Apontamentos sobre a omissão do Planejamento Regional e Urbano no Estado de São Paulo: a sobreposição de territórios no contexto da urbanização crítica de Ribeirão Preto
Resumo
Este artigo estuda duas sobreposições de territorialidades no Estado de São Paulo. A primeira, extremamente contraditória, consiste no avanço da cultura sucroalcooleira latifundiária, amparada pelo Estado, por sobre culturas camponesas de produção de alimentos. Este processo tem como resultado (histórico) a expropriação contínua do homem do campo, direcionando-o às grandes cidades. A segunda sobreposição consiste no encontro deste mesmo território canavieiro com o eixo da reestruturação produtiva advindo da metrópole, encontro que tem como produto uma industrialização fundamentada no aumento da produtividade agrícola monocultora, o que intensifica as forças da territorialização da cana em detrimento da produção de alimentos por parte de pequenas e médias propriedades. Ambas as sobreposições, estreitamente relacionadas, acontecem no município de Ribeirão Preto, cuja periferia recebe as contradições do processo, expressas pelo alto índice de favelização e pelas frequentes desocupações. Acusa-se aqui uma dupla deficiência, no Planejamento Regional e no Planejamento Urbano, em resolver esta questão.
Palavras-chave: Divisão territorial do trabalho, Planejamento Urbano e Regional, Relação cidade-campo, Rede Urbana Paulista
Abstract
This paper studies two overlays of territoriality in the State of São Paulo. The first, extremely contradictory, is the advancement of sugarcane culture, supported by the State, overlapping peasant cultures of food production. It results in continuous expropriation of the peasant, directing them to the big cities. The second territorial overlay is about the meeting between the same sugarcane territory with the axis of industrial restructuring, arising from the metropolis of São Paulo. This meeting results in the increase of monoculture agricultural productivity, which intensifies the forces of sugarcane productivity. Both overlays are closely related and have Ribeirão Preto City as nuclear region to be studied. On its periphery are given the contradictions of the process, expressed by the high rate of slums and frequent removals of poor people. The indictment alleges here a double deficiency in Regional Planning and Urban Planning in resolving this issue.
Keywords: Territorial division of labor, Urban and Regional Planning, urban-rural relationship, São Paulo Urban Network
Introdução
A urbanização brasileira em curso não pode ser explicada sem pensarmos as relações socioeconômicas que se dão no campo, na cidade e na indústria, e nas diversas escalas e tempos em que estes três ramos produtivos interagem. Dentro do campo das disciplinas territoriais, a escolha da análise deve atravessar este vasto espaço-tempo e criar um foco de estudo com o objetivo de trazer subsídios à orientação da
transformação no sentido de um arranjo territorial menos desigual.
Figura 1 – Fatores do dinamismo (2008) Figura 2 – Presença de favelas (2008)
Fonte: THÉRY e MELLO, 2008 Fonte: THÉRY e MELLO, 2008
Neste sentido, este texto argumenta que as cidades só serão mais equilibradas se repensada a inserção das mesmas e de sua região de influência na economia de modo diverso do que vem ocorrendo. Acusa-se aqui uma dupla deficiência no Planejamento Regional e Urbano que vem deixando as rédeas do arranjo territorial e intra-urbano nas mãos de um mercado simultaneamente calculista e anárquico.
A ideia que aqui se coloca é que não há uma ruptura histórica na estrutura da rede urbana paulista no que se refere às hierarquias de domínio nela contidas, de modo que a divisão regional (e nacional) do trabalho mudou de escala, mas não de conteúdo (SCHIFFER, 2010)1. A ausência de um planejamento regional que remodele a divisão do trabalho e lhe dê um sentido2 (PRADO JR, 1996) interno é um sintoma de que as políticas públicas apontam para a concentração do desenvolvimento industrial na macrometrópole, mais uma vez, reproduzindo uma polarização que coíbe o desenvolvimento social tanto do que está dentro, quanto do que está fora desta
centralidade, como veremos adiante através da cartografia crítica de CUBAS (2012). No que se refere ao espaço intra-urbano paulista, os grandes projetos urbanos, além de serem realizados centrados em “modelos de sucesso internacional” e pouco se dirigirem aos espaços de exclusão, se limitam à metrópole de São Paulo, concentrando investimentos num espaço de “macrocefalia urbana” típica de países periféricos, no qual existem locais onde é possível reproduzir a renda da elite
1 “Argumenta-se que o processo de constituição do mercado unificado brasileiro tenha se dado como requisito para a manutenção da hegemonia econômica paulista. Tal processo impôs transformações no território nacional, já que direcionou investimentos públicos e privados e exigiu a implantação de infraestruturas regionais para romper com os espaços fragmentados gerados a partir do período colonial” (SCHIFFER, 2010, p.75).
