas neste local eram construídas estilisticamente de acordo com a nacionalidade de seu proprietário. O autor Benedito Lima de Toledo cita a passagem em que a autora Zelia Gattai, relata esta hipótese, outras passagens como a de Carlos Lemos, a seguir corroboram esta tese:

“nessa hora em que as famílias antigas viam meio assustadas os imigrantes ascenderem enriquecidos e construírem seus palácios florentinos ou árabes na Avenida Paulista, talvez fosse muito natural a lembrança da revitalização de suas próprias soluções arquitetônicas” (LEMOS, 1989).

O que se tem com relação às obras encomendadas por Rizkallah Jorge é que estas ao invés de representarem um estilo mourisco, ou otomano, seguem o modelo estilístico da época, o ecletismo que remete ao estilo neoclássico.

Conclusão

Figura 5 -** Casa de Rizkallah Avenida Paulista 1928. **Fonte: ACB

Todas as construções de Rizkallah listadas acima contribuíram para seu prestígio, tanto dentro da colônia sírio-libanesa, quanto na capital paulista. Suas obras se tornaram marcas no tecido urbano e projetaram seu nome entre seus pares. Elas mostravam que ele, mesmo tendo chegado a São Paulo com recursos financeiros escassos, conseguiu atingir fortuna. Portanto, suas atividades ligadas ao ramo da construção, bem como suas iniciativas financeiras, contribuíram para seu objetivo de atingir reconhecimento nas sociedades em que frequentava.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: SENAI, 2002.

HOMEM, Maria Cecília Naclério. A Ascensão do Imigrante e a Verticalização de São Paulo: o Prédio Martinelli e sua História. São Paulo: Projeto, 1984.

HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano: e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira, 1867-1918. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996.

LEMOS. Carlos. Alvenaria Burguesa. São Paulo.Nobel: 1989.

. Ecletismo em São Paulo. In: Arquitetura brasileira, São Paulo: Nobel/Edusp, 1987.

PARETO, Lindener. O Cotidiano em Construção: Os “Prático-Licenciados” em São Paulo (1893-1933). Tese de mestrado, USP, 2011.

PEREIRA, Paulo César Xavier. A modernização de São Paulo no final do século XIX

– da demolição da cidade de taipa à sua reconstrução com tijolos. In SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de, (coord.). Habitação e cidade. São Paulo: Fapesp, 1998.

PONCIANO, Levino. Todos os Centros da Paulicéia. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Várzea do Carmo, Lavadeiras, Caipiras e “Pretos Véios”. In Memória e Energia. São Paulo: Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, n. 27. 2000.

TOLEDO, Benedito Lima de. Álbum Iconográfico da Avenida Paulista. São Paulo:

ExLibris, 1987.

.São Paulo: três cidades em um século São Paulo: Cosac

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