2 O termo “sentido” é aplicado aqui no seu significado indicativo, como utilizado por Caio prado Jr. (1996). Argumenta-se que a opção pela “comoditização” da economia no Brasil central é um grave entrave, desprendendo o pequeno produtor da terra e gerando abismos sociais nas cidades.
fundiária e imobiliária sem resultados sociais ou abrangentes (FERREIRA, 2004)3. No que se refere à escala regional, o maior sintoma do descompromisso com as cidades médias do interior e com a remodelagem da divisão do trabalho é o fato da própria EMPLASA, empresa pública responsável pelo planejamento regional paulista,
ter como objeto de atuação, assumidamente, a sua própria definição de macrometrópole4. A estratégia passa a ser reinserir este espaço estratégico como competidor na escala nacional e internacional.
Em suma, não há Planejamento Regional no Estado de São Paulo que vise um desenvolvimento equilibrado entre as cidades, e os planos urbanos se limitam a lugares estratégicos da metrópole, em benefício de certa elite e em detrimento de grande contingente populacional. Conforme demonstram os mapas acima (Fig. 1 e 2), no Brasil, desenvolvimento é sinônimo de desigualdade social.
Os múltiplos territórios dentro de um território múltiplo (unidade e contradição) O Estado de São Paulo é um território múltiplo no qual existem frações do espaço com certa hegemonia interna, ou seja, (sub)territórios cuja manutenção, quando dentro de uma lógica capitalista guiada pelo aumento de lucros e diminuição dos gastos, depende de sua dinâmica interna e relacional, o que significa, muitas vezes, expansão espacial.
Deste modo, dentro do Estado de São Paulo, existem movimentos de sobreposição territorial que podem gerar lutas de resistência, caso haja incompatibilidade entre as relações de produção em disputa, ou não, caso haja compatibilidade. A territorialização seria então o processo de homogeneização de certa qualidade, no nosso caso, da produção sucroalcooleira. Esta homogeneização supera os conflitos da territorialidade pretérita através da força física e/ou simbolicamente, através da construção de um discurso.
O que deve ficar claro deste embasamento teórico-metodológico5 é que certa população desterritorializada deve, necessariamente, se re-territorializar onde possível. Este é o movimento dos múltiplos territórios dentro de um território múltiplo, o que HAESBAERT (2010) chamou de movimento cíclico de des-re-
territorialização.
Neste texto, tenta-se argumentar que a des-re-territorialização do campesinato6 paulista é um processo que tem na dupla-ausência Planejamento Urbano-Regional uma de suas maiores causas. Isto porque a desterritorialização do pequeno produtor causada pelo avanço agroindustrial é necessariamente sua re-territorialização precária e temporária nas periferias das cidades ou mesmo no campo à volta de cidades mais distantes, onde possível. Importante perceber a impossibilidade de grande parte da população em habitar o campo e a cidade e a ineficácia e passividade do Estado em
3 “[...] em São Paulo, verifica-se historicamente um significativo favorecimento ao vetor sudoeste na aplicação dos investimentos públicos em infraestrutura urbana, privilegiando as elites em seu deslocamento pela cidade, e promovendo uma importante valorização fundiária e imobiliária, cuja rentabilidade é evidentemente apropriada por estas mesmas elites” (FERREIRA, 2004, p.16).
4 “A EMPLASA é a empresa de planejamento do Estado de São Paulo com atuação nas unidades
regionais instituídas [...] focada no território da Macrometrópole Paulista. [...] São 173 municípios que concentravam, em 2010, 73,3% do total da população paulista, 83,4% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual e 27,6% do PIB brasileiro” ([www.emplasa.sp.gov.br]{.ul} - acesso em 10/1/2014).
5 Trata-se de uma visão histórico-geográfica baseada nas ideias de HAESBAERT (2010), que coloca como escala de análise principal as territorialidades escolhidas conforme o objetivo da pesquisa, ideia que pode adentrar o universo do materialismo histórico se articulada com o conceito de hegemonia desenvolvida por GRAMSCI (2008).
6 “[...] a expansão do modo capitalista de produção no campo se dá primeiro e fundamentalmente pela
sujeição da renda da terra ao capital, quer comprando a terra para explorar ou vender, quer subordinando a produção do tipo camponês” (OLIVEIRA, 2010, p.8).
resolver esta questão. Trata-se do processo de urbanização crítica, em que não há urbano para todos (DAMIANI, 2000)7.
O processo majoritário em andamento no campo paulista hoje é a territorialização da cana-de-açúcar, mantido por forças hegemônicas que, para desterritorializar o pequeno produtor, envolve a formação de cartéis (pequenos produtores são obrigados a entregar sua produção para uma só usina e receber pela matéria-prima o que ela determina) amparados pela ideologia-mito do Etanol como combustível “sustentável” elaborada pelo Estado na sua relação com as elites rurais.
A comoditização da economia brasileira e o aumento da pobreza
Para demonstrar este processo de sobreposição cartograficamente, revelando a eficácia da estratégia das diversas esferas do Poder Público em tornar a agroexportação no Brasil cada vez mais forte, vale aqui uma breve síntese da pesquisa “São Paulo agrário: representações das disputas territoriais entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009” (CUBAS, 2012).
Os mapas abaixo expressam o avanço territorial no sentido sudoeste da cana-de- açúcar, o que exigiu a conquista de territórios que pertenciam a outras culturas e em determinado momento até outras lógicas de produção. Este território avança, principalmente, sobre as culturas do arroz, do feijão, da laranja e do milho (CUBAS, 2012, p. 205).
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Figura 3 - Lavoura temporária da cana em hectares (CUBAS, 2012).
7 “Considerando-se os limites da inserção, no mercado de trabalho, da força de trabalho disponível nas grandes cidades; considerando-se, também, como fundamento e base de desenvolvimento das cidades, como corpo citadino ou na sua materialidade, a propriedade da terra capitalizada, que sustenta um amplo campo de negócios urbanos, a urbanização em nosso país é crítica. [...] O que é a urbanização crítica? É a impossibilidade do urbano para todos, a não ser que se transformem radicalmente as bases da produção e da reprodução sociais” (DAMIANI, 2000, p.30).
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Figura 4 - Lavoura de laranja em toneladas (CUBAS, 2012).
A cultura da laranja, que anteriormente proporcionava a reprodução do pequeno produtor, perdeu investimentos em função da prioridade dada pelo Estado à cana. Esta cultura hoje mantém alguns territórios, como na Alta Mogiana, mas está marcada pela presença da Cultrale, uma das maiores agroindústrias de suco de laranja no mundo. As famílias camponesas, desde a década de 1980, vêm sendo descapitalizadas e desterritorializadas da terra. O domínio econômico por parte de grandes empresas significa território perdido para os próprios camponeses citricultores. Configura-se, deste modo, uma pressão para suprimir o citricultor familiar pequeno e médio, por meio de uma política dirigida pelo agronegócio da laranja. Apenas na década de 1990 o número de citricultores diminuiu em quase dois terços (CUBAS, 2012, p.209).
O avanço da cana-de-açúcar também diminuiu e concentrou nas mãos de poucas empresas as culturas do arroz e do feijão. Os mapas abaixo demonstram em que medida a cultura do pequeno e médio produtor foi desaparecendo do mundo rural paulista em benefício no avanço da monocultura.
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Figura 5 - Lavoura de arroz em toneladas (CUBAS, 2012).
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Figura 6 - Lavoura de feijão em toneladas (CUBAS, 2012).
Desta forma, não é difícil constatar que a elite rural paulista não está preocupada em preservar a sociobiodiversidade e muito menos a segurança e soberania alimentar. Neste sentido, tem lançado e legitimado conceitos frágeis como o da sustentabilidade do álcool como combustível de maneira a convencer à sociedade que apoiem seus projetos. Neste processo de desterritorialização, houve um acirramento do abismo social e da intensidade da pobreza, na medida em que a população desprendida do território (seja do entorno, seja de áreas distantes) não encontra nas cidades meios de vida suficientes para sua reprodução digna. Em contraposição à medição do IDH apresentada pelo governo, que aponta que a renda per capta e o acesso ao ensino e à saúde pública melhoraram, a pobreza e a concentração de renda se elevaram, como demonstra o mapa abaixo (CUBAS, 2012, p. 185).
Figura 7 – Espacialização da pobreza no Estado de São Paulo (CUBAS, 2012).
Deve-se observar que no entorno da cidade de Ribeirão Preto, principal polo da região da cana-de-açúcar, o índice de pobreza é extremamente elevado. Numa análise que envolve a relação cidade-campo-indústria, é preciso ter esta informação em mente para, mais adiante, verticalizar o estudo sobre a produção do espaço intra-urbano e a ausência de projetos urbanos nesta cidade. Mas, primeiramente, é preciso compreender outra territorialização no território paulista.
A reestruturação produtiva relativa
Ao mesmo tempo em que se territorializa a cultura da cana-de-açúcar no sentido nordeste – sudoeste do ESP (ver fig. 3), principalmente a partir da Região de Ribeirão Preto (epicentro), vê-se outro processo em curso nas últimas décadas no sentido norte: a reestruturação produtiva ou desconcentração industrial. Existiria um limite a esta
expansão das indústrias? O modo de se inserir da região de Ribeirão Preto, como território predominantemente agroindustrial, seria inibidor do avanço das indústrias neste sentido? Sim e não. A industrialização nesta região adquire conexões estreitas com a agroindústria, de modo que seus vínculos produtivos com a produção da cana são diretos e indiretos. A especialidade no entorno de Ribeirão Preto em produzir maquinário e equipamentos de transporte (setor metal-mecânico) necessários à intensificação produtiva canavieira revela um fenômeno de sobreposição de territórios sem antagonismo, sem conflito.
Isto significa que a divisão regional do trabalho se intensifica (e não se modifica) à medida que a própria reestruturação produtiva avança por sobre territórios agrícolas, transformada. Neste sentido, é possível dizer que não há mudança de conteúdo na forma como se insere Ribeirão Preto na economia regional, como cidade fundamental para o aumento da produtividade agrícola monocultora, latifundiária, conservadora, bem como nos tempos do café.
O argumento aqui explícito é o de que esta reestruturação é relativa, primeiro porque, como lembra LENCIONI (1994), a desconcentração não vem acompanhada por uma descentralização do poder e das submissões interurbanas: as sedes, as decisões, e o trecho final e mais lucrativo do circuito nacional do capital ainda estão concentrados na metrópole. Segundo porque, como lembra (NOBRE, 2007, p.4):
[...] a desconcentração das atividades industriais não foi uniforme, mas ocorreu de forma espraiada, num raio de 150 km da capital, seguindo os principais eixos rodoviários em direção às regiões de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba, construindo uma desconcentração concentrada.
Portanto, ao falar de desconcentração industrial deve-se ter em mente três fatores que interagem: a) a simultânea centralização deste processo em termos de poder; b) a escala em que se dá esta desconcentração para identificar sua própria concentração; e
c) que este processo invade e coaduna com o próprio meio agrícola, fundindo ramos produtivos num mesmo território.
A inserção da Região Administrativa de Ribeirão Preto na economia regional
A R.A. de Ribeirão Preto é composta por 25 municípios e ocupa 3,8% do território paulista. As usinas processadoras de cana-de-açúcar representam a principal atividade industrial da região e acabam estimulando o desenvolvimento de outros setores, como o químico (fertilizantes) e o das máquinas agrícolas e equipamentos para usinas (EMPLASA, 2012, p.12).
É preciso reconhecer ainda, que na cidade de Ribeirão Preto formou-se um importante cluster de produtos e equipamentos médicos, hospitalares e odontológicos, devido à presença de instituições de ensino da área de ciências biomédicas de alto padrão científico. Mas a própria EMPLASA oferece uma descrição da economia da região, reconhecendo que seus principais ramos e arranjos produtivos estão mesmo vinculados à territorialização da cana:
Em função do agronegócio da cana-de-açúcar, os municípios acabam se integrando, interagindo e criando interdependências, especialmente com o polo de Ribeirão Preto, que desempenha as funções terciárias ausentes em grande parte dos primeiros. As lavouras, usinas e destilarias encontram-se, em sua maioria, nos municípios do entorno de Ribeirão Preto que, por sua vez, lhes fornece uma rede de serviços e de comercio primordial ao funcionamento da economia regional. Desse modo, o dinamismo de Ribeirão Preto é dependente do desenvolvimento das atividades econômicas dos municípios de sua área de influência e vice-versa. [...] O setor de serviços também se beneficia com a atividade agroindustrial, a exemplo da Agrishow, uma das principais feiras nacionais e internacionais de produtos voltados para a agropecuária e agroindústria (EMPLASA, 2012, p.11-13).
Algumas considerações sobre o espaço intra-urbano de Ribeirão Preto
É verdade que o contingente desprendido não se re-territorializa necessariamente nas cidades mais próximas de seu antigo território (embora isto seja frequente numa primeira desterritorialização) o processo migratório é constante e contínuo por parte destas pessoas e envolve trocas entre todo o território nacional, principalmente entre o nordeste e o Estado de São Paulo. No entanto, independente da origem da população da periferia (mesmo porque e expropriação do homem no campo é um processo generalizado pelo país), o que se constata no processo urbanização de Ribeirão Preto são duas formas principais de produção do espaço: a) as favelas, nos lugares de menor acessibilidade e piores condições infraestruturais, com contingente atraído também pelo aquecimento do mercado de construção civil; e b) os próprios loteamentos fechados de médio e alto padrão nas periferias de melhor acesso ao centro. Estas duas tipologias são repelentes espacial e ideologicamente entre si, o que faz surgir territorializações claras e evidentes na escala intra-urbana, mas dependentes no que se refere às relações de produção do espaço, muito embora a elite conservadora da cidade tenha isto em seu campo cego.
As favelas em Ribeirão Preto
Em Ribeirão Preto encontram-se hoje, cerca de 40 favelas e 25 mil pessoas habitando- as, e este quadro vem se agravando a cada dia. O que impressiona é a velocidade em que se multiplicam tais assentamentos. Dados de 1990, disponíveis na SEPLAN-RP, apontavam dezessete núcleos de favela, que juntos somavam 1.884 barracos e uma população estimada de 5.575 habitantes. Num período de dezoito anos, dobrou o número de núcleos de favelas e praticamente quadriplicou o número de barracos e a população ali residente (MIGLIORINI, 2009).
Muitos moradores são atraídos do Maranhão e do Piauí, em busca de trabalho no setor da construção civil, principalmente de condomínios fechados, e nos serviços de segurança, limpeza e etc. destes mesmos condomínios. Outros são sem terras paulistas, expropriados do campo regional.
Figura 8 – Localização dos núcleos de favelas de Ribeirão Preto Fonte: Plano Local de Habitação de Ribeirão Preto (PLHIS) - 2010
Segundo MIGLIORINI (2009), o Município de Ribeirão Preto nunca contou com uma Secretaria da Habitação, assunto cujas atribuições sempre ficaram na responsabilidade da Companhia Regional de Habitação de Ribeirão Preto (COHAB-RP), que vem implantando um “projeto” denominado “erradicação de favelas”, através do qual vem tentando desapropriar, muitas vezes violentamente, as diversas ocupações pela cidade. Em Julho de 2011, com o uso da cavalaria, de balas de borracha e de bombas de efeito moral, a Polícia Militar expulsou mais de 200 famílias de uma área particular, no Jardim Aeroporto, Zona Norte da cidade. Os barracos foram incendiados e postos a baixo, e as violentas imagens transmitidas pela mídia chocaram a população brasileira.
Figuras 9 e 10 – Desapropriação da favela do jardim do Aeroporto em Julho de 2011 Fonte: [http://novoaeroportoribeiraopreto.blogspot.com.br/2012_02_01_archive.html]{.ul}
De acordo com MIGLIORINI (2009), encontram-se em desenvolvimento na cidade apenas dois projetos destinados à regularização de núcleos de favelas – o do complexo Aeroporto/da Mata e o de Monte Alegre. O primeiro é fruto da internacionalização do Aeroporto Leite Lopes, e se vale dos efeitos negativos da sua proximidade para mais uma vez optar pela remoção. O segundo é fruto da mobilização da comunidade local, que se aproveitou dos debates decorrentes do caso Aeroporto para alavancar o primeiro processo de urbanização de favelas que deverá ser implantado na cidade.
Alguns conjuntos habitacionais foram construídos nos últimos anos pela CDHU. A foto abaixo, retirada do próprio Portal do Governo do Estado de São Paulo, demonstra a característica dos projetos habitacionais que vem sendo construídos com orgulho pelo Estado na cidade.
Figura 11 - Conjuntos habitacionais da CDHU, construídos em 2002, em Ribeirão Preto.
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/5985-problemas-em-casas-populares-de-ribeirao-preto
Loteamentos fechados em Ribeirão Preto
O fenômeno da suburbanização ocorrido nos EUA após 1945 está em plena evolução nos dias de hoje no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo. Aquilo que se mostra hoje como o maior desafio para diversos urbanistas norte-americanos, qual seja, reverter o processo de suburbanização, está ocorrendo hoje no entorno das cidades brasileiras desenfreadamente. O preço baixo das terras rurais disponíveis ainda não loteadas combinado com o porte das cidades que ainda não inviabiliza os deslocamentos são as principais causas específicas da produção deste tipo de espaço nas cidades de médio porte (SPOSITO, 2006). Combina-se a isso, a forte ideologia promovida pelas propagandas imobiliárias de repúdio às cidades, do “viver no campo”, que todo ano convencem milhares de pessoas a se mudar do centro para a nova periferia.
Figura 12 – Municípios com mais lançamentos de condomínios fechados em 2012
Fonte: Folha de São Paulo - http://classificados.folha.uol.com.br/infograficos/2013/04/01-municipios-com-mais- lancamentos-em-2012.shtml (acessado em 11/1/2014).
A construção de condomínios fechados em cidades do interior paulista remonta em alguns casos à década de 1970, mas a análise do ritmo de implantação dá indícios de que o fenômeno se tornou mais forte a partir dos anos 1990. No entanto, é preciso compreender que esta nova dinâmica redefine a morfologia urbana quando se articula com outras dinâmicas, como a produção de shopping centers e a própria vinda das funções urbanas essenciais, que transformam a paisagem em conjunto com os loteamentos. Já é sabido que este modo de produção do espaço é extremamente segregador, e que define descontinuidades territoriais evidentes em relação ao conjunto da cidade. Os muros impedem a permeabilidade urbana, de modo que é preciso contorná-los para ir de um ponto ao outro da cidade (SPOSITO, 2006). Além disso, o uso monofuncional do solo, estritamente residencial, e o isolamento em relação à cidade implicam o uso do automóvel para o deslocamento diário para quase todas atividades.
Considerações finais
Procurou-se, neste texto, demonstrar que o desenvolvimento regional vem sendo orientado pela comoditização do “oeste paulista” em benefício de grandes empresas sucroalcooleiras, processo que vem gerando, como em outros momentos da história, inúmeros problemas sociais e territoriais vinculados à impossibilidade da reprodução social do homem no campo.
Enquanto isso, o planejamento estatal regional se volta à macrometrópole, preocupado em aumentar a competitividade deste território estratégico da reestruturação produtiva no mercado nacional e internacional.
O encontro dos movimentos de territorialização da cana e da desconcentração industrial não é de modo algum contraditório ou antagônico. Ele dá origem a uma
industrialização fundamentada no aumento da produtividade agrícola, servindo à reprodução intensificada da monocultura da cana. A divisão regional do trabalho, deste modo, se acirra, e não é possível falar de novos modos de inserção de certas cidades na divisão do trabalho. Ribeirão Preto repete sua condição hierárquica na rede urbana regional, similarmente à sua posição de “eldorado do café” em fins do séc. XIX.
